O globo, n. 30.171, 15/03/2016. País, p. 4

Jaques Wagner acusa Moro de criminalizar a política

Para ministro, juiz da Lava- Jato virou o ‘rei da festa’ nas manifestações

Por: Catarina Alencastro/ Eduardo Barreto/ Cristiane Jungblut

 

- BRASÍLIA- O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, acusou o juiz Sérgio Moro de criminalizar a política na sua condução, ao lado da Polícia Federal, das investigações da Lava- Jato. Em entrevista, ontem, ele reconheceu a força da manifestação, mas disse que, ao promover uma ação tão duradoura quanto a Lava- Jato, Moro demonstra que tem um plano traçado. Wagner chegou a comparar a política brasileira com o seriado americano “House of Cards”, no qual o ambicioso Frank Underwood é capaz de tudo, até matar, para atingir seu objetivo de chegar à Casa Branca.

— Evidentemente que teve um plano traçado, não estou inventando. O Moro quando escreveu aquele negócio dele, da Operação Mãos Limpas... ele está quase chegando no seu objetivo, da criminalização da política. Alguma vez teve algo tão espetaculoso durante tanto tempo? — questionou Wagner, acrescentando: — Vamos ser francos. É bem- vinda a investigação, se ela produzir o que todos nós queremos, uma relação público- privada menos perniciosa, vamos chamar assim, genericamente. Agora, o que eu não acho razoável é que nesse processo... tudo está sendo criminalizado.

 

MANIFESTAÇÃO PRODUZIDA

Wagner rejeitou a comparação das manifestações de domingo, quando 3,6 milhões de pessoas foram às ruas para pedir o impeachment de Dilma, com as Diretas Já. Para ele, os protestos de ontem foram bem mais produzidos e segmentados. As Diretas Já, disse, não contaram com patrocínio.

— O governo reconhece, sem desmerecer. Mas nunca tivemos uma manifestação tão produzida. Não me venham falar de espontaneidade — declarou o ministro, que citou a mudança no horário da partida entre São Paulo e Palmeiras, da tarde para a manhã, como um apoio ao protesto.

Wagner, que participou com outros sete ministros da reunião de coordenação política com a presidente Dilma Rousseff, sustentou que as manifestações atingiram a classe política como um todo, sem poupar a oposição. Para ele, Moro foi “o rei da festa”.

— O Aécio veio achando que ia chegar e ia ser o rei da festa. O rei da festa foi o Moro. O Moro e outras coisas preocupantes. Os parlamentares da oposição não tiveram beneplácito. Quem achou que ia faturar não faturou — pontuou.

Ainda sobre a manifestação, Wagner admitiu que foi grande e que deve ter “animado” a oposição. O ministro atribui o mau momento econômico do Brasil como principal alimento da insatisfação popular.

— O principal é a economia. As pessoas vinham com esperança — afirmou Wagner, e completou:— O mau humor acaba sendo apontado para o governo federal.

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Ato do dia 18 terá ex-presidente

 

- SÃO PAULO- Se o juiz Sérgio Moro é apontado como astro das manifestações de domingo, os movimentos sociais e o PT esperam fazer do ex- presidente Lula o personagem central do ato em favor do governo, marcado para sexta. Os organizadores vão priorizar também uma defesa institucional dos partidos políticos e afirmaram que Lula irá. Além disso, petistas e representantes de centrais sindicais pretendem reforçar críticas à atuação do Judiciário na Operação Lava- Jato.

O presidente do PT, Rui Falcão, criticou ontem o ataque aos políticos e aos partidos no último domingo, nos atos a favor do impeachment. Houve vaias a políticos como o senador e presidente do PSDB, Aécio Neves, e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.

— Foi uma manifestação de rejeição à política e combate à corrupção — disse Falcão.

Em texto divulgado ontem nas redes sociais, a Central Única dos Trabalhadores ( CUT) afirmou que “o desprezo aos partidos políticos leva à ditadura do Judiciário, ao fascismo”.

Rogério Chequer, líder do movimento “Vem Pra Rua”, um dos organizadores dos protestos de domingo, classificou as vaias a Alckmin e Aécio como “preocupantes”.

Já o coordenador do MBL, Kim Kataguiri, não viu justificativas para a ação:

— Aécio era criticado por não ir às ruas nem apoiar o impeachment. Mudou e apareceu. As vaias não valeram.

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Palavra de especialistas

 

CLÁUDIO COUTO

CIENTISTA POLÍTICO DA FGV- SP

“Por sua magnitude, os protestos provocam um enfraquecimento ainda maior do governo e fortalecem o impeachment no Congresso. O porém é que o Eduardo Cunha, que vai conduzir esse processo, carece de legitimidade. Esse é o grande trunfo do governo: Cunha virou um anti- símbolo do combate à corrupção. Se pedem a saída da presidente Dilma por eventuais malfeitos, por que deixar o presidente da Câmara, que também é investigado, conduzi-lo? O fato de lideranças do

PSDB terem sido vaiados sinaliza que as manifestações, por mais que sejam contra o governo, não alcançam apenas aqueles que são puramente anti- petistas. Os participantes mostram- se contrários à

classe política em geral”.

 

PAULO BAÍA

CIENTISTA POLÍTICO DA UFRJ

“As manifestações de ontem pressionam o Congresso Nacional, e sobretudo o Senado, para a solução do impeachment. E pressionam o governo para que procure romper o isolamento e estabelecer algum tipo de contato com as demandas da sociedade. E as manifestações de ontem pedem uma resposta muito rápida. A população se manifestou pela negação do governo e a favor da Lava- Jato, que é o que está dando respostas mais imediatas. Tivemos a maior manifestação política da História do país, buscando um fio de esperança. Daí apontar o juiz Sérgio Moro como sinalização dessa esperança. Há também uma contundente crítica ao sistema político e aos representantes políticos.”

 

JOSÉ ÁLVARO MOISÉS

CIENTISTA POLÍTICO DA USP

“O recado das ruas para o governo foi muito claro: querem fora Dilma, PT e o ex-presidente Lula, além de apoio a Sérgio Moro e contra a corrupção sistêmica. Para o Congresso, foi para que dê seguimento ao exame do processo de impeachment. A manifestação com esse volume e a convenção do PMDB, que decidiu progressivamente descer do governo, criam uma nova conjuntura política. Há um erro de avaliação do governo ao dizer que o protesto foi por causa da situação econômica. Aliás, nós não temos mais governo. A presidente cede a pressões, fica trocando ministros. A hostilidade ocorreu de forma localizada contra políticos de oposição porque eles têm um desempenho aquém do desejado”.

 

CARLOS PEREIRA

CIENTISTA POLÍTICO DA FGV/ EBAPE

“O impacto das manifestações é gigantesco. É devastador. Diante dos novos eventos, a partir da prisão do marqueteiro João Santana, do acordo de delação do senador Delcídio Amaral e das manifestações, os custos do dissenso diminuíram diante da preferência acachapante da maioria da população a favor do impeachment. Então, os parlamentares da base do governo, agora, têm que pensar muito para votarem com o governo.

Os custos de quebrar essa preferência majoritária serão muito altos. Com um escândalo de corrupção bilionário, toda a classe política sofre. Mas o foco fundamental dos protestos é o governo. É o ex- presidente Lula e a defesa do impeachment. E o apoioinconteste ao Judiciário”.

Senadores relacionados:

  • Delcídio do Amaral

Órgãos relacionados:

  • Congresso Nacional
  • Senado Federal