O globo, n. 30.171, 15/03/2016. Opinião, p. 15
Por: Helio Saboya Filho
Em 1964, marchou-se contra Jango. Jango caiu. Em 1968, contra o recrudescimento da repressão militar. Deu no AI-5. Em 1979, o grito por anistia ecoou em ruas e praças. E ela veio: ampla, geral e irrestrita. Em 1984, multidões pediram eleições diretas e, oito anos depois, a cabeça do presidente diretamente eleito. Independentemente de como nasceram e a que ponto chegaram, é inegável o nexo de causalidade entre tais manifestações e seus desejáveis ou indesejáveis desfechos.
Perguntada sobre a crescente insatisfação popular em face das denúncias de corrupção que podem levar Dilma Rousseff ao impeachment e um montão de políticos, lobistas e empresários à cadeia, a futura presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, respondeu: “Se as pessoas vissem isso e não reagissem, seria muito mais preocupante. Significaria que chegamos a uma insensibilidade social em relação ao Estado, como se não tivesse nada a ver com a gente.”
As manifestações deste domingo comprovaram não haver anestesia para o atual estado de indignação. A sensibilidade está à flor da pele, não só no chamado andar de cima da sociedade. Afinal, a classe média e os menos favorecidos são as maiores vítimas dessa combinação de roubalheira desenfreada com recessão econômica. A tempestade perfeita, como a que, ironicamente, alagou São Paulo e Rio às vésperas do tsunami humano que pôs para correr até mesmo oportunistas da oposição. Ao emitir uma nota oficial declarando que suas mais proeminentes estrelas “ficaram extremamente satisfeitos com a recepção da população neste domingo”, o PSDB age como se fosse o PT agradecendo as “calorosas homenagens” prestadas a Dilma e a Lula no mesmo dia. Toda situação tem a oposição que merece.
O famoso Fiat Elba e os jardins da Casa da Dinda bancados pelo esquema de Paulo Cesar Farias — o Bumlai das Alagoas — não geraram a condenação criminal de Fernando Collor, mas foram a cereja caprichosamente pousada em um bolo solado pelo confisco da poupança e pela disparada da inflação, provocando a indigestão popular que, em 1992, pôs fim a seu agonizante governo.
O tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia não têm nada a ver com Dilma e podem até não levar Lula para o xadrez. Contudo, são a azeitona que ele meteu em uma intragável empada que se esfarinha como a política econômica receitada por sua sucessora e por seu partido.
Helio Saboya Filho é advogado
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