O globo, n. 30174, 18/03/2016. País, p. 4

Dilma ataca grampo e diz que ‘ golpes começam assim’

Presidente mostra termo de posse com assinatura apenas de Lula
 
 
EDUARDO BARRETTO, SIMONE
IGLESIAS E EDUARDO BRESCIANI
opais@oglobo.com.br
 
- BRASÍLIA- Indignada com a divulgação de uma conversa telefônica sua com o ex- presidente Lula, em que estaria obstruindo a Justiça, a presidente Dilma Rousseff usou a solenidade de posse de ministros e do antecessor como chefe da Casa Civil para reagir de forma contundente à divulgação do teor dos grampos da Operação Lava- Jato. Em longo discurso, acusou o juiz Sérgio Moro, sem mencioná- lo diretamente, de violar a Constituição divulgando escutas que ela considera ilegais, e enfatizou que “os golpes começam assim”. Disse ainda que o barulho das ruas não a fará mudar de rumo.

Lado a lado, Lula e Dilma chegaram ao Salão Nobre com semblantes sérios. Ofuscando os outros novos ministros, o ex-presidente acenou ao ser recebido com gritos de “Lula, guerreiro do povo brasileiro”, de uma plateia com integrantes de movimentos sociais. Além dele, foram empossados Mauro Lopes, na Aviação Civil; Eugênio Aragão, na Justiça; e Jaques Wagner na Secretaria de Gabinete da Presidência, que ganhou status de ministério para que Wagner ganhasse foro privilegiado.

 

GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

No discurso, exaltada, Dilma insinuou que sua conversa com Lula, em que fala do termo de posse, teria sido editada.

— Convulsionar a sociedade brasileira em cima da inverdade, de métodos escusos, de práticas criticadas, viola princípios e garantias constitucionais, viola o direito do cidadão e abre precedentes gravíssimos. Os golpes começam assim — disse Dilma, que complementou: — Nossa obrigação é enfrentar essa situação que ameaça degradar a Constituição e a Justiça por ofender seus princípios.

Dilma disse que suas prerrogativas como presidente foram invadidas, numa tentativa de ultrapassar limites democráticos.

— O Brasil não pode se tornar submisso a uma conjuração que invade as prerrogativas constitucionais da Presidência. Não porque a presidenta da República seja diferente dos outros cidadãos e cidadãs, mas porque, se ferem prerrogativas da Presidência, o que farão com as prerrogativas dos cidadãos?

A presidente afirmou considerar que sua conversa com Lula foi “republicana”, e que “investigações baseadas em grampos ilegais não favorecem a democracia”. Irritada com a suposição de que estaria blindando Lula com a nomeação, Dilma chegou a mostrar o termo de posse contendo somente a assinatura do ex- presidente — o que, segundo ela, provaria que o documento não tinha validade, já que ela não havia assinado o termo.

— Nós queremos saber quem o autorizou ( o grampo), por que o autorizou, e por que foi divulgado quando ele não continha nada, nada, eu repito, que possa levantar qualquer suspeita sobre seu caráter republicano — afirmou Dilma.

 

LEI DE INTERCEPTAÇÕES

O novo ministro da Justiça disse que, ao se deparar com o nome de Dilma na escuta, Moro deveria ter enviado imediatamente os autos ao Supremo:

— Quando se trata de eventual prova obtida em evento fortuito, Sua Excelência o meritíssimo juiz deveria ter fechado os autos e encaminhado ao Supremo. Não o fez e mais: ainda declarou de público que achava importante que a população soubesse. Isso cheira muitas vezes a artigo 10 da Lei de Interceptações, que qualifica como crime, quando se torna público uma gravação que diz respeito a investigações autorizadas dentro do marco legal e constitucional.

Sobre os protestos, Dilma disse que, com Lula, terá mais força de superar as armadilhas que jogam em seu caminho os que, desde sua reeleição, “não fizeram outra coisa que tentar paralisar” seu governo, a impedir de governar ou lhe tirar o mandato “de forma golpista”:

— Estendemos a mão para todos aqueles que querem o bem do Brasil. Não exigimos nada a não ser o diálogo e a ação concertada. Temos que superar os ódios. A gritaria dos golpistas não vai me tirar do rumo e não vai colocar o nosso povo de joelhos — desafiou a presidente.

Após a cerimônia, Lula e Dilma foram almoçar no Alvorada, junto com Jaques Wagner.

 

“O Brasil não pode se tornar submisso a uma conjuração que invade as prerrogativas constitucionais da Presidência. Não porque a presidenta seja diferente dos outros, mas porque, se ferem prerrogativas da Presidência, o que farão com as dos cidadãos?”
Dilma Rousseff
Sobre divulgação de grampos