O globo, n. 30174, 18/03/2016. Rio, p. 15

A REVOLTA DE MARICÁ

Moradores da cidade ficam indignados com críticas de Paes, que pede desculpas públicas
 
CÉLIA COSTA, RAFAEL GALDO RENAN FRANÇA
granderio@oglobo.com.br
 

Moradores de Maricá estão revoltados e ameaçam jamais votar no prefeito Eduardo Paes, que chamou a cidade de “merda de lugar” em conversa com o ex- presidente Lula gravada pela Lava- Jato. Para comerciantes e moradores da cidade da Região dos Lagos, Paes mostrou preconceito social ao dizer que o ex- presidente tinha “alma de pobre” por comprar um “sitiozinho vagabundo” em Atibaia ( SP), que comparou ao município fluminense. Diante da repercussão, ontem Paes se desculpou e admitiu ter feito “brincadeira de extremo mau gosto”. De Cannes, no Sul da França, o prefeito de Maricá, o petista Washington Quaquá, aliado do prefeito do Rio, respondeu que todos ficaram muito chateados na cidade, mas desculparam “porque são educados”. O povo de Maricá não perdoou. Um dia depois da divulgação da áudio da conversa entre Eduardo Paes e Lula, em que o prefeito chamou a cidade de “merda de lugar”, comparando- a a Atibaia, onde fica o suposto sítio do ex- presidente, a população estava indignada. Moradores e comerciantes se disseram ofendidos e prometeram se vingar nas urnas. A gafe do prefeito foi o assunto do dia no município da Região dos Lagos — que foi refúgio da cantora Maysa, quando ela, desiludida, deixou o Rio e onde o arquiteto Oscar Niemeyer passou parte da infância.

A mágoa de Maricá levou Paes a convocar uma entrevista só para pedir desculpas públicas: “Em uma tentativa de ser solidário com a situação do ex- presidente Lula ( que sofrera uma condução coercitiva), acabei fazendo uma brincadeira de extremo mau gosto”. O pedido de perdão se estendeu ao prefeito local, Washington Quaquá — por sinal, do PT.

— É muito duro ver sua cidade ser xingada. Maricá me deu oportunidades. Se o prefeito do Rio acha meu município uma merda, com certeza não o conhece bem — disse o caseiro Isaías Andrade.

 

“FUI CARIOCA EM EXCESSO”

Conhecida por um belo litoral, Maricá tem 146 mil habitantes. Isso significa que Paes comprou briga com uma Copacabana inteira. Mas ontem, em meio à comoção, também houve espaço para a piada. Para explorar a polêmica, um comerciante exibiu em sua loja um cartaz com os dizeres: “Toda a loja com 10% de desconto. Não é válido para Eduardo Paes”.

Com 66 anos, o sitiante Inésio da Silveira disse que sua Maricá em nada lembra a mencionada por Paes: é acolhedora, tranquila e cheia de oportunidades:

— Não teve graça nenhuma. Se ele se candidatar a governador ou a presidente, nunca terá meu voto.

Abatido, Paes reuniu a imprensa para um meaculpa. Foi quase uma hora falando do seu arrependimento. Ele disse que também queria contextualizar o diálogo de apenas cinco minutos. E ainda atribuiu a gafe, em parte, ao jeito carioca:

— Quis relaxar o ambiente por causa do momento. Fui carioca em excesso ao brincar demais.

Na internet, no entanto, ele não foi poupado. Multiplicaram- se nas redes sociais críticas ao prefeito, comparado a personagens como Caco Antibes, que odiava pobres no programa humorístico “Sai de baixo”, da Rede Globo. Na ligação para Lula, Paes disse ainda que o ex- presidente tinha “alma de pobre”, por comprar “esses barcos de merda” e um “sitiozinho vagabundo”. “Eu falo o seguinte: imagina se fosse aqui no Rio esse sítio dele. Não é em Petrópolis, não é em Itaipava. É como se fosse em Maricá. É uma merda de lugar, porra! Esse barquinho dele é em São Pedro da Aldeia, Araruama. Não é em Búzios, nem Angra, porra!”

Para o cientista político Ricardo Ismael, da PUC- Rio, o áudio pode realmente trazer prejuízos políticos, principalmente na campanha deste ano.

— Certamente um tipo de comentário desses vai gerar reflexão. Já está tendo nas redes sociais, certamente chegará ao eleitorado como um todo e pode aumentar a rejeição em relação ao prefeito, causando dificuldade para eleger seu sucessor — disse Ismael. — Os comentários revelam uma forma preconceituosa, um certo desprezo em relação a pessoas que não têm condições de adquirir bens de maior valor.

O mal- estar criado para consolar um petista atingiu justamente um reduto do partido. Maria do Amparo, de 74 anos, que vive no distrito de Ponta Negra, vota no PT e ficou muito irritada.

— Com uma fala dessas, o prefeito do Rio acaba demonstrando que não tem cuidado com as cidades próximas do Rio — opinou ela, acrescentando que o prefeito Washington Quaquá é presidente estadual do partido e que Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha de Lula, mora em Maricá.

 

PREFEITO DE MARICÁ: “FICAMOS MUITO CHATEADOS"

Quaquá está em Cannes, na França. Mas, num vídeo, o prefeito de Maricá — conhecido por seu temperamento explosivo e que xingou Pezão no dia 1 º de março, por causa do alagamento na cidade — não escondeu o ressentimento:

— Foi muito ruim. Todos nós de Maricá ficamos realmente muito chateados. A desculpa do prefeito Eduardo Paes está aceita, obviamente, porque nós somos educados. Mas, realmente, foi uma observação de muito mau gosto.

Os prefeitos das outras cidades citadas por Paes também se manifestaram. Miguel Jeovani ( PMDB), de Araruama, propôs:

— O que posso fazer no momento é convidá-lo a conhecer nossa cidade, que, além de linda, tem um povo muito acolhedor.

A mesma atitude teve outro peemedebista, Cláudio Chumbinho, de São Pedro da Aldeia, que enviou uma nota convidando Paes a conhecer o município. Mas a saia justa em que Paes se meteu não se limitou à polêmica com Maricá e seus vizinhos. Na conversa, o prefeito sugere que era mais fácil trabalhar com o ex- presidente Lula e o ex- governador Sérgio Cabral do que com seus atuais aliados no poder, Dilma Rousseff e Luiz Fernando Pezão. “Tô aqui administrando as minhas crises também, segurando o Pezãozinho. Eu sempre tenho que falar uma coisa pro senhor: a minha vida começou com Lula e Cabral. Terminou com Dilma e Pezão. Puta que me pariu! O senhor não faz ideia de como eu tô sofrendo”, diz Paes no áudio. Ele, no entanto, não tocou nesse assunto na entrevista de ontem.

 

TRECHOS DA TRANSCRIÇÃO

 

‘ NÃO É EM PETRÓPOLIS, NÃO É EM ITAIPAVA...’

 

PAES: O senhor não precisa de solidariedade, mas estou ligando para te dar um abraço e dizer que tô contigo nesse absurdo aí que fizeram com o senhor na sexta- feira. É um escândalo, é uma vergonha. (...) Tem que ter muita carcaça. O seu posicionamento foi excepcional. Parar com essa palhaçada no Brasil, que é demais mesmo. Passou de todos os limites, presidente.

LULA: Todos os limites, isso é verdade, todos os limites. (...)

PAES: Eu estou cheio de obra aqui, com Odebrecht da vida, OAS, todas as empreiteiras... Eu fico com medo. O cara pede para receber, eu fico com medo de receber.

LULA: É lógico, porque agora todas as obras que... Esses caras têm 500 obras neste país, todas elas estão criminalizadas. (...)

PAES: Você vê. O próprio Delcídio. O cara era presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, eu fui conversar com ele lá um dia, aí ele vai fazer lá o negócio dele com o tal do Cerveró depois de conversar comigo. Daqui a pouco eu tô no meio daquela história...

LULA: ( risos) É isso, querido.

PAES: Conta comigo aqui. O senhor sabe minha gratidão, da minha admiração. (...) Aqui o senhor tem um soldado. Tô aqui administrando as minhas crises também. Segurando o Pezãozinho. Eu sempre tenho que falar uma coisa pro senhor: a minha vida começou com Lula e Cabral. Terminou com Dilma e Pezão. Puta que me pariu!

LULA: Mas você com todo o problema, querido, você ainda é abençoado por Deus por causa dessas Olimpíadas, viu? Porque os outros...

PAES: Verdade, verdade. Mas, presidente, se tiver Olimpíadas com vossa excelência e com Sérgio Cabral é uma coisa. Segurar com aquele bom humor da Dilma e do Pezão, sabe? (...) Sabe aquele personagem que tinha... Ó vida, ó céus? LULA: Mas o teu bom humor e competência supera isso, querido.

PAES: ( Ininteligível)... Meu carinho aí, tamo junto. Minha solidariedade, vamos em frente nessa história. Agora, da próxima vez o senhor me para com essa vida de pobre, com essa tua alma de pobre comprando esses barco de merda, sitiozinho vagabundo, puta que me pariu!

LULA: ( Risos) PAES: O senhor é uma alma de pobre. Eu, todo mundo que fala aqui no meio, eu falo o seguinte: imagina se fosse aqui no Rio esse sítio dele, não é em Petrópolis, não é em Itaipava... É como se fosse em Maricá. É uma merda de lugar, porra! Esse barquinho dele é em São Pedro da Aldeia, Araruama. Não é em Búzios, nem Angra, porra!

LULA: ( Risos) Puta que pariu!

PAES: É um cafona. O senhor não perdeu essa sua alma de pobre. Isso que é a maior desgraça que eu tô vendo nesse processo todo, porra ( risadas).

LULA: É isso, é isso. Mas eu já sabia disso. Tá bom, querido. Obrigado, Eduardo.