O globo, n. 30.187, 31/ 03/2016. País, p. 3
'Fomos vítimas de um golpe'
— Tenho visto vários cartazes dizendo que impeachment sem crime é golpe. Essa frase é verdadeira. Mas estamos aqui diante de um quadro em que sobram crimes de responsabilidade. Poderíamos dividir essa denúncia em três grandes partes: a questão das pedaladas fiscais, a questão dos decretos não numerados baixados sem autorização desta Casa e o comportamento omissivo doloso da presidente com pessoas próximas a ela no caso do petrolão — afirmou Janaina.
A jurista prosseguiu afirmando que as três situações estão conectadas, porque foi preciso editar decretos sem base orçamentária e utilizar recursos de bancos públicos para pagar despesas da União — as “pedaladas fiscais” — justamente devido aos desvios de recursos que ocorriam em outros órgãos, como a Petrobras. Essas ações teriam levado a um “golpe”, com a reeleição da presidente Dilma em 2014 num pleito em que foi ocultada a real situação do país.
— Como eleitora e cidadã que estuda Direito, digo que nós fomos vítimas de um golpe — afirmou a jurista.
Janaina disse que a responsabilidade fiscal não é um valor para o governo atual e que isso tem levado a cortes em programas sociais:
— A responsabilidade fiscal neste governo, infelizmente, não é um valor. Prova que não é um valor é que se fala reiteradamente que isso é uma questão menor. Mas, se a responsabilidade fiscal não for observada, nenhum programa pode ser mantido.
Ao final de sua exposição, Janaina defendeu mudanças profundas na política:
— Nós estamos passando este país a limpo. Quando as pessoas vão para as ruas, estão esperando que esta Casa tome providências; não é só afastar a presidente, é afastar e mudar tudo que está errado na política brasileira, que está levando nosso país para o buraco — afirmou a jurista.
Reale Jr. focou sua apresentação nas “pedaladas fiscais”. O jurista disse que o artifício contábil utilizado pelo governo federal para manter em andamento programas sociais, pagar benefícios e conceder subsídios constitui crime de responsabilidade por ter sido usado para esconder um déficit fiscal e com objetivo político. Destacou também que a crise econômica é consequência desse tipo de política:
— Se apropriaram de um bem dificilmente construído, o equilíbrio fiscal, e as consequências são gravíssimas para as classes mais pobres, que estão sofrendo com inflação, desemprego e desesperança — afirmou o jurista.
Ele afirmou que foi cometido ainda crime de falsidade ideológica, ao se omitir as operações de crédito do Banco Central. Ressaltou ainda que essa política provocou perda de credibilidade e que a esperança de futuro do país foi “sequestrada”.
— Crime não é apenas pôr a mão no bolso do outro e pegar dinheiro, é eliminar as condições deste país de ter desenvolvimento — disse o jurista.
PETISTA VÊ ‘ AGITAÇÃO POLÍTICA’, TUCANO ELOGIA
O deputado Wadih Damous ( PT- RJ) afirmou que os denunciantes não conseguiram mostrar que houve o crime de responsabilidade e fizeram “agitação política”.
— Ficar inventando crime de responsabilidade chama- se golpe. É um atentado à Constituição. Por isso dizemos com todas as letras: tratase de um golpe — afirmou Damous.
O líder do PSDB, Antonio Imbassahy ( BA), afirmou que a exposição dos juristas reitera haver base para o impeachment.
— A continuidade do comportamento da presidente Dilma nesse mister é uma coisa que trouxe verdadeiro escândalo neste país. Cometeuse crime conscientemente, violou- se a democracia e fraudou- se as eleições — afirmou.
Hoje, a comissão ouvirá os dois representantes indicados pelo governo: o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e o professor de Direito da Uerj Ricardo Lodi Ribeiro.
IMPEACHMENT
O que consta no pedido
O que foi retirado do pedido
EM DEFESA DO AFASTAMENTO
‘RESPONSABILIDADE FISCAL NESTE GOVERNO NÃO É UM VALOR’
“A responsabilidade fiscal neste governo infelizmente não é um valor. Prova que não é um valor, que se fala reiteradamente que isso é uma questão menor. Mas, se a responsabilidade fiscal não for observada, nenhum programa pode ser mantido. Vossas Excelências não imaginam a dor das famílias que acreditaram que iam ter seus filhos terminando a faculdade e estão começando a receber cartinha de que, ou eles pagam, ou eles perderam esse sonho. Então, a situação é muito grave. Aqui não tem nada a ver com elite, com não elite. Tem a ver com povo enganado. Tem a ver com povo enganado que agora não tem mais as benesses que lhes foram prometidas quando quem prometeu já sabia que não podia cumprir. Outro ponto importantíssimo, excelências. Se Vossas Excelências, e vão constatar que eu não estou mentindo, peçam para a assessoria fazer um levantamento nos TJs do Brasil inteiro. Vossas Excelências vão constatar que muitos prefeitos foram condenados criminalmente, com fulcro no 359 em uma de suas alíneas, e foram afastados dos seus cargos por irresponsabilidade fiscal, e aí, ouso dizer, em situações muito menos relevantes, muito menos significativas, do que a situação que é trazida neste momento à apreciação de Vossas Excelências”.
Janaína Paschoal
“Normalmente, pode-se imaginar que essas pedaladas fiscais se constituíam num mero problema contábil( ..) No entanto, eu posso lhes dizer que constitui crime, e crime grave”
“Tanto perguntam onde está o crime: está no artigo 359A, está no artigo 359C (...) Está também na Lei de Responsabilidade”
“Se apropriaram de um bem dificilmente construído que foi o equilíbrio fiscal, cujas consequências são gravíssimas hoje, principalmente para as classes mais pobres”
Miguel Reale Júnior
Jurista, um dos autores do pedido de impeachment_______________________________________________________________________________________________________
O clima conflagrado entre governo e oposição marcou os trabalhos de ontem da comissão de impeachment. As discussões duraram meia hora até o presidente da comissão, Rogério Rosso ( PSD- DF), decidir que daria a palavra aos convidados, os juristas Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal, antes de questionamentos regimentais. Após um tumulto, com parlamentares de dedo em riste na mesa que conduzia a sessão, começou a apresentação.
A reunião terminou do mesmo jeito conflagrado. Rosso encerrou os debates de forma abrupta, argumentando que que as votações no plenário da Câmara estavam começando. Em novo tumultuo, os deputados Caio Nárcio ( PSDB- MG) e Ivan Valente ( PSOL- SP) trocaram empurrões.
Provocações e gritos de lado a lado permearam as duas horas e meia de sessão. Deputados pró- impeachment empunhavam cartões vermelhos com a expressão “Impeachment, Já!”. Os parlamentares a favor da presidente Dilma Rousseff e servidores da Casa empunhavam cartazes com a frase “Impeachment sem crime de responsabilidade é golpe”. Em meio às exposições dos juristas, parlamentares e servidores gritavam palavras de ordem.
A deputada Jandira Feghali ( PCdoB-RJ), que defende Dilma, foi alvo de uma provocação. O líder do DEM, Pauderney Avelino ( AM), leu um trecho de discurso feito pela parlamentar na época do afastamento do ex- presidente Collor em que ela dizia que “golpismo é atacar o Congresso, é o presidente não ter a dignidade de renunciar a um cargo que não mais lhe pertence pela legitimidade do voto popular”.
Deputados da oposição gritaram o nome da parlamentar. Jandira reagiu: afirmou que há “uma imensa diferença” entre as duas situações. Disse que não havia movimentos de rua a favor de Collor e atacou o vice- preisdente Michel Temer, comparando seu posicionamento ao de Itamar Franco, que assumiu após Collor cair. Disse que “não havia naquele momento uma articulação golpista comandada pelo vice-presidente da República”.