O globo, n. 30174, 18/03/2016. Economia, p. 23

EUFORIA NOS MERCADOS

Após grampos de Lula, Bolsa de São Paulo dispara 6,6%, no maior ganho em sete anos

Por: RENNAN SETTI

RENNAN SETTI

rennan.setti@oglobo.com.br

 

A paralisia da atividade econômica em decorrência do agravamento da crise política levou empresários a passarem a defender abertamente o impeachment como solução para pôr fim ao impasse. O mercado financeiro, que opera com base em expectativas, antecipou ontem nos números essa percepção de que o impeachment, agora, se tornou mais provável. Repercutindo o vazamento do áudio da conversa entre a presidente Dilma Rousseff e o ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva, divulgado no início da noite de quarta- feira, a Bolsa de Valores de São Paulo ( Bovespa) já abriu em forte alta ontem, que se sustentou ao longo do dia em meio aos protestos e à liminar suspendendo a posse de Lula como ministro.

O Ibovespa, índice de referência da Bolsa, disparou 6,6%, sua maior alta diária desde 2 de janeiro de 2009, aos 50.913 pontos — maior patamar desde agosto de 2015. Na máxima do dia, a alta foi de 7,33%. O volume financeiro negociado foi de R$ 12,8 bilhões, 55% a mais que o giro registrado no pregão de quarta- feira.

— O mercado sobe em função do entendimento de que os áudios vazados elevam a probabilidade de um impeachment e, logo, de uma mudança de política econômica. Esse é o foco principal. Se o Lula vai continuar sendo ministro ou não, não altera muito o cenário que está sendo traçado — afirmou Luiz Roberto Monteiro, operador da corretora Renascença.

 

DÓLAR TEM QUEDA DE 2,32%, A R$ 3,652

Já o dólar comercial fechou em queda de 2,32% contra o real, cotado a R$ 3,652. Na mínima, moeda chegou a valer R$ 3,604. Além da evolução da crise política, o comportamento da divisa teve a influência do cenário externo. Na quarta- feira, o Federal Reserve ( Fed, o banco central americano) manteve inalterada sua taxa de juros e sinalizou que só deve haver duas elevações este ano. Isso fez com que o dólar recuasse frente a 30 das 31 moedas consideradas no Dollar Index, da Bloomberg, que caiu 1,1%. Depois do rand sul- africano, o real foi a divisa que mais ganhou frente ao dólar.

No cenário interno, a avaliação de analistas é que a contundência dos áudios pode agilizar a troca de governo. O mercado financeiro é, em grande parte, crítico à política econômica atual e reage com bom humor a notícias desfavoráveis à presidente Dilma.

— A forte alta de hoje da Bolsa, sobretudo o deÉ sempenho de companhias mais expostas ao governo, reflete uma aposta de que deve haver uma mudança de governo. O vazamento das conversas intensifica o sentimento de hostilidade da população com relação ao governo. Independentemente de críticas que afirmam que as gravações foram ilegais, o vazamento dos áudios deixa a impressão de que o cerco se fechou e, a não ser que aconteça um milagre, o governo não tem mais condições de continuar — afirmou João Pedro Brugger, da Leme Investimento.

 

BC SINALIZA INTERVENÇÃO MENOR NO CÂMBIO

Com o recuo do dólar, o Banco Central ( BC) sinalizou que reduzirá a política de intervenção no câmbio. Depois disso, a queda da moeda americana perdeu força, com a cotação passando da faixa de R$ 3,60 para R$ 3,65.

Ainda não há indicação da intensidade da queda da oferta de contratos de swap, um tipo de instrumento que funciona como proteção contra a variação do câmbio, já que corresponde a uma venda de dólar no mercado futuro.

“O BC avalia que o atual ambiente internacional abre uma oportunidade para realizar parte de suas posições em swaps cambiais, diminuindo a intensidade das rolagens diárias”, afirmou a autoridade monetária em nota.

As ações de estatais registraram forte alta. Os papéis ordinários ( ON, com direito a voto) da Petrobras saltaram 8,75% ( R$ 10,44), e os preferenciais ( PN, sem voto) avançaram 12,03% ( R$ 8,10). Em Nova York, as ADRs da estatal subiram 9,75%, a US$ 5,63. A empresa também foi ajudada pela recuperação nos preços do petróleo no mercado internacional: o barril do tipo Brent teve valorização de 3% em Londres, a US$ 41,54. Já o barril do WTI avançou 4,5%, a US$ 40,20, em Nova York.

A Eletrobras PNB subiu 6,02% ( R$ 11,09), enquanto o Banco do Brasil saltou 14,37% ( R$ 20,69).

A alta não se restringiu às estatais. O Bradesco PN saltou 13,02% ( R$ 27,85), e o Itaú Unibanco PN teve alta de 10,92% ( R$ 33,10). A Vale ON subiu 4,58% ( R$ 15,50), enquanto a PN A avançou 3,69% ( R$ 10,94). Mas o maior ganho foi da CSN: 18,18%, a R$ 7,93.

Na outra ponta do pregão ficaram os papéis das fabricantes de papel e celulose, majoritariamente exportadoras, cujos negócios são prejudicados pela queda do dólar. A Fibria ON caiu 3,93% ( R$ 33,90), e a Suzano PNA recuou 4,49% ( R$ 13,61).

Segundo Pablo Spyer, diretor de operações da Mirae Asset, o movimento de alta da Bolsa em março deve- se exclusivamente à entrada de investidores estrangeiros. De acordo com levantamento de Spyer, a entrada líquida de investimento de fora nos 15 primeiros dias de março foi de R$ 5,98 bilhões, enquanto aplicadores individuais retiraram R$ 2,08 bilhões, e os institucionais, R$ 3,37 bilhões.

— O estrangeiro está começando a gostar do que vê no cenário político. E, entre janeiro e fevereiro, a China estava uma catástrofe, o dólar chegou a subir acima de R$4 e a Bolsa despencou. O resultado foi que as ações ficaram quase de graça em dólares. Então o catalisador para a alta forte foi o preço dos ativos — afirmou Spyer.

Já os contratos DI, que refletem a expectativa com a taxa de juros no futuro, também registraram recuo. Aqueles com vencimento em janeiro de 2017 caíram de 13,75% para 13,72%, enquanto os com prazo em 2021 recuaram com ainda mais força, de 14,60% para 14,06%.

Os credit default swaps ( CDS) do Brasil — títulos que funcionam como seguro contra o calote da dívida do país e são um indicador do riscopaís — caíram de 419 para 385 pontos.