O globo, n. 30.187, 31/ 03/2016. País, p. 4

'É um processo golpista', afirma Dilma no Planalto

Presidente transforma solenidade no Planalto em ato contra o impeachment, com a presença de integrantes de movimentos sociais; hoje haverá manifestações a favor do governo
 
Por: EDUARDO BARRETTO
 
O governo transformou o lançamento da terceira fase do programa Minha Casa Minha Vida, ontem, em mais um ato político contra o impeachment no Palácio do Planalto, com forte presença de movimentos sociais. O expediente passou a ser usado depois que o ex- presidente Lula foi empossado ministro da Casa Civil há duas semanas. A posse, porém, foi suspensa pela Justiça.

— Que processo é esse? É um processo golpista — afirmou Dilma, referindo- se ao pedido de seu afastamento. — Impeachment sem crime de responsabilidade é o quê? É golpe — disse Dilma.

Os integrantes dos movimentos sociais passaram a gritar “Não vai ter golpe”.

Na chegada ao evento, Dilma desceu a rampa para o Salão Nobre acompanhada de perto por militantes uniformizados e com bandeiras. Geralmente, essa área do Planalto é isolada para que a presidente caminhe livremente até sua cadeira.

Dilma abriu seu discurso citando datas históricas do Brasil. Destacou feitos do seu governo e do de Lula, que, segundo ela, “incomodam muita gente”. O ministro das Cidades, Gilberto Kassab, disse que, proporcionalmente, o Minha Casa Minha Vida é um programa nunca visto durante toda a “história da humanidade”.

— O Brasil foi descoberto há 516 anos, tornou- se independe há 193 anos, e a República foi instalada há 126 anos. Em todo esse tempo, sabem quantos governos foram capazes de implementar um programa habitacional que garantisse a milhões de brasileiras e brasileiras a realização do sonho da casa própria? — perguntou Dilma, respondendo em seguida: — A resposta é simples. Somente dois governos: o governo do presidente Lula e o meu governo.

 

“DIFICULDADES NOTÓRIAS”

A presidente reconheceu que o momento econômico é de “dificuldades públicas e notórias”, mas disse que aqueles que querem seu impeachment serão responsáveis por retardar a volta do crescimento da economia. Ela também defendeu a manutenção de investimentos em programas sociais.

— Mesmo diante das dificuldades que temos, públicas e notórias, pelas quais a economia do Brasil passa, é importante que a gente perceba que nós não podemos ajustar a economia para cortar programas sociais.

Em discurso, Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem- Teto, falou em “golpe” e “fascismo”. O vice- presidente Michel Temer não foi atacado por Boulos, mas o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi chamado de “bandido”.

 

“VAI TER RESISTÊNCIA”

Boulos chegou a virar para Dilma durante o discurso e deu o recado de que os trabalhadores não aceitarão pagar a conta do ajuste fiscal — mas sua fala foi alinhada ao discurso adotado pelo Planalto: atacar o impeachment, inclusive com argumentos jurídicos.

— Esse povo que tá nas ruas, presidenta, não quer o ajuste fiscal. Quer que o andar de cima pague a conta da crise, e não os trabalhadores — disse Boulos. — Vai ter luta, vai ter resistência. Não passarão com esse golpe de araque no Brasil.

Hoje, a presidente receberá artistas e intelectuais num segundo evento “em defesa da legalidade”, após a ida de juristas ao Palácio do Planalto, na semana passada. Enquanto isso, Lula deverá participar da Jornada Nacional pela Democracia, que espera reunir milhares de pessoas diante do Congresso Nacional. Essas manifestações também serão realizadas em outros estados.

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    Marco Aurélio: governo pode recorrer de impedimento

    Declaração do ministro é contestada por juristas, para os quais Senado tem a palavra final

    Por: Carolina Brígido

     

    - BRASÍLIA- O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal ( STF), disse ontem que, se o Congresso Nacional decidir pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, existirá a possibilidade de o governo apresentar recurso ao STF. O ministro afirmou também concordar com o argumento de Dilma de que, se o impeachment for calcado em fatos que não configurem crime de responsabilidade, ocorrerá um golpe.

    — Pode ( recorrer ao STF). O Judiciário é a última trincheira da cidadania. E pode ter um questionamento para demonstrar que não há fato jurídico, muito embora haja fato político suficiente ao impedimento — disse o ministro.

     

    CONTESTAÇÃO JURÍDICA

    A declaração de Marco Aurélio, no entanto, foi contestada por juristas como Ives Gandra Martins e Carlos Velloso.

    — Primeiro, o Supremo foi que definiu o rito do processo de impeachment — disse Ives Gandra, ao Jornal Nacional. — Em segundo lugar, se a Câmara admitir o impeachment e o Senado tiver que decidir, ( o processo) será presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. É como um constituinte dizendo o seguinte: é tão relevante o impeachment que nós precisamos dos dois poderes. O Poder Judiciário e o Senado Federal para decidirem o impeachment. Se o Senado decidir sob a presidência do presidente do Supremo, o Supremo vai respeitar, como respeitou no caso do impeachment do presidente Collor. E recurso qualquer um pode fazer, mas a meu ver não terá nenhum efeito. A possibilidade de reformular uma decisão do Senado é zero.

    Carlos Velloso concordou com o argumento de que a palavra final é do Senado:

    — O impeachment é julgamento de competência exclusiva do Congresso. De competência exclusiva da Câmara e do Senado. O julgamento no Senado é presidido pelo presidente do Supremo, justamente para dar o prestígio do Poder Judiciário ao julgamento. O que o Senado decidir, está decidido. O que o Supremo pode ser provocado é sobre questões relativas a direito de defesa e sobre o rito, como, aliás, já está fazendo. Mas o Senado é quem faz o julgamento. Com palavra final, derradeira, incontestável e irrecorrível.

    Marco Aurélio, por sua vez, afirmou que, sem fato jurídico, impeachment é golpe:

    — Acertada a premissa, ela ( Dilma) tem toda razão. Se não houver fato jurídico que respalde o processo de impedimento, esse processo não se enquadra em figurino legal e transparece como golpe.

    O raciocínio de de Marco Aurélio é diferente do de outros ministros do STF, como Dias Toffoli, Celso de Mello, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso, que já falaram tecnicamente sobre impeachment.

    Para Marco Aurélio, não interessa, de início, ao Brasil “apear esse ou aquele chefe do Executivo nacional ou estadual”:

    — Porque, a meu ver, isso gera até mesmo muita insegurança. O ideal seria o entendimento entre os dois poderes, como preconizado pela Constituição para combater- se a crise que afeta o trabalhador, a mesa do trabalhador, que é a crise econômico- financeira. Por que não se sentam à mesa para discutir as medidas indispensáveis nesse momento? Por que insistem em inviabilizar a governança pátria? Nós não sabemos — concluiu.

    Ontem, a presidente voltou a dizer que o processo de impeachment que tramita contra ela na Câmara é baseado nas chamadas “pedaladas fiscais” ( manobras para maquiar contas públicas). Segundo Dilma, não se trata de crime de responsabilidade, como prevê a Constituição Federal em processo de impeachment.

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