O globo, n. 30177, 21/03/2015. Opinião, p. 12

A serviço do desemprego

TEMA EM DISCUSSÃO: Reforma da legislação trabalhista
 

O Brasil fechou o ano de 2015 com uma taxa de desemprego de 8,5%, a maior desde 2012. Em 2014, o percentual de desempregados no país foi de 6,9%. É uma curva que não deixa dúvidas: o monstro da recessão, alimentado pelas políticas equivocadas do lulopetismo na economia, está engolindo postos de trabalho com a voracidade de um titã. E que parece longe de mudar seu curso: as projeções apontam para uma taxa de dois dígitos em algum ponto de 2016 (seis estados — Alagoas, Amapá, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e São Paulo — já haviam alcançado no fim do ano passado a taxa de dez pontos percentuais). Para o trabalhador, é um horizonte de pesadelo; para o mercado de trabalho, um indicador quase de terra arrasada.

Pior ainda é que, diante desse perfil que lança o fantasma da incerteza sobre milhares de famílias, o governo federal não faz os movimentos necessários para mudá-lo. Há nesse quadro um aspecto pontual: Dilma está com os movimentos tolhidos por uma crise que deixa o Planalto em estado de catatonia, dedicada quase exclusivamente a mover as pedras que a livrem das ameaças de afastamento do cargo. Se, resolvida essa questão, permaneça ela ou não despachando no Palácio, o governo dará curso a ações efetivas contra o desemprego, é uma questão a ver.

Este é um componente do problema preso ao calendário político. O outro aspecto, que não é meramente tópico, reclama uma engenharia mais complicada para Dilma. Ele diz respeito a reformas na legislação trabalhista, uma imposição antiga, mas sempre travada, no caminho da modernização das relações entre empregadores e empregados. O Brasil ainda permanece preso a regras estabelecidas pela getulista Consolidação das Leis do Trabalho, um monstrengo de inspiração fascista ao qual os governos petistas se apegam com a fé dos que relutam em mexer em leis sagradas.

Relembre-se que, quando era oposição, Lula e seus companheiros sindicalistas bombardeavam a CLT. No entanto, a chegada do PT ao Planalto, em 2003, marcou o fim de um período de mudanças essenciais iniciadas por Fernando Henrique. A reforma da legislação trabalhista foi para a gaveta.

Mas a realidade se impôs ao voluntarismo ideológico, e Dilma viu-se obrigada a fazer mudanças nas anacrônicas regras dos contratos de trabalho. Em julho de 2015, ela baixou uma MP que permite a redução negociada de salários em troca da permanência no emprego. Com isso, concede à Justiça trabalhista o poder de aceitar acordos negociados entre patrões e empregados, mesmo que contrarie a CLT. O caminho é este.

Não é ainda a reforma ampla da legislação trabalhista, uma necessidade que se impõe não só em relação ao momento de agravamento do desemprego, mas para modernizar de vez as relações do trabalho no país. Um passo inicial.

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MÁRCIO AYER - Para ampliar a exploração

TEMA EM DISCUSSÃO: Reforma da legislação trabalhista
Por: Márcio Ayer

 

Em tempos de crise, crescem as investidas do patronato para reduzir salários e eliminar direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo de décadas. Os arautos do mercado alardeiam que a legislação é atrasada, rígida e paternalista. Defendem uma flexibilização, que garanta a prevalência do acordado entre sindicato e patrão, como caminho para aumentar a competitividade e a produtividade, modernizar as relações de trabalho e até evitar a perda de empregos. É um falso argumento, que não contribui para resolver a crise econômica e pode prejudicar milhões de trabalhadores.

Querem que os trabalhadores paguem por uma crise que não causaram. Em tempos de vacas magras, os patrões empurram a conta para os trabalhadores. Mas, em tempos de bonança, não aceitam dividir os lucros. O fato é que, com crise ou sem crise, o patronato quer a flexibilização para reduzir direitos fundamentais e aumentar seus ganhos.

Algumas propostas envolvem o aumento do número de horas trabalhadas, supostamente em favor da produtividade. Segundo o ranking da Forbes de 2015, o Brasil já tem uma média elevada de 43,5 horas de trabalho por semana, enquanto países desenvolvidos têm uma margem muito menor, como a França (40,5), a Dinamarca (38,3) e a Alemanha (40,8). Curiosamente, os gregos são os trabalhadores europeus com a maior jornada, de 44,8, e nem por isso foram privados de uma grave crise.

Outras propostas envolvem acabar com as férias, o 13º salário e o FGTS, além de reduzir o percentual de reajuste do salário mínimo. Em um país campeão de desigualdade e concentração de renda, no qual ainda existe trabalho escravo e que há anos figura no topo do ranking de acidentes de trabalho, malgrado os significativos avanços na última década, apresentar essas propostas para superar a crise é, no mínimo, intelectualmente desonesto e nada modernizante.

Não se sustenta o argumento principal de que a flexibilização faz aumentar a competitividade. Ao contrário do que se alardeia, um país se torna mais competitivo com investimentos públicos e privados em infraestrutura, escolaridade, pesquisa e tecnologia.

No Brasil, praticam-se as taxas de juros mais altas do mundo, privilegiando o rentismo em detrimento do financiamento do setor produtivo. Esta realidade faz com que, para garantir seus ganhos, os grandes empresários mantenham um pé na produção e outro no sistema financeiro.

O duro e insistente ataque aos direitos trabalhistas nada tem a ver com um projeto estratégico de desenvolvimento da nação, pois não enfrenta o real problema do setor produtivo nacional.

 

Márcio Ayer é presidente do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro