Valor econômico, v. 16, n. 3953, 01/03/2016. Brasil, p. A2

OPERAÇÃO ANTICORRUPÇÃO DIFICULTA CRIAÇÃO DE CONSÓRCIOS PARA OS LEILÕES DE AEROPORTOS

Por: Daniel Rittner

Por Daniel Rittner | De Brasília

 

Os desdobramentos da Operação Lava-Jato complicam a formação de consórcios para a disputa dos próximos leilões de aeroportos. Pelo menos duas grandes operadoras europeias afirmam reservadamente que, embora estejam interessadas em participar, têm encontrado dificuldades para fechar parcerias com construtoras brasileiras.

Nos bastidores, as operadoras estrangeiras alegam que há "risco reputacional" em fazer uma sociedade comempreiteiras investigadas na Lava-Jato. Uma delas teme a necessidade de dar explicações a acionistas minoritários e impacto negativo em suas emissões de títulos no mercado financeiro. Outra cita o temor de que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma das principais fontes de financiamento das concessões, venha a travar desembolsos para consórcios com envolvidos na operação policial.

A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) já fez sua análise e recomendou a aprovação, com ressalvas, dos estudos de viabilidade técnica e econômica de quatro aeroportos que serão oferecidos à iniciativa privada: Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis. O parecer foi encaminhado ao gabinete do relator, ministro Walton Alencar, que precisa colocar a matéria no plenário do órgão de controle.

Os técnicos fizeram sugestões de ajustes que podem ter alguma influência nas taxas de retorno dos projetos e querem mudanças nos critérios de participação das operadoras. A Secretaria de Aviação Civil (SAC) propôs quetodos os consórcios tenham uma operadora estrangeira com experiência na administração de aeroportos com movimento anual acima de 10 milhões de passageiros. Para o TCU, essa barreira de entrada é muito elevada em casos como o terminal de Florianópolis, menor entre os quatro a serem leiloados.

Na última rodada de concessões de aeroportos, que transferiu ao setor privado o Galeão (RJ) e Confins (MG), houve várias "dobradinhas" de operadoras europeias com empreiteiras nacionais. A espanhola Ferrovial, dona do aeroporto de Heathrow (Londres), se aliou à Queiroz Galvão.

O grupo francês Aéroports de Paris (ADP) entrou na disputa com a Carioca Engenharia. A também espanhola Aena, maior operadora do mundo em número de terminais, desistiu na última hora, mas tinha uma parceriacelebrada com a Engevix. O Flughafen Zurich participa como minoritário no consórcio, encabeçado pela brasileira CCR (que tem Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa no bloco de controle), que arrematou o aeroporto de Confins.

O governo tem incentivado as operadoras estrangeiras que relatam esses problemas a participar sozinhas dos leilões, sem unir-se às construtoras brasileiras, mas a possibilidade é remota. O excesso de burocracia e a falta de conhecimento do mercado são mencionados nas conversas como entraves.

Uma delas diz que, sem um parceiro nacional, certamente pagaria mais caro pelas obras e serviços de engenharia. E exemplifica: "Se sabemos sequer falar português e precisamos de intérprete nas reuniões, imagine negociar contratos e erguer um terminal?".

Apesar disso, ninguém acredita em Brasília que os leilões vão ficar sem interessados. Segundo fontes do mercado, um dos consórcios em estágio avançado de formação é o da alemã Avialliance (ex- Hochtief) com a Pátria Investimentos. A francesa Vinci também estaria de olho. Ainda conforme pessoas familiarizadas com o processo, a GP Investimentos tem buscado alianças, bem como a operadora alemã Fraport, que entrou nos últimos leilões junto com a Ecorodovias.

As concessões de mais quatro aeroportos são vistas ainda como uma boa chance de consolidar os negócios de quem já atua no setor. A argentina Inframérica, controladora dos terminais de Brasília e Natal, tem a pretensãode levar pelo menos mais um ativo. Busca, porém, reverter o veto preliminar do governo à sua participação na disputa pelos dois aeroportos no Nordeste. O grupo CCR tem forte interesse Salvador.

O governo está decidido, se obtiver aval do TCU, a fazer os leilões no fim do primeiro semestre ou início do segundo semestre. Alguns assessores presidenciais preferiam deixá-los mais para frente, argumentando que, em um cenário de turbulências políticas e macroeconômicas, poderia haver menos atratividade e os ágios acabariam sendo menores.

A presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, querem as licitações o mais rápido possível. Eles acham que o sucesso nos leilões de aeroportos, além de dar uma contribuição - mesmo que modesta - para a retomada da economia, será capaz de injetar confiança no combalido programa de concessões como um todo.

Do ponto de vista da arrecadação, não se pode mais contar como líquido e certo o pagamento de outorga ainda em 2016. Dessa vez o governo definiu que 25% do valor obtido nos leilões deverá ser pago à vista, no ato deassinatura dos contratos. Já começa a entrar no radar das autoridades, porém, o risco de realizar os leilões algumas semanas depois do inicialmente previsto e ver a cor do dinheiro somente no início de 2017 - são de quatro a seis meses de diferença entre a licitação e o contrato.

O preço mínimo dos quatro aeroportos é de aproximadamente R$ 3 bilhões. A outorga das concessões anteriores vem sendo paga em parcelas anuais ao longo de todo o período de vigência dos contratos.