26/03/2016
Faz tempo que o Brasil convive com um nível imoral de impunidade. E essa conivência é causa de grande desgosto para a imensa maioria dos brasileiros, que vivem com o suor de seus rostos e sabem que não há dinheiro fácil. Por essa razão, a Operação Lava Jato é tão respeitada e admirada pela população. Essa série de investigações, que começou a punir poderosos que até pouco tempo atrás nunca tinham levado a sério a possibilidade de um período atrás das grades, parece ser uma luz no fim do túnel. É o início de um trajeto que, se bem trilhado, pode pôr fim a um nível endêmico de corrupção na vida pública.
Esse trajeto, no entanto, não é isento de perigos. Há muito dinheiro envolvido. Há muitos interesses que antes tinham pista livre e agora são contestados. Ou seja, nem todo mundo está contente com a Operação Lava Jato. O PT e o Palácio do Planalto, por exemplo, não podem ter muita simpatia pelas investigações que desvelaram um sistema de corrupção meticulosamente instalado no governo e nas estatais, no qual líderes políticos, agentes públicos e empresários atuavam promiscuamente em benefício pessoal ou partidário, em claro detrimento do interesse público.
Diante da incapacidade de apresentarem respostas satisfatórias à Justiça para tantas denúncias de corrupção, o PT e o Palácio do Planalto foram buscar uma escapatória em sua ideologia. Querem aplicar a todo custo a máxima - tão cara à ética petista - de que os fins justificam os meios. Nessa esquisita lógica, o que realmente importa é fazer prevalecer o projeto de poder petista. Propinas de empreiteiros ou desvios de verbas em estatais não seriam intrinsecamente maus ou ilícitos. O único juízo que caberia fazer a respeito dessas ações é sobre sua utilidade ou não para a manutenção do lulopetismo no cume do governo.
O PT bem sabe que essas afirmações expressas de forma direta soariam mal aos ouvidos da maioria dos brasileiros, ainda tão afeitos à “moral burguesa”. Era preciso afirmar isso com outras palavras - e aqui entra em jogo o mais recente e perigoso sofisma divulgado pelo PT e o Palácio do Planalto. Fugindo da única questão realmente importante - se o País foi ou não pilhado pelos governos petistas -, tentam uma imoral inversão de fatos já por si mesmos imoralíssimos.
Não querem discutir se violaram ou não a lei. Isso seria uma questão menor, de gente mesquinha. Eles estão acima dessas picuinhas. As respostas de Lula no depoimento à Polícia Federal são um cristalino exemplo desse modo nada decente de proceder. Assim como foi a maneira desleixada de a presidente Dilma Rousseff se defender em relação às pedaladas fiscais, tratando a Lei de Responsabilidade Fiscal como mero ornamento, e não uma norma vinculante que fixa claros limites à gestão do dinheiro público.
Na retórica petista, a disjuntiva é outra e eles se colocam como perseguidos políticos. São coitados e perseguidos. Nesse pouco convincente jeito de ver as coisas - mas muito repetido, como se a repetição desse algum tipo de substância a débil conteúdo -, os poderosos, os autoritários, os poucos democráticos seriam as pessoas e instituições que promovem a Lava Jato e só o fazem por ódio contra o líder Lula e seu magnânimo projeto de Brasil.
Nessa estranha versão dos fatos, todo o trabalho dos investigadores, dos promotores e dos juízes se basearia no descontentamento das elites com a revolução social promovida por Lula, que tanta gente tirou da miséria. O cerne da Lava Jato não seria o cumprimento da lei. Para o sofisma petista, a batalha travada na Lava Jato é entre os defensores dos reacionários - Polícia Federal, Ministério Público, Poder Judiciário - e os “progressistas”, aqueles que não se detêm diante da lei, pois só querem o “bem do povo”, que só eles conhecem e defendem. E tanto querem o “bem do povo” que se arriscam corajosamente por esse ideal, enfrentando as odiosas instituições retrógradas, que os perseguem acintosamente.
O Estado de São Paulo, n.44720, 26/03/2016. Opinião, p. A3