Valor econômico, v. 16, n. 3953, 01/03/2016. Editorial, p. A10

Caminho turbulento para as novas regras do petróleo

Uma das poucas medidas econômicas positivas aprovadas recentemente é o projeto de lei do Senado que desobriga a Petrobras de participar de todos os consórcios para a exploração do petróleo do pré-sal. O projeto ainda tem que passar pela Câmara e pela sanção presidencial e tudo indica que terá um caminho acidentado. Mas a esperança é que o novo modelo destrave os investimentos na área de modo a aumentar a produção de petróleo, tirar da letargia a indústria de máquinas e equipamentos especializados e criar empregos.

Desde a aprovação do novo marco regulatório do petróleo, a Lei 12.351 de 2010, que mudou o regime de exploração de concessão para partilha, a Petrobras passou a ser a operadora única do pré-sal, com participação mínima de 30% dos consórcios. O modelo não se mostrou bem-sucedido. Apesar de o pré-sal responder por 40% da produção atual, apenas o campo de Libra foi leiloado, com participação de 40% da Petrobras.

Houve outros problemas na gestão dos campos do pré-sal, mas a concentração da exploração nas mãos da Petrobras é um dos principais e vem se tornando mais sério. Eles começaram quando o governo segurou opreço dos combustíveis abaixo do patamar internacional para conter a inflação, causando a descapitalização da empresa, e se acentuaram com o rombo causado pelas irregularidades apuradas pela Operação Lava-Jato.

Atolada em dívidas ao redor de R$ 500 bilhões, a Petrobras precisa neste momento se desfazer de ativos, em volume estimado ao redor de US$ 60 bilhões. Por isso, desobrigar a empresa de participar de todos os projetos de exploração do pré-sal é realista e também pode deslanchar os investimentos na área.

A primeira reação das petroleiras internacionais à perspectiva de mudança de regras foi positiva. O custo de produção de equilíbrio do pré-sal varia conforme o campo e há casos que comportam os preços atuais do petróleo no mercado, que giram em torno dos US$ 30. A Firjan estima que, com a mudança de regras, o setor possa atrair US$ 420 bilhões até 2030.

O principal obstáculo à mudança de regras é político. De autoria do senador José Serra (PSDB-SP), o projeto ficou em discussão por um ano e entrou em regime de urgência neste mês, com apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Inicialmente, o governo foi contrário. Na última hora, costurou um substitutivo com Romero Jucá (PMDB-RR), que acabou prevalecendo. O PT se disse surpreendido e perplexo com a mudança de atitude. Votaram contra nove senadores do partido e se absteve Humberto Costa (PT-PE), estreando como líder. Choveram críticas ao que os petistas consideram perda de poder da Petrobras e acusações de que o petróleo brasileiro será entregue às multinacionais estrangeiras. O tema tornou-se mais munição na briga entre o PT e o governo.

Com a reação do PT, o governo justificou que decidiu negociar um substitutivo "menos ruim" diante da iminente aprovação do projeto de Serra; e já fala em rever sua posição. O curioso é que, na versão original de Serra, aPetrobras teria mais poder porque definiria de quais projetos participaria, com 30% no mínimo. O texto de Jucá passou para o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a atribuição de definir quais projetos seriamoferecidos à Petrobras e foi mantido o percentual mínimo de 30%. A posição do CNPE pode variar conforme o partido no governo porque ele é presidido pelo Ministério da Energia.

As discussões na Câmara dos Deputados prometem ser mais complicadas do que no Senado. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que a Câmara tem alternativa melhor na proposta do deputado Mendonça

Filho (DEM-PE), que prevê a volta ao regime de concessão, uma mudança ainda menos palatável para o PT. Além disso, Cunha indicou que não dará prioridade ao projeto, alegando que os líderes é que devem pedir urgência.

Se os obstáculos políticos forem superados, ainda restarão pedras pelo caminho, como a falta de capacidade financeira da Petrobras, que pode levar o governo a segurar os campos mais promissores e oferecer os menosatraentes, e a questão do conteúdo nacional dos equipamentos.