O globo, n. 30.186, 30/03/2016. País, p. 6

‘Vice decorativo’ centra fogo nos bastidores

Sem compromissos oficiais há 26 dias, Temer articula rompimento com governo e se reúne com a oposição

Por: SIMONE IGLESIAS

 

Sem missão no governo e relegado de fato à condição de “vice decorativo”, como reclamou em carta à presidente Dilma Rousseff em dezembro, Michel Temer está há 26 dias sem compromissos oficiais. Mergulhado numa rotina discreta, entre sua casa e escritório, em São Paulo, e o Palácio do Jaburu, residência oficial em Brasília, Temer não se expôs publicamente nesse período, em que se dedicou a articulações políticas. Ou, na visão do PT e de governistas, conspirando pela queda de sua chefe.

Seu último compromisso oficial foi em 2 de março, quando participou, no Palácio do Planalto, da solenidade do termo de ajustamento de conduta entre a União, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e a Samarco Mineradora, por conta da tragédia de Mariana ( MG). Depois, dedicouse a reuniões com parlamentares do PMDB, algumas poucas com registros na agenda.

Temer conversou com dezenas de políticos nas últimas três semanas, discutindo como será, eventualmente, um governo sem Dilma. Paralelamente, planejou com seus aliados a convenção do PMDB, do último dia 12, quando foi dado o primeiro passo para o rompimento; nos últimos dias, articulou a reunião do Diretório Nacional do partido, que ontem pôs fim à parceria com o PT.

O vice ainda conversou com a cúpula tucana. Em São Paulo, encontrouse com o presidente do PSDB, senador Aécio Neves ( MG), alimentando a ideia de que negociam uma aliança, se o Congresso afastar Dilma. Também recebeu em sua casa o senador José Serra ( PSDB- SP).

Enquanto dava atenção aos tucanos, Temer fugia do ex- presidente Lula que tentou, por dias, encontrálo. O petista esteve em Brasília diversas vezes, mas foi sempre evitado pelo vice- presidente. Só no último domingo, Lula conseguiu uma breve audiência com Temer, na Base Aérea de São Paulo, de onde o peemedebista viajaria para Brasília com o objetivo de finalizar os preparativos do rompimento com o governo.

Enquanto o Diretório Nacional peemedebista se reunia ontem na Câmara para sacramentar esse rompimento, Temer voltava a São Paulo, onde deverá ficar até o fim desta semana. Pela manhã, sua assessoria distribuiu o vídeo de cerca de 20 minutos, enviado para ser exibido no Seminário Luso- Brasileiro de Direito, em Lisboa, organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público ( IDP), fundado pelo ministro do STF Gilmar Mendes. No vídeo, Temer elogia a ação do Judiciário e do Legislativo. Temer iria ao evento, mas cancelou sua participação na última quinta- feira, para se dedicar às negociações da reunião do diretório.

— O Judiciário hoje tem uma presença muito forte, muito significativa, que deve ser saudada por todos aqueles que se preocupam com o bom comportamento ético, político e administrativo. O Legislativo tem exercido suas funções com muita tranquilidade. Então, o que temos hoje, é a aplicação da regração jurídica. O que estamos fazendo é aplicar o Direito e, quando você aplica o Direito, você tem certa tranquilidade social — afirmou Temer, no momento em que a Câmara analisa o pedido de impeachment de Dilma, e o Judiciário conduz a Operação Lava- Jato.

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Palavra de Especialistas

 

O governo Dilma conseguirá sobreviver ao impeachment?

 

MARLY MOTTA

PROFESSORA DE HISTÓRIA POLÍTICA DA FGV- RIO

“São chances difíceis. O PMDB é ponto de apoio para outras siglas, sobretudo as menores, cuja sobrevivência depende de em qual lado se está, de cada eleição. É ano de eleição municipal, e o PMDB, com base local importante, dá a outros partidos o sinal de que o futuro não é mais com o PT: é o fiel da balança, sempre vê para onde o vento político está indo; mas, ao escolher uma direção, carrega o vento com ele e direciona o vento. E faz isso muito pelos caciques, pelos que oferecem às bases e às siglas menores proteção. Não é à toa que ( o ex- presidente) Lula procurou José Sarney, Renan Calheiros. Por isso, um caminho que o governo pode tentar é buscar os nomes de influência do PMDB. Mas Lula, escalado para isso, está queimado com a Lava- Jato. Além disso, há as ruas; as siglas menores e candidatos este ano se preocupam em se mostrar na contramão do ‘ Fora, Dilma’ se votarem com o governo. Então, a procura por caciques nem deve ser por votos contra o impeachment, mais difícil, e, sim, para buscar abstenções, buscar não comparecimentos. Para que, se não houver votos suficientes contra o impeachment, não haja também para aprová- lo”.

 

FÁBIO WANDERLEY REIS

CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR EMÉRITO DA UFMG

“A única possibilidade de sobrevivência é a contestação no Supremo Tribunal Federal ( STF) sobre o que é alegado pelos autores do pedido de impeachment. Neste momento, a eventual rejeição de contas da presidente ( referente a 2015) ainda depende de avaliação do Tribunal de Contas da União ( TCU) e do próprio Congresso. Pelo que está previsto na legislação, para haver a caracterização de crime seria necessário o julgamento ( das contas), mas isso não aconteceu. O pedido da OAB evoca algo que ainda não existe. Se não há o crime de responsabilidade, como respaldar o pedido? Do ponto de vista jurídico, as acusações são frágeis. A condução do impeachment antes desse processo é claramente uma precipitação e algo que poderá ser contestado no STF. Do ponto de vista da política partidária e da relação com o Congresso, o governo está enfraquecido e debilitado. É um jogo com muito pouca chance de ser revertido. Está praticamente descartada, também, a hipótese de negociação com partidos. Dessa forma, o debate na área judicial é a única possibilidade”.

 

EURICO FIGUEIREDO

CIENTISTA POLÍTICO E DIRETOR DO INSTITUTO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS DA UFF

“O governo pode se concentrar em dois pontos. Um deles é usar o fato de o PT ter tamanho expressivo para consolidar o maior número possível de aliados contra o impeachment em outras siglas que não o PMDB. Só que esse não deve ser o principal ponto, mas, sim, concentrar- se nos parlamentares que podem se abster na votação do impeachment ou simplesmente não ir a ela. Muitos podem escolher a atitude mais passiva de não comparecer ou de se abster, e é nisso que o PT deve apostar. Outro caminho é deixar mais claro que o impeachment é processo longo e lento; que, se for incluída a votação no Senado, pode terminar só no fim deste ano ou início do seguinte. Um dos argumentos de quem é pró- impeachment é que ele acabaria com a paralisia decisória do governo Dilma. O PT pode mostrar de forma mais clara que insistir no impeachment pode justamente prolongar essa paralisia, levá- la até o fim do ano ou até ano que vem. E, no caso de se arrastar por 2 anos de mandato mais um dia, o país terá não eleições diretas, mas indiretas, em que o Congresso é que escolhe o presidente. Isso pode agravar a

paralisia de programas e decisões do governo”.

 

FERNANDO ANTÔNIO AZEVEDO

CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DA UFSCAR

“As chances estão muito reduzidas. Com a saída do PMDB da base, é possível que outros partidos sigam o mesmo caminho e o governo fique com a base reduzida a aliados tradicionais. A situação é precária, o governo está isolado em relação ao Congresso. É possível que tente oferecer cargos em negociação diretamente com deputado. Mas é difícil essa estratégia ter sucesso. Com a velocidade com que a crise avançou e as principais siglas se encaminham para o bloco oposicionista, a tendência é haver uma avalanche pró- impedimento. O governo está com baixíssima popularidade. Dilma perdeu a classe média, que majoritariamente apoia o impeachment. E agora perde o principal aliado da sua base. Soma- se a isso uma crise econômica que leva à insatisfação crescente da população. Acho que Dilma não tem mais reserva de vitalidade e reação diante de um contexto tão adverso. O PT é um partido bem articulado com os movimentos sociais, certamente haverá manifestações de rua contra o impeachment. Mas acredito que não será capaz de impactar na votação do Congresso”.

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