O globo, n. 30.186, 30/03/2016. País, p. 8

Partidos reagem a nova manobra de Cunha na Câmara

Aliados do governo e oposição criticam projeto que altera a composição do Conselho de Ética

Por: Evandro Éboli e Isabel Braga

 

- BRASÍLIA- Em mais uma manobra para evitar a cassação de seu mandato no Conselho de Ética, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), aprovou um projeto na Mesa Diretora da Câmara — onde tem controle dos votos — que, se passar no plenário, pode beneficiá- lo no colegiado. A proposta altera a composição das forças partidárias nas comissões e no conselho, prevalecendo as bancadas fixadas após o troca- troca partidário encerrado no dia 18 de fevereiro. A resistência de partidos aliados do governo e da oposição adiaram a votação para hoje.

Pelo menos 91 deputados trocaram de legenda. Entre os partidos que aumentaram suas bancadas estão PP, PR e DEM. Calcula- se que, se aprovado o projeto, pelo menos três deputados antiCunha tenham que deixar o conselho: José Carlos Araújo ( PR- BA), Fausto Pinato ( PP- SP) e o relator do caso de Cunha, Marcos Rogério ( DEM- RO).

Ao contrário das comissões permanentes, o Conselho de Ética vem funcionando desde a retomada dos trabalhos, em fevereiro. O principal processo é justamente o sobre a possível quebra de decoro parlamentar de Cunha. Obrigados por decisão do primeiro vice- presidente da Casa, Valdir Maranhão ( PP- MA), os conselheiros refizeram a votação do parecer de admissibilidade para dar andamento ao processo e estão agora na fase da instrução probatória.

Líderes de vários partidos discursaram e preparam recursos para tentar derrubar a manobra. O deputado Alessandro Molon ( RJ), líder da Rede, qualificou o projeto como “vergonhoso”:

— É uma tentativa escandalosa do presidente Eduardo Cunha de tentar salvar seu mandato no Conselho de Ética. Quem vai apoiar isso?!

O projeto diz que o cálculo das novas bancadas partidárias é válido para qualquer órgão da Câmara, inclusive os que têm integrantes eleitos por mandato, e não apenas para compor as comissões permanentes que até agora não foram instaladas na Casa. Para integrar o Conselho de Ética da Câmara, os partidos indicam seus parlamentares com base no critério da proporcionalidade, mas eles são eleitos para um mandato de dois anos e só saem da vaga antes disso se renunciarem.

O líder do PT, Afonso Florence ( BA), classificou a tentativa como mais um golpe de Cunha.

— É mais um golpe em curso do senhor Eduardo Cunha e que altera a relação de forças no Conselho de Ética, também nas comissões e na Comissão de Impeachment — disse Florence.

O vice- líder do PSDB na Câmara, Betinho Gomes ( PSDB- PE), também membro do Conselho de Ética, divulgou nota condenando o projeto.

— Esta é mais uma atitude absurda e desesperada do representado que age para enfraquecer o Conselho de Ética. É necessário que o plenário da Câmara rejeite esta resolução, sob o risco de se desmoralizar perante a opinião pública que acompanha cada passo do Congresso Nacional, principalmente neste que é dos momentos mais importantes da recente história política do país” — disse Betinho.

O líder do PSOL, Ivan Valente ( SP), também reagiu à proposta.

— É mais uma manobra do presidente em nome de sua impunidade. Ele sabe que a maioria no Conselho de Ética é contra ele e quer mudar isso a qualquer custo. Ele não tem mais moral para continuar à frente da Câmara — disse Valente.

Pelo projeto, o novo cálculo das bancadas partidárias produzirá “efeito imediato” sobre todos os órgãos da Câmara que são compostos pela proporcionalidade, “interrompendo- se, quando for o caso, os mandatos que se achem em curso”. É o caso dos conselheiros eleitos. Pela proposta, os partidos irão preencher as vagas e, se necessário — no caso dos cargos com mandato — será feita eleição para o período de tempo remanescente dos mandatos que tenham sido interrompidos.

Em protesto contra a permanência de Cunha na Presidência, deputados do PSOL e do PT abriram em plenário faixas contra o peemedebista com os dizeres “Fora Cunha” e “Cunha sem legitimidade para conduzir o impeachment”. Assim que as faixas foram abertas, os deputados começaram a gritar “Fora Cunha, fora Cunha!”. Aliados do presidente da Câmara rebateram com “Lula ladrão, Lula ladrão!”.

Sobre o projeto que o beneficia no conselho, Eduardo Cunha defendeu- se afirmando que a Mesa Diretora não entrou na discussão sobre o Conselho de Ética e que o projeto foi apresentado para garantir o respeito às mudanças que ocorreram depois do troca- troca partidário. E que, para ele, como há regra expressa no caso do conselho, a medida não afetará o órgão.

— A discussão é sobre a janela. Eu não entendo isso ( que afete o Conselho de Ética), não é a interpretação que está se dando. O Conselho de Ética tem outro tipo de previsão expressa, não entendo isso não — disse o presidente.

Indagado se era favorável que não se alterasse a composição do Conselho de Ética que poderá beneficiálo, Cunha afirmou:

— Não sou contra, nem a favor. Não tratamos de Conselho de Ética na resolução, mas é óbvio que quem mudou de partido não deveria ocupar a vaga de outro partido, porque os partidos têm sua representação na Casa.

Cunha citou o caso do segundo secretário da Casa, Felipe Bornier ( PROS- RJ), eleito para o cargo quando estava no PSD e agora mudou para o PROS. Segundo Cunha, a previsão de que a mudança de legenda implica em perda do cargo para garantir a proporcionalidade está prevista no regimento no caso da Mesa Diretora e da Comissão do Impeachment.

— Membro da mesa que mudou de partido perderá o cargo. Isso é claro, nítido.

    Órgãos relacionados:

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    Opinião

     
    IMPREVISTO
     

    PODE NÃO ter sido boa ideia a de estrategistas planaltinos de marcar entrevista coletiva de Lula com a imprensa internacional, para denunciar o “golpe” e defender Dilma.

     

    ISSO PORQUE, por seguirem regra básica do jornalismo profissional, os correspondentes, ao darem o contexto em que ocorreu a entrevista, lembraram que Lula é investigado pela suspeita de ter recebido propina na forma de um apartamento à beiramar, um sítio, além de pagamentos vultuosos, por supostas conferências contratadas por empreiteiras.

     

    OU SEJA, mostraram aquilo que o lulopetismo quer esconder. Tiro no pé.

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    As versões de Lula no exterior

    Argumentos de ex- presidente à imprensa estrangeira, parte da estratégia do petista e do governo, têm relatos distintos de jornais

    Por: Marco Grillo

     

    A entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a jornalistas estrangeiros, parte da estratégia para sensibilizar a opinião pública estrangeira, rendeu diferentes relatos sobre as declarações feitas pelo petista — de olhares mais críticos, recheados de detalhes das investigações, a abordagens relatoriais, menos incômodas.

    Em diversas frentes, o governo vem buscando na imprensa internacional um meio de amplificar sua versão. Dois pilares compõem o plano: os argumentos em defesa da continuidade do mandato da presidente Dilma Rousseff e a resposta às denúncias que recaem sobre o ex- presidente.

    Há poucos dias, Dilma já cumprira o roteiro ao conversar com correspondentes estrangeiros. Jaques Wagner, hoje chefe de gabinete da presidente, e o advogadogeral da União, José Eduardo Cardozo, também seguiram o script. Ontem, o Instituto Lula manteve a estratégia ao divulgar uma nota, em três idiomas ( português, inglês e espanhol), em que aborda a situação do expresidente junto à Justiça.

    Em contra- ataque, líderes da oposição também recorreram à imprensa internacional ( veja ao lado).

    Para o jornal espanhol “El País”, o convite de Lula foi um “sintoma” de como andam as relações entre o governo e a imprensa brasileira. O britânico “The Guardian” classificou a entrevista como um esforço de driblar o que o PT considera uma “mídia hostil”. Já o francês “Le Monde” pôs no título: “Lula com a missão de seduzir para defender Dilma Rousseff ”.

    As reportagens do norteamericano “The New York Times” e do “Guardian” apresentaram contrapontos que põem em dúvida a estratégia de massificar a reprodução de pontos de vista favoráveis a Lula e ao governo. Ao lembrar que a sua nomeação na Casa Civil está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal ( STF), o “New York Times” citou que as investigações levaram à cadeia “magnatas da construção, executivos do petróleo e confidentes de Lula”.

    O “Guardian” afirmou que o ex- presidente não conseguiu explicar como ele e Dilma comandaram o país sem notar que “enormes esquemas de corrupção” financiavam campanhas eleitorais de grandes partidos.

    Os impactos políticos do desembarque do PMDB, oficializado ontem, foram lembrados pelo argentino “La Nación”. A velocidade dos acontecimentos força o governo, agora, a acelerar conversas com outros interlocutores: deputados e senadores, os responsáveis por deter ou permitir o impeachment.

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    A correspondentes, Aécio diz que ‘ governo Dilma acabou’

    Na entrevista para jornalistas estrangeiros, partidos da oposição repudiam ideia de golpe

    Por: Maria Lima

     

    - BRASÍLIA- Em entrevista ontem a correspondentes estrangeiros, convocada pela oposição para desconstruir “a narrativa do golpe”, os presidentes de seis partidos — PPS, PSB, Democratas, PSC, Solidariedade e PSDB — reafirmaram que o impeachment é constitucional, que um eventual governo Michel Temer não é “a solução dos sonhos”, que não há intenção de obstruir as investigações da Lava- Jato e que apoiarão uma agenda dura, de reformas estruturais, para a retomada do crescimento. Participaram da coletiva jornalistas de “Le Monde”, “El País”, “Wall Street Journal”, “France Presse”, “Reuters”, “La Nacion”, “Agencia EFE”, “Agência Ansa” e “Página 12”.

    — O debate sobre se é ou não golpe repercute mais no Brasil do que lá fora. Lá, as pessoas têm uma visão global da situação. Sabem que a presidente Dilma está fraca e que pode acontecer o impeachment. Meus leitores querem saber é como o Brasil chegou a essa situação e se vai voltar a crescer. Veem com tristeza e preocupação a possibilidade de o Brasil retornar aos anos 80, da década perdida — relatou um dos correspondentes após a entrevista.

    Segundo Anthony Boadle, da “Reuters”, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves ( MG), disse que o desembarque do PMDB do governo de Dilma “fecha a tampa do caixão” da gestão da petista. Aécio anunciou que, na próxima segunda- feira, o PSDB vai reunir seus governadores, líderes partidários e o ex- presidente Fernando Henrique para detalhar como será a participação em um eventual governo de coalizão junto com Michel Temer, definindo questões essenciais para a transição, se aprovado o impeachment

    — O governo Dilma acabou. A saída do PMDB fecha a tampa do caixão de um governo moribundo que não tem mais condições mínimas para sinalizar o que todos nós queremos: a retomada do crescimento, a geração de empregos, a melhoria dos indicadores sociais — disse Aécio.

    Ainda segundo Boadle, Aécio disse que a saída do PMDB levará com ele outras forças partidárias que ainda sustentavam o governo.

     

    APOIO DA OAB E DE MINISTROS

    Na entrevista, José Agripino, presidente do DEM e líder da oposição no Senado, disse aos correspondentes que o governo utiliza o discurso de que há um golpe “por não ter como explicar as razões de ter enganado o povo brasileiro”. Ele argumentou que o impeachment tem o apoio da OAB e respaldo de ministros do Supremo Tribunal Federal.

    — Essa é uma atitude meramente escapista de um governo que não tem como explicar porque tem enganado a sociedade — disse Agripino.

      Senadores relacionados:

      • Aécio Neves
      • José Agripino

      Órgãos relacionados:

      • Senado Federal