O globo, n. 30.186, 30/03/2016. País, p. 10

Aberta ação sobre cartel no governo Serra

Sete executivos de multinacionais viram réus por suposta fraude na compra de trens em São Paulo, em 2009

Por: TIAGO DANTAS E STELLA BORGES

 

- SÃO PAULO- A Justiça aceitou anteontem denúncia contra sete executivos das multinacionais Alstom e CAF, acusados de participar de esquema de cartel e fraude à licitação na compra e manutenção de trens durante o governo de José Serra ( PSDB), em São Paulo. Esta já é a oitava ação penal que apura corrupção em contratos do setor metroferroviário em governos tucanos em São Paulo, mas até agora, ninguém foi preso.

A investigação atual envolve uma licitação de R$ 1,8 bilhão feita pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos ( CPTM) em 2009, quando Serra era governador do estado. O edital previa a contratação de empresa para fornecer 288 vagões de trem e para fazer a manutenção por 20 anos da Linha 8- Diamante, que liga a capital ao município de Itapevi, na Grande São Paulo.

 

INDÍCIOS DE CRIME

Na denúncia, apresentada no início do mês, o promotor Marcelo Mendroni, do Grupo Especial de Delitos Econômicos ( Gedec), argumentou que “os denunciados, através da utilização dos respectivos cargos e designações nas empresas, buscaram a fixação artificial de preços, simulação de disputa e divisão dos objetos dos referidos contratos, com a maximização de seus lucros”.

Apenas o consórcio liderado pela CAF participou do certame, com uma proposta 0,01% abaixo do valor máximo proposto pela CPTM. Segundo o Ministério Público, isso aconteceu porque executivos de outras empresas combinaram quem participaria do edital. Além da CAF, fariam parte do cartel, segundo os promotores, Alstom, Bombardier, Siemens, MGE, Mitsui e Tejofran. No caso atual, só foram encontradas provas contra os funcionários das duas companhias.

Em decisão na segunda- feira passada, a juíza Roseane Cristina de Aguiar Almeida, da 29 ª Vara Criminal de São Paulo, escreveu que “há indícios da existência do crime e de autoria” de cinco pessoas ligadas à Alstom: Antonio Oporto del Omo, expresidente; Cesar Ponce de Leon, ex- vice- presidente; Isidro Ramon Fondevilla Quinomero, diretor- geral deTransporte; Luiz Fernando Ferrari, diretor; e Wagner Tadeu Ribeiro; além de dois executivos da CAF: Agenor Marinho Contente Filho e Guzman Martín Diaz.

Na denúncia, Mendroni também listou diversas trocas de emails entre os executivos. Em um deles, de setembro de 2009, o então diretor da Alstom, Cesar Ponce de Leon, diz aos outros funcionários da multinacional francesa: “Quanto ao convite aos ‘ boinas’ lhe expliquei que não há nada combinado, que buscávamos dividir o capital e eliminar ao mesmo tempo um competidor”. “Los Boinas” era a forma como os executivos da Alstom se referiam à CAF.

O Ministério Público havia pedido a prisão preventiva de Omo e Leon, que vivem no exterior. A juíza negou, afirmando que “não obstante a gravidade das acusações, não há qualquer evidência de que soltos (...) poderão comprometer a ordem econômica ou frustrar a aplicação da lei penal”. A juíza disse que os réus tem dez dias para se manifestar.

A investigação utiliza informações de um acordo de leniência assinado pela alemã Siemens com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica ( Cade) em 2013.

 

SERRA NÃO COMENTA

Procurada, a assessoria do senador José Serra ( PSDB- SP) não se posicionou.

Em nota, a Alstom comunicou que a decisão da Justiça paulista tem como parte apenas pessoas físicas. “A Alstom acompanha o desenrolar do processo e irá colaborar com as autoridades quando solicitada. A empresa, como sempre indicou, opera de acordo com um código de ética e com todas as leis e regulamentos dos países onde atua. A prática de cartel ou de qualquer concorrência desleal não é permitida pelas regras da Alstom”.

A CAF, em nota, informou “que tem colaborado com as autoridades no fornecimento de todas as informações e que atua estritamente dentro da legislação brasileira”. Guilherme San Juan, que defende Omo e Leon, disse que seus clientes são inocentes e que vão provar isso ao longo do processo.

Senadores relacionados:

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Presos 7 da máfia da merenda na gestão Alckmin

Estudantes fazem manifestação na Assembleia e passeata na Paulista

Por: TIAGO DANTAS E SILVIA AMORIM

 

- SÃO PAULO- Sete pessoas foram presas ontem acusadas de envolvimento com a máfia da merenda no governo de Geraldo Alckmin ( PSDB), em São Paulo. Entre os detidos estão o ex- deputado federal e ex- presidente da Assembleia Legislativa Leonel Julio e o funcionário da Secretaria estadual de Agricultura Carlos Eduardo da Silva. Leonel e seu filho, Marcel Julio, que teve a prisão decretada em janeiro e está foragido, são apontados como mentores da quadrilha.

A Operação Alba Branca investiga o esquema montado pela Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar ( Coaf ) no governo do estado e em prefeituras. A Coaf é suspeita de pagar propina a políticos e funcionários públicos em troca de contratos superfaturados de fornecimento de suco de laranja para escolas do governo estadual e de 20 prefeituras.

A 2 ª fase da operação começou logo cedo em cinco cidades : São Paulo, Campinas, Barretos, Bebedouro e Severínia. Além das prisões, foram cumpridos mandados de busca e apreensão.

Também foram detidos o presidente da União dos Vereadores do estado, Sebastião Miziara; os vendedores da Coaf Emerson Girardi e Luiz Carlos da Silva Santos; e os lobistas Aluizio Girardi Cardoso e Joaquim Geraldo Pereira da Silva. Todos estão em prisão temporária, válida por cinco dias.

Leonel Julio, de 80 anos, foi presidente da Assembleia em 1976, durante o regime militar. Integrante do MDB, ele acabou tendo seu mandato cassado e perdendo seus direitos políticos por dez anos sob a acusação de ter comprado calcinhas no exterior com dinheiro do gabinete da Assembleia. Voltou à vida pública em 1989, como deputado federal. Seu filho, Marcel Julio, é suspeito de usar os contatos do pai para conseguir acesso a políticos. Lobista, ele é apontado, ainda, como elo entre a cooperativa e o governo paulista.

O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado ( Gaeco) de Ribeirão Preto, que conduz as investigações, informou já ter indícios de fraudes em 20 municípios entre 2013 e 2015, com contratações ilícitas de R$ 7 milhões, sendo 10% valores pagos em propinas e comissões a intermediários e lobistas.

 

PROTESTO DE ESTUDANTES

Ontem à tarde, um grupo de estudantes da rede pública ocupou a Assembleia Legislativa de São Paulo ( Alesp) para pedir a instalação de uma CPI para apurar desvios de verba pública pela máfia da merenda. Depois, caminharam até a Avenida Paulista e se encontraram com o grupo pró- impeachment, acampado ali há mais de uma semana. A polícia foi acionada, mas os estudantes se dispersaram no início da noite, e não houve confrontos.

Depoimentos prestados por integrantes da cooperativa presos na primeira fase da Operação Alba Branca, em janeiro, colocaram sob suspeita de envolvimento com o esquema políticos de PSDB, PMDB, PTB, SD e PPS. São eles: o atual presidente da Assembleia, Fernando Capez ( PSDB); os deputados estaduais Luiz Carlos Gondim ( SD) e Fernando Cury ( PPS); os deputados federais Baleia Rossi ( PMDB) e Nelson Marquezelli ( PTB); e o secretário de Transportes e Logística do governo Alckmin, Duarte Nogueira ( PSDB).

Até o momento, não há confirmação de envolvimento de prefeitos. Os contratos da Coaf com o governo estadual, que envolveriam políticos com foro privilegiado, estão sendo investigados pela ProcuradoriaGeral de Justiça. ( Colaborou Luiza Souto)