Correio braziliense, n. 19299, 28/03/2016. Política, p. 2

CONTRA IMPEACHMENT, GOVERNO ABRE O COFRE

CRISE NA REPÚBLICA » Palácio do Planalto mapeia votos de aliados e faz as contas para liberar recursos com o objetivo de obter maioria na comissão que analista o afastamento e nos plenários da Câmara e do Senado
Por: PAULO DE TARSO LYRA

PAULO DE TARSO LYRA

 

O governo quer esquecer o ajuste fiscal e liberar investimentos, emendas e acelerar a nomeação de cargos para tentar fidelizar a base de apoio na Câmara e impedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff. PSD, PTB, PR, PDT e PP, legendas rebeldes, comandam, juntas, um orçamento de R$ 49,4 bilhões em seus ministérios. Somadas, as respectivas bancadas totalizam 160 deputados.

A conta é fria: o apoio de cada deputado destes partidos significa um desembolso de R$ 308,7 milhões por parlamentar.  Essa conta não inclui, obviamente, o PMDB e seus sete ministérios, pois a legenda vive a expectativa de poder com Michel Temer. Nem tampouco PT e PCdoB, legendas fechadas contra o afastamento da presidente.

O governo precisa, de fato, abrir o cofre. Para onde o Planalto se vira, há problemas. Na comissão do impeachment, que analisa neste momento o processo de afastamento da presidente, o governo tem, garantido, 32 dos 65 votos, uma conta na risca, já que o presidente do colegiado, Rogério Rosso (PSD-DF) só vota se houver empate.

No plenário da Câmara, para barrar o processo de impeachment, o Planalto e seus articuladores calculam contar com 150 votos cristalizados. São necessários, ao menos, 171, para impedir o afastamento precoce de Dilma. A matemática tem sido cruel para os governistas. A estimativa é de que haja uma margem de 50 a 60 deputados ainda indecisos, maleáveis a possíveis argumentos. Na prática, isso significa que 90% dos 513 deputados já se decidiram pela permanência ou afastamento da presidente.

“Para respirar aliviada, Dilma teria de ter uma margem de 200 a 220 votos cristalizados, para evitar os riscos de uma votação aberta. Essa é a base aliada que persegue desde que foi reeleita em 2014 e que jamais conseguiu”, admitiu, desolado, um petista bom de conta. “Se formos para o plenário com 150 apoios, esse número despenca para 100. Mas se chegarmos com 200, podemos crescer para os 220. É o efeito manada”, disse o mesmo estrategista.

Se for derrotada na Câmara, Dilma ainda tenta contar com os senadores para preservar o mandato. Se opresidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL) aceitar a abertura do processo encaminhada pelos deputados, automaticamente Dilma é afastada do cargo por até 180 dias. Renan já avisou que, ao contrário do que prometia em dezembro, não decidirá essa questão monocraticamente. Passará para o plenário da Casa. A oposição precisa de 54 votos para cassar a petista. Hoje, pelos cálculos dos próprios governistas, os adversários do Planalto já têm 41.

O cálculo de um defensor do impeachment é cruel para o Planalto. “Se eu disser que defendo a Dilma, hoje, nas ruas, eu apanho”, admitiu ele, não se sabe se utilizando linguagem figurada ou concreta. Mesmo que ele compre a briga, a batalha não renderá dividendos políticos. “Quem hoje defende a Dilma vota no PT, no PCdoB ou está nos movimentos sociais. Não é meu eleitorado. Ou seja, ser contra o impeachment não me dá um voto a mais e ainda afasta aqueles que me elegeram em 2014”, disse um parlamentar, pedindo anonimato.

A conta prática, em ano de eleições municipais, é cristalina. O PSD de Rogério Rosso (DF), presidente da Comissão do Impeachment, liberou a bancada para votar como bem entender. O ministro das Cidades, Gilberto Kassab, não pretende abandonar o cargo, mas tem pouca ascendência na bancada. “Hoje o cálculo é de 55% deputados fieis ao governo e 45% defensores do impeachment”, disse um dirigente pessedista. “Antes dos grampos envolvendo com as conversas de Dilma com o ex-presidente Lula, essa margem pró-planalto era muito maior”, admitiu o cacique do PSD.

O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (RS), que teve de intervir na eleição de líder da bancada na Câmara para evitar que o partido derrapasse para a oposição, aposta ainda que a maior parte da legenda mantenha-se alinhada ao Planalto após ter mantido — com um técnico, não um político — o comando do Ministério da Integração Nacional. A aposta pode ser arriscada.

Vinte e dois deputados e quatro senadores aprovaram uma resolução exigindo que Ciro marque uma reunião do comando do partido no próximo dia 30 para definir se o PP é base ou oposição. “É quase a metade dos deputados e 2/3 dos senadores. Queremos uma definição em convenção de emergência da legenda antes da votação do impeachment na Câmara, prevista para a segunda quinzena de abril”, disse o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS).

O PR também está dividido. Um integrante do comando partidário faz e refaz as contas e não sabe se a titularidade no Ministério dos Transportes será suficiente para manter a bancada coesa em torno do Planalto. “Tivemos manifestações de rua marcadas e espontâneas pelo impeachment, grampos de Dilma e Lula, do ministro da Educação, Aloizio Mercadante e as delações do senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS). É muita notícia ruim para um governo só”, reconheceu um deputado do PR.

 

Poder de fogo

Orçamentos*, bancadas e a luta de um governo para impedir o próprio fim

 

Ministério                                     Orçamento (em R$ bilhões)                                     Partido                 Bancada de deputados

Cidades                                                                           19,94                             PSD                          32

 

Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC)                 2,87                          PTB                                 19

Transportes                                                             14,65                                   PR                                 40

Comunicações                                                     6,62                        PDT                            20

Integração Nacional                                                      5,32                              PP                             49

 

* Fonte: Orçamento Geral da União 2016

 

Frase

"Queremos uma definição (sobre apoio ou não ao governo) em convenção de emergência da legenda antes da votação do impeachment na Câmara”

Jerônimo Goergen (PP-RS), deputado federal