O globo, n. 30.185, 29/03/2016. País, p. 4

PMDB tenta saída por aclamação; Planalto ainda busca dissidentes

Ministros poderão ser liberados pelo partido para ficar nos cargos

Por: JÚNIA GAMA, SIMONE IGLESIAS, CATARINA ALENCASTRO, EDUARDO BARRETO E CRISTIANE JUNGBLUT

 

BRASÍLIA- Com o processo de impeachment caminhando a todo vapor na Câmara, o PMDB, maior partido da base aliada, tenta formalizar hoje, por aclamação, o desembarque do governo em reunião do Diretório Nacional. Ainda há uma divisão a respeito das centenas de cargos ocupados em todos os escalões da República. Ciente da iminente derrota, o Palácio do Planalto ainda trabalha para angariar votos entre os dissidentes, em especial os agora seis ministros do PMDB ( Henrique Eduardo Alves, do Turismo, pediu demissão ontem), e evitar um rompimento unânime que signifique um completo descolamento do governo. A unanimidade dificultaria ainda mais a busca de votos contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Ontem, o dia foi intenso em reuniões de ambos os lados. As articulações do vice- presidente Michel Temer, que é presidente do PMDB, foram no sentido de conseguir um desembarque sem resistências na reunião do Diretório Nacional. Para evitar constrangimentos, a decisão foi que os contrários ao rompimento imediato, como os ministros, o Presidente do SenadoRenan Calheiros (PMDB-AL), e alguns parlamentares, não comparecerão ao evento de hoje. Nem Temer estará presente. Segundo pessoas próximas a ele, o objetivo é ele não ficar carimbado de “capitão do rompimento”.

 

ROMPIDOS, MAS COM CARGOS

O vice- presidente orientou os dirigentes do PMDB a procederem a uma votação rápida, que apenas aprove o desembarque por aclamação, sem entrar em especificidades como prazos para que os ministros deixem os cargos. Isso significa que o partido ficará “rompido” com o governo, mas mantendo os cargos que o Planalto deixar. Ainda assim, como gesto de fidelidade a Temer, Henrique Eduardo Alves decidiu ontem pedir demissão do Ministério do Turismo. A maioria dos ministros, no entanto, não deve acompanhar Henrique Alves neste momento.

Na prática, o desembarque é uma separação entre os aliados que resultará numa posição ainda mais crítica do PMDB na Câmara, em meio ao processo de impeachment. O diretório não decidirá sobre o afastamento de Dilma do cargo, mas, objetivamente, deixará os parlamentares liberados para votarem como quiserem, sem que estejam sujeitos a pressões do Planalto em razão dos cargos que o partido ocupa.

— Temer não quer criar problemas para ninguém. Os mais radicais insistem nesse prazo até o dia 12 de abril para os ministros deixarem os cargos, mas sentimos Temer trabalhando para que não haja constrangimentos — afirmou um ministro que esteve ontem com o vice- presidente.

Temer também se encontrou ontem com o Presidente do SenadoRenan Calheiros, e o líder do PMDB na Casa, Eunício Oliveira, e expôs sua posição. Renan era o mais refratário à saída do governo.

O vice- presidente recebeu ainda ministros que resistem em deixar o governo, como o de Minas e Energia, Eduardo Braga, e o de Ciência e Tecnologia, Celso Pansera. Ambos ouviram de Temer que não há mais o que fazer para mudar a posição do PMDB, mas que não há intenção de criar problemas para quem quiser permanecer no governo. Para Temer, a partir de amanhã, os ministros que ficarem em seus cargos o farão por iniciativa própria.

É justamente nesta brecha que o Planalto aposta para evitar uma debandada geral do partido. O Planalto quer garantir sua base no Congresso com urgência e irá acompanhar os desdobramentos do processo de impeachment para mexer no tabuleiro ministerial. Ontem, a presidente Dilma afirmou aos ministros do PMDB que são bem- vindos a permanecer no governo, mesmo com o desembarque do partido. O Planalto avalia que o PMDB fora do governo não significa que todos os votos da sigla estarão a favor do impeachment.

 

LULA ENCONTROU TEMER

O ex- presidente Lula estará na linha de frente dessas negociações com os dissidentes do PMDB e de outros partidos da base aliada. Ontem, Lula desembarcou em Brasília para acompanhar de perto as movimentações. No domingo, após semanas sendo evitado pelo vice- presidente, Lula conseguiu um encontro com Temer em São Paulo. Segundo relatos de peemedebistas, Temer traçou um panorama da situação interna do PMDB, cujo clima para a reunião do Diretório Nacional é pelo rompimento, e disse ao ex- presidente que não há mais condições de reverter o quadro. Lula perguntou sobre a possibilidade de adiamento da reunião do Diretório Nacional, mas Temer disse que o resultado prórompimento já estava consolidado e que não seria mais possível “segurar o partido”.

Uma amostra dessa impossibilidade foi a decisão de ontem do diretório do PMDB de Minas Gerais de romper com o governo Dilma, a exemplo do que já fizera o diretório do Rio.

 

Para evitar constrangimentos, os contrários ao rompimento imediato, como os ministros do partido e o Presidente do SenadoRenan Calheiros, não irão à reunião de hoje

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Lula aposta em coalizão sem apoio do diretório

Ex- presidente diz que teve auxílio de parte do PMDB, sem fechar aliança

Por: SÉRGIO ROXO

 

- SÃO PAULO- Em entrevista a 24 correspondentes de jornais estrangeiros, o ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou ontem a provável saída do PMDB do governo, mas disse acreditar que poderá contar com o apoio de alguns integrantes do partido na luta contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, mesmo com a decisão contrária do Diretório Nacional.

Na avaliação do petista, a saída do PMDB não significará um abandono total do partido. O ex- presidente lembrou o início de seu governo, em 2003, quando parte do partido o apoiava, apesar de a cúpula da legenda não ter fechado uma aliança.

— Vejo com muita tristeza o PMDB abandonar o governo ou se afastar. Pelo que eu estou sabendo, os ministros do PMDB não sairão e nem a Dilma quer que eles saiam — afirmou.

Lula destacou ainda as diferenças regionais do PMDB.

— No segundo mandato, nós fizemos um acordo com o PMDB. Ainda assim, a gente nunca teve todo o PMDB. Você tem vários estados em que o PMDB quer apoiar o governo — declarou.

Em estratégia semelhante à adotada na semana passada pela presidente Dilma, que também deu entrevistas a correspondentes internacionais, Lula falou por mais de duas horas para representantes de jornais como “The New York Times” e “El Pais”, e de agências, como “AP”, “Reuters”, “Efe” e “France Presse”, defendendo que há “um golpe” em curso no Brasil.

O ex- presidente criticou ainda o juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava- Jato:

— Por tudo que se sabe do juiz Moro, é que ele é uma figura inteligente, competente, mas como ser humano eu temo que a mosca azul faça os seus efeitos. As pessoas começam a se autovalorizar, a achar que aquele tipo está legal, que é bom a imprensa dar destaque.

Na semana passada, Lula já havia dito em discurso a sindicalistas que a Operação Lava- Jato pode trazer consequências negativas para o país, como aumento do desemprego. No dia 4 de março, Moro determinou a condução coercitiva de Lula para depor. No dia 17, o magistrado retirou o sigilo sobre grampos de telefones ligados ao ex- presidente feitos com autorização judicial.

Na entrevista, Lula criticou a imprensa e disse ainda que Dilma precisa de tranquilidade.

— Para que o país possa funcionar corretamente é preciso ter tranquilidade. O governante precisa pensar no futuro e não ficar preocupado em sobreviver dia a dia, que é o que está acontecendo hoje. É uma sangria todo santo dia, e com o apoio de uma certa mídia, que colabora para que o clima de ódio fique estabelecido nas ruas deste país — disse Lula, arrematando: — Deixem essa mulher governar.

 

“O governante precisa pensar no futuro e não ficar preocupado em sobreviver dia a dia, que é o que está acontecendo hoje”

Luiz Inácio Lula da Silva

Ex- presidente