O globo, n. 30.185, 29/03/2016. País, p. 5

Impeachment cabe ao Legislativo, diz Barroso

Relator do tema na Corte também defendeu que processo não é golpe, como já fizeram três ministros

Por: EDUARDO BRESCIANI

 

BRASÍLIA- O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso afirmou ontem que a Corte não tem pretensão de fazer juízo de mérito sobre o processo do impeachment da presidente Dilma Rousseff, ou seja, de avaliar se houve a prática de crime de responsabilidade. Barroso, que foi relator do tema na Corte, afirmou que o processo não pode ser chamado de golpe, enquanto o presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, por sua vez, afirmou que tal expressão não cabe no debate jurídico. Os ministros Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Celso de Mello já se posicionaram publicamente refutando que impeachment possa ser reconhecido como um “golpe”.

Barroso e Lewandowski receberam ontem deputados da Comissão do Impeachment em reuniões abertas à imprensa. O relator afirmou aos deputados que a decisão do STF sobre o rito devolveu o assunto às mãos dos parlamentares e que cabe a eles decidir o futuro de Dilma.

— O que os senhores decidirem vai prevalecer, na Câmara e no Senado. O Supremo não tem pretensão de fazer juízo de mérito nessa matéria — afirmou Barroso.

 

‘UM INEVITÁVEL FLA- FLU’

O ministro afirmou que impeachment não é “golpe”, que há um “inevitável Fla- Flu” sobre o tema e que cabe à Corte o papel de árbitro da disputa.

— Impeachment não é golpe, é um mecanismo previsto na Constituição para afastar presidente da República, mas se impõe respeito à Constituição e às normas estabelecidas — disse o ministro.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, afirmou que a expressão “golpe”, utilizada pelo governo para contestar o processo de impeachment, pertence ao debate político e não ao andamento jurídico do tema.

— Golpe é uma expressão que pertence ao mundo da política, nós aqui usamos apenas expressões do mundo jurídico — afirmou Lewandowski, após se reunir com deputados da comissão do impeachment.

O presidente ressaltou que a Corte, na decisão que proferiu sobre o impeachment, se limitou a reafirmar a jurisprudência do processo de 1992, que levou à saída do presidente Fernando Collor de Mello. Disse ainda que o objetivo da decisão tomada pelo STF não foi afrontar a forma como a Câmara conduzir o processo, mas colaborar com o andamento dos trabalhos. Ele reconheceu que podem haver novos questionamentos sobre o processo. Afirmou que caso isso ocorra a Corte se posicionará com celeridade. O ministro disse ainda aos parlamentares que é necessário serenidade e trabalhar para evitar conflitos no andamento do processo.

Participaram das reuniões no STF o presidente da Comissão do Impeachment, Rogério Rosso (PSD- DF), o relator, Jovair Arantes ( PTB- GO), e os demais integrantes da mesa do colegiado, Carlos Sampaio ( PSDB- SP), Maurício Quintella Lessa ( PR- AL) e Fernando Coelho Filho ( PSB- PE). O relator ressaltou que a intenção é levar os trabalhos de forma a evitar que o tema retorne para discussão no STF.

— Estamos agindo com isenção e não vamos dar oportunidade de que isso aconteça cometendo qualquer erro premeditadamente — afirmou Jovair.

O presidente da comissão afirmou que sua intenção é continuar levando o trabalho adiante com cautela, serenidade e respeito às instituições.

Na Câmara, o presidente Eduardo Cunha ( PMDB- RJ) manteve ontem a decisão tomada pela comissão especial do impeachment na semana passada de não incluir a delação premiada do senador Delcídio Amaral na análise do processo contra a presidente. Em decisão lida no plenário, Cunha afirma que não cabe à Presidência da Casa interferir em decisão tomada pela comissão especial e que ao colegiado definir que documentos irão compor a análise. O deputado Arnaldo Faria de Sá ( PTB- SP) queria que a delação fosse considerada por entender que ela é “pública e notória”.

Depois de ouvir a decisão de Cunha, o deputado Arlindo Chinaglia ( PT- SP) anunciou que também recorreria à CCJ contra ela, para evitar qualquer manobra de retirada do pedido. A CCJ ainda não foi instalada na Casa e isso só deverá acontecer na próxima semana.

Cunha minimizou as críticas do PT, que pede que a presidente seja novamente notificada em função da retirada dos documentos de Delcídio.

 

"O que os senhores decidirem vai prevalecer, na Câmara e no Senado”

Luís Roberto Barroso

Ministro relator do impeachment

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados:

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Janot afirma que Moro deve julgar Lula

PGR diz que nomeação de ex- presidente não descumpriu Constituição

 

BRASÍLIA- O procurador- geral da República, Rodrigo Janot, afirmou, em parecer, que a nomeação de Lula na Casa Civil pela presidente Dilma Rousseff teve o objetivo de influenciar as investigações sobre o expresidente na primeira instância da Justiça Federal, mais especificamente na 13 ª Vara Federal em Curitiba, onde o juiz Sérgio Moro conduz os processos da Lava- Jato. No documento enviado ontem ao Supremo Tribunal Federal ( STF), Janot classificou de “inegavelmente inusual”, “circunstância anormal” e “desvio de finalidade” a decisão de Dilma de apressar a posse de Lula no ministério. A indicação do procurador-geral no parecer é que a nomeação do ex- presidente no cargo seja mantida, mas sem foro privilegiado junto ao STF para as suspeitas investigadas na Lava- Jato. Assim, conforme o parecer, os processos contra Lula devem ser mantidos na primeira instância.

A manifestação de Janot ocorreu em duas ações, do PSDB e do PSB, que pedem a anulação da posse do novo ministro. O relator é o ministro Teori Zavascki, que pediu pareceres da PGR e da Advocacia Geral da União ( AGU) antes de uma decisão. A posse de Lula está suspensa por decisão do ministro Gilmar Mendes. Outra decisão, de Teori, avocou ao STF os processos contra Lula por conta da divulgação de grampos telefônicos envolvendo autoridades com foro privilegiado, entre elas Dilma.

No parecer, Janot sugere também a suspensão de todos os 52 processos na Justiça Federal que questionam a nomeação de Lula. Há 16 ações no próprio STF. Numa delas, Teori liberou o assunto para ser examinado pelo plenário do STF, o que foi agendado para quinta- feira.

“A nomeação e a posse apressadas do ex- presidente teriam como efeitos concretos e imediatos a interrupção das investigações conduzidas pelo MPF no primeiro grau de jurisdição e a remessa das respectivas peças de informação ao STF e à PGR, por força do foro”, escreveu Janot. Segundo ele, uma mudança de instância para apuração sobre os supostos crimes cometidos por Lula levaria à “solução de continuidade temporária” até a PGR se inteirar sobre as provas reunidas.

O procurador- geral reconheceu que os processos que investigam autoridades com foro são mais lentos do que os autos destinados aos “cidadãos em geral”. Outro ponto levantado por Janot é a possibilidade de Lula ser beneficiado por prazos prescricionais, uma vez que o ex- presidente tem 70 anos de idade. “Todos esses atrasos poderiam, hipoteticamente, beneficiá- lo no caso de vir a ser acusado em processo penal, diante da contagem pela metade dos prazos de prescrição.”

Janot afirmou no parecer que Dilma tem “competência constitucional” para nomear ministros e que não houve descumprimento à Constituição na nomeação de Lula. “Não há obstáculo à nomeação de pessoa investigada criminalmente”, escreveu. “Não se nega que o nomeado tenha condições de emprestar relevante reforço político em tratativas necessárias ao uncionamento da Presidência da República, dada sua experiência como ex- presidente da República e sua qualidade de habilidoso negociador, segundo se divulga.”

Procurador-geral entende que houve “desvio de finalidade” na decisão de Dilma em nomear Lula ministro da Casa Civil

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Lewandowski aciona PF para investigar ameaças a ministros

Magistrados da Corte viraram alvo após julgamentos que envolvem a Lava- Jato
 

- BRASÍLIA- O presidente do Supremo Tribunal Federal ( STF), Ricardo Lewandowski, acionou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal para investigarem ameaças que os ministros da Corte têm recebido após os julgamentos que envolvem a Operação Lava- Jato. Sem entrar em detalhes, em comunicado divulgado ontem, Lewandowski afirmou que as ameaças “excedem a mera irresignação com posições jurídicas externadas por integrantes do STF no legítimo desempenho do elevado múnus público que lhes foi cometido”.

Na última semana, o ministro Teori Zavascki foi alvo de seguidos protestos pela decisão que determinou ao juiz federal Sérgio Moro que enviasse ao Supremo todas as investigações da Operação Lava- Jato envolvendo o ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

 

SANÇÕES RIGOROSAS

“Desde a semana passada, tenho mantido contato com distintas autoridades da área de segurança para coibir, reprimir e prevenir ameaças, coações e violências perpetradas contra ministros da Corte, a pretexto de manifestar suposto inconformismo com decisões por eles proferidas”, diz o presidente do STF na nota.

No documento, Lewandowski afirma que as ameaças não têm relação com a liberdade de expressão. “Passam ao largo do direito de expressão constitucionalmente assegurado aos cidadãos, ganhando contornos de crimes para os quais a legislação penal prevê sanções de elevado rigor”, afirma a nota.

 

DESTEMOR E INDEPENDÊNCIA

O ministro afirma que todos os responsáveis, estando direta ou indiretamente ligados às ameaças, estão sob investigação e devem responder em juízo, caso haja provas. Lewandowski também enviou ofícios ao ministro da Justiça, Eugênio Aragão, e ao advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. O presidente do tribunal completou o anúncio dizendo estar convicto de que os ministros do STF não se deixarão abalar por possíveis constrangimentos sofridos ou que venham a sofrer e que todos os ministros “continuarão a desempenhar com destemor, independência e imparcialidade a solene atribuição de guardar a Constituição da República que juraram defender”.

“Para reforçar a certeza de que a lei penal será efetivamente cumprida, foram enviados ofícios ao procurador-geral da República, ao ministro da Justiça, ao advogado-geral da União e ao diretor-geral da Polícia Federal para o competente acompanhamento dos malfadados acontecimentos”, conclui a nota.