O globo, n. 30.185, 29/03/2016. País, p. 8

Crise e paralisia do governo adiam leilão de portos

Ministro da área é um dos peemedebistas que devem desembarcar hoje; diretoria da Antaq também está vaga

Por: DANILO FARIELLO

 

- BRASÍLIA- Em meio à crise política que paralisa a gestão, o governo federal decidiu ontem adiar em cerca de 30 dias o leilão de seis áreas portuárias no Pará, que ocorreria nesta quinta- feira e levará a investimentos de R$ 1,6 bilhão. Hélder Barbalho, da Secretaria Especial dos Portos, é um dos ministros do PMDB que devem desembarcar do governo hoje. A diretoria geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários ( Antaq), responsável pelo leilão, também está vaga e é ocupada por um substituto desde o mês passado.

Oficialmente, a Antaq informou ontem que o leilão foi adiado “em razão da ausência de resposta de 48 pedidos de esclarecimentos ocasionados por problemas no sistema de informática da Antaq”. Segundo a agência, houve um total de 49 dúvidas, das quais apenas uma teria sido respondida, portanto.

Segundo Fernando Fonseca, diretor- geral substituto da Antaq, o problema técnico foi detectado na quinta- feira passada, e, por conta do feriado, a decisão de adiamento do leilão foi tomada na manhã de ontem, colegiadamente, entre ele e o colega Adalberto Tokarski, outro diretor da agência.

 

FALTA LIDERANÇA NA INFRAESTRUTURA

Essa decisão de revisão do cronograma foi tomada antes do fim do horário para registro de documentos na Bolsa, às 13h, segundo Fonseca. No entanto, ele reconhece que a decisão só foi anunciada depois do prazo para apresentação das propostas de interessados no leilão na BM& FBovespa. Na prática, portanto, o governo só tornou efetiva a decisão depois de registrada a demanda, com os investidores certos de que o leilão ocorreria.

— Se mantivéssemos o leilão, haveria vícios de nulidade pela falta das respostas, e os investidores poderiam pedir a anulação do edital posteriormente — disse Fonseca ao GLOBO, que disse esperar a realização efetiva do leilão daqui a 30 dias.

O governo vê esse leilão de portos como um termômetro do interesse da iniciativa privada por investimentos em infraestrutura em meio às crises econômica e política. No leilão anterior, no início do ano, o governo teve de retirar justamente uma área no Pará, estado do ministro Barbalho, por falta de interesse de investidores.

— Nós poderíamos até ter eventualmente ignorado esses 48 pedidos, mas a gente achou por bem que fossem devidamente respondidos — disse Fonseca.

Além da situação incerta do ministro dos Portos e da falta de um diretor- geral na Antaq, que ainda tem de ser indicado pelo governo e aprovado pelo Senado, a falta de lideranças no setor de infraestrutura no governo se caracteriza também pela ausência de um ministro- chefe da Casa Civil, desde que o ex- presidente Lula foi impedido de assumir o cargo pela Justiça.

Lula quis trazer para a responsabilidade da Casa Civil o Programa de Aceleração do Crescimento ( PAC), que toca também as concessões de infraestrutura, como essa de portos. Por enquanto, porém, a Secretaria do PAC permanece nas dependências do Ministério do Planejamento, ao qual estava oficialmente vinculada até o dia 17 de março, data em que se pretendia empossar Lula na Casa Civil. Naquele dia, assumiu a Secretaria de Aviação Civil ( SAC) o ministro Mauro Lopes, também do PMDB, para promover quatro leilões de aeroportos, de Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis. No setor elétrico, cujo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, também é indicado pelo PMDB, o governo pretendia privatizar neste mês de março a Celg, distribuidora de energia de Goiás, mas agora a previsão atual é abril.

Órgãos relacionados:

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Cerimônia do adeus

 

A ruptura ocorre em condições agravadas por uma sequência de ofensivas desastrosas do PT, combinadas entre Dilma e Lula, para neutralizar uma parceria (com o PMDB)

jose. casado@ oglobo. com. br

 

Prevê- se para hoje, em Brasília, uma cena inédita no enredo político brasileiro dos últimos 30 anos : a cerimônia do adeus do PMDB a um governo. Se confirmada, será uma despedida na cadência do processo de impeachment de Dilma Rousseff e na perspectiva de uma dura disputa na eleição municipal de outubro.

Assentado numa singular estrutura de núcleos de poder regionais, o PMDB depende mais que outros partidos do desempenho eleitoral do conjunto de seus 3,4 mil diretórios municipais. Em 2012, por exemplo, elegeu 996 prefeitos e indicou o vice em outras 840 chapas vitoriosas. Essa azeitada máquina eleitoral permitiu- lhe emergir das urnas em 2014 com uma bancada de 142 deputados estaduais, 67 federais ( 13% da Câmara) e 17 senadores ( 24% do plenário).

Com veias abertas em dois terços das zonas eleitorais do país, e tendo optado por não ter candidato presidencial nas últimas três décadas, transformou- se no sócio desejado por todos os governantes do período pós- ditadura. Empenhou-se numa sociedade com o PT de Lula. Amplioua com Dilma que abraçou Michel Temer na vice- presidência, complementando com a partilha dos orçamentos de 22% dos ministérios entre diferentes grupos do partido.

A ruptura ocorre em condições agravadas por uma sequência de ofensivas desastrosas do PT, combinadas entre Dilma e Lula, para neutralizar uma parceria que sempre foi percebida como indesejável pelos efeitos no controle do caixa federal. Foi Lula quem deu essa dimensão à fatura, ainda em 2002.

Logo depois de sair das urnas com 61,5% dos votos, no início de novembro, viu seu “capitão” José Dirceu anunciar acordo com o PMDB para o ministério. Desmentiu- o em público, horas depois. Qualificou como “exageradas” as exigências dos aliados de José Sarney, Michel Temer e Renan Calheiros. Optou por 13 ministros do PT, entregou 7 ministérios a outros partidos e deixou o PMDB à margem, sem nenhum, limitando-se a acertar um rodízio no comando da Câmara e do Senado.

Refez o entendimento na crise do mensalão e selou o pacto na sucessão. Desde a campanha de 2010, porém, é evidente que Dilma e Temer convivem, se toleram e, eventualmente, compartilham tapetes e ar refrigerado. Nunca foram amigos, mas no governo se tornaram inimigos íntimos.

A cacofonia no Palácio do Planalto virou discórdia com os sistemáticos vetos da presidente às propostas emuladas pelo vice que, ao seus olhos, redundariam em benefícios pecuniários a uma fração do PMDB, na contramão dos interesses do PT.

Foi o caso das negociações palacianas a respeito da conversão dos créditos “podres” contabilizados no caixa de instituições financeiras sob intervenção do Banco Central. As narrativas derivam no seguinte: a presidente vetou um negócio com potencial de impacto bilionário para os cofres públicos, supostamente defendido pelo vice, no qual os principais beneficiários seriam os banqueiros habituais patrocinadores do deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara.

Renegado, Temer viu- se no espelho como um “vice decorativo”. A desconstrução da sociedade PMDB- PT ocorre num ambiente marcado pelos efeitos da recessão econômica e pelo abrupto aumento na rejeição a Dilma e Lula: dois em cada três eleitores classificam o governo entre "ruim" e "péssimo", segundo Ibope e Datafolha. E 60% avisam que não votariam em Lula "de jeito nenhum" para presidente da República.

Isso tem peso específico às vésperas de uma disputa municipal que se antevê complicada. O Ibope, em outra pesquisa, revela que 40% dos eleitores, na média, consideram “ruim” ou “péssima” a administração do prefeito de sua cidade, declarando disposição para votar num candidato de oposição. E mais: a maioria ( 54%) sinaliza vontade de premiar com o voto candidatos sem biografia partidária. Nesse quadro, Dilma, Lula e o PT passaram a ser vistos como excesso de peso.

O desembarque do governo também atende às conveniências dos líderes desse um partido que há duas décadas não tem candidato presidencial e continua sem nome para 2018. Abraçados à oposição, eles vislumbram a chance de chegar ao centro do poder numa travessia sem o voto direto — o impeachment de Dilma levaria Temer ao Planalto. Significa mudar para continuar como está.

Se vai dar certo, não sabem, pois sua sorte, assim como a de Dilma, depende do imponderável em outra arena, a do Judiciário.

Uma sentença da Justiça Eleitoral pode redundar na cassação de Dilma e Temer, por abuso de poder econômico na eleição de 2014. Levaria a novas eleições.

Há, também, a série de inquéritos sobre corrupção na Petrobras e outras estatais. Entre 12 parlamentares do PMDB denunciados no Supremo, seis integram a direção nacional que hoje vai presidir a cerimônia do adeus ao PT de Lula e Dilma.

Além desses, estão sob investigação os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, do Senado, Renan Calheiros, e ainda o senador Edison Lobão — a quem Lula e Dilma entregaram o comando do Ministério das Minas e Energia durante sete anos.

Lobão tomou conta de um polêmico portfólio de despesas da Eletrobrás, que inclui gastos suspeitos na usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.

 

 

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