Por: THIAGO SOARES e ED ALVES
THIAGO SOARES
ED ALVES
No lugar de brincadeiras e risos, o que se tem são o lixo e o olhar cansado. Os 200 hectares ocupados pelo Aterro Controlado do Jóquei, conhecido como Lixão da Estrutural, além de representarem um risco à saúde pública e ao meio ambiente, guardam o trabalho infantil. Tudo isso a menos de 15km do Congresso Nacional. Em uma visita ao local, a equipe do Correio flagrou crianças trabalhando como catadoras. O perigo mata adultos: no ano passado, pelo menos duas pessoas acabaram atropeladas por máquinas lá.
O espaço deveria ter sido desativado em agosto de 2014, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), mas ainda passam por lá cerca de 600 pessoas por dia (leia O que diz a lei). A cada caminhão descarregado, os catadores buscam itens para reciclagem num modo de garantir o sustento. O ambiente é de muito lixo e mau cheiro. O gás emitido pela decomposição no solo incomoda, mas quem lida diariamente já se acostumou. Nenhuma criança deveria estar no local; entretanto, muitas delas fazem o papel de adulto e se arriscam nas montanhas de entulhos. A reportagem flagrou pelo menos quatro garotos, entre 11 e 14 anos. Catadores contam que é comum ver alguns por ali, mas que antigamente a presença era maior. “Alguns vêm com os pais; outros aparecem sozinhos mesmo”, conta um, que não quis se identificar.
Assim, como os adultos, ao verem a presença de uma câmera fotográfica, os pequenos ficam arredios. Um deles, ao perceber a presença da equipe, vira de costas e vai embora. Depois, retorna ao trabalho — duro mesmo para os adultos. Luíza Cunha, 56 anos, viu o marido ter que deixar o trabalho no local por motivos de saúde. Há 20 anos, ela veio para Brasília fugindo da miséria proporcionada pela seca no município de Cristalândia (PI). Desde então, Luíza tira o sustento do Lixão da Estrutural. Os seis filhos foram criados com o suor a partir do entulho. “Esse gás acaba com a saúde da gente. Aqui é muito perigoso, já vi uma pessoa morrer atropelada. Mas, infelizmente, não tem jeito. Se não fosse o lixão, não teria como sobreviver nessa cidade”, aponta Luíza.
Grupo de trabalho
O governo afirma que existe a fiscalização, porém confessa não ter nenhum projeto efetivo para evitar esse tipo de situação. O Executivo montou um grupo de trabalho para atuar na transição do lixão até o início das atividades em Samambaia. O GT é integrado por 15 órgãos.
Quem responde pela presença de crianças na Estrutural é a Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Igualdade Racial e Direitos Humanos. A assessoria de imprensa do órgão informou que presta diversos serviços assistenciais para qualquer pessoa interessada, mas confessou não desenvolver nenhum projeto na região. Quem mantém o monitoramento para impossibilitar o trabalho infantil no local é o Serviço de Limpeza Urbana (veja na matéria ao lado).
Espalhados pelo Brasil
Segundo estudo realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e divulgado pelo Tribunal Superior do Trabalho, existem crianças e adolescentes em lixões em cerca de 3.500 municípios brasileiros. Quase metade deles, 49%, está na Região Nordeste; 18% na Região Sudeste; e 14% na Região Norte. A Região Centro-Oeste é a que tem menos crianças em lixões, com 7% do total, seguida da Região Sul, com 12%.
O que diz a Lei?
Sancionada em 2 de agosto de 2010, a Lei Federal nº 12.305, conhecida como Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), determinava ações como a extinção dos lixões do país e a substituição por aterros sanitários, além da implantação da reciclagem, reutilização, compostagem, tratamento do lixo e coleta seletiva em todo o país. A lei dava prazo de quatro anos para que as cidades se adequassem à PNRS, ou seja, deveriam estar em prática já em 2014. Mas, em julho do ano passado, uma emenda prorrogou os prazos entre 2018 e 2021, de acordo com município. No caso específico do Distrito Federal, a data limite para acabar com o Lixão da Estrutural é 31 de julho de 2018. Ela se encaixa no prazo dado a capitais e municípios de região metropolitana.
Já no Estatuto da Criança e do Adolescente, o artigo quinto diz: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. Depois, todo o capítulo 5º fala especificamente sobre o trabalho infantojuvenil e determina: “É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz”. Também aponta que nenhum adolescente pode realizar trabalho noturno, “perigoso, insalubre ou penoso” e “realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social.”