O globo, n. 30.185, 29/03/2016. País, p. 10

Nepotismo se propaga no governo do Distrito Federal

Há confirmação de pelo menos 75 parentes empregados no governo, mas número pode ser ainda maior

Por: André de Souza / Renan Xavier

 

- BRASÍLIA- O governo do Distrito Federal ( GDF) emprega, em cargos comissionados, ao menos 75 pessoas que têm algum tipo de parentesco com outros servidores. Há casos de parentes empregados em pelo menos cinco pastas diferentes do governo: são pais, filhos, irmãos e cônjuges que, pelas regras que vedam a prática do nepotismo, não poderiam trabalhar no executivo distrital. O número, no entanto, pode ser ainda maior. Esses são casos que o GLOBO conseguiu confirmar a partir de um levantamento que a Controladoria-Geral do DF elaborou em 2015 e entregou à Casa Civil do governo local, onde estavam listados 377 possíveis casos de comissionados com parentes empregados.

Ao longo do ano passado, um grupo de 66 servidores chegou a ser exonerado por um decreto do governador Rodrigo Rollemberg, publicado no Diário Oficial do Distrito Federal em 14 de agosto, mas alguns voltaram. Há relação de parentesco foi confirmada por meio de fontes como o Diário Oficial, o Portal da Transparência e o Diário de Justiça ( onde é possível ver registros de matrimônios). Depois de confrontado com os casos, o GDF exonerou seis servidores comissionados.

Entre eles, estava Mateus Maia de Castro, admitido na Secretaria de Trabalho em 3 de fevereiro de 2015. Ele é filho de Eric Seba, diretor- geral da Polícia Civil do Distrito Federal ( PCDF). A reportagem procurou a secretaria no dia 8 de março e, em resposta, a pasta informou que ele tinha pedido exoneração um dia antes. Já a assessoria da Polícia Civil afirmou que Mateus já havia pedido para sair do governo em fevereiro. A exoneração, de fato, ocorreu em 15 de março.

 

FILHA DO CORREGEDOR NA LISTA

Esse não é o único caso que envolve a cúpula da Polícia Civel do DF. Luana Barroso Lins, assessora jurídico- legislativa da Secretaria de Justiça e Cidadania, é filha do corregedorgeral da corporação, o delegado Emilson Pereira Lins. De acordo com a Polícia Civil, nos dois casos não houve nepotismo, uma vez que, no momento da nomeação, Mateus e Luana assinaram um termo em que declaravam ter parentes na administração direta. A Secretaria de Justiça informou que está avaliando se a situação de Luana é de fato nepotismo e que tomará as medidas necessárias, caso isso se confirme.

Os irmãos Itamar da Silva Lima e Wilson da Silva Lima também são outro caso de nepotismo: são irmãos do senador Hélio José ( PMB- DF). O parlamentar assumiu o mandato em 2015, após a saída de Rollemberg do Senado. Como não faz parte dos quadros do governo local, o nome de Hélio José não chegou a ser incluído no levantamento da Controladoria- Geral. Em nota, a assessoria do parlamentar informou que ele não tem ligação com os cargos dos irmãos e que “nunca fez ou fará uso e influência para a prática e nepotismo”.

Comissionado, Itamar é um dos nove subsecretários de Economia e Desenvolvimento Sustentável, posto também ocupado por Karina Rosso, mulher do deputado federal Rogério Rosso ( PSD- DF). O parlamentar, que preside a comissão da Câmara que analisa o pedido de impeachment da presidente Dilma, apoiou a candidatura de Rollemberg a governador, em 2014. Enquanto a mulher é acolhida no GDF, o deputado emprega, como secretário parlamentar, Napoleão José Guimarães de Miranda, pai de Arthur Bernardes de Miranda, também filiado ao PSD e secretário da pasta onde a mulher de Rosso atua como subsecretária de Micro e Pequena Empresa e Empreendedor Individual. Como Rosso não faz parte do executivo local, o caso não está incluído no levantamento da Controladoria- Geral.

Juristas ouvidos pelo GLOBO entendem que situações como essa, mesmo em esferas de poder diferentes — federal e local —, também são proibidas. É a opinião, por exemplo, do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal ( STF). Ele falou em tese, e não especificamente sobre o caso envolvendo Rosso.

— O verbete da súmula número 13 ( do STF, que proibiu o nepotismo) apanha todas as situações, inclusive a cruzada, considerados poderes ou entidades de esferas distintas. O fato de ter um na esfera federal e outra na estadual não interfere — disse Marco Aurélio.

Em nota, o PSD no Distrito Federal informou que não houve qualquer tipo de influência na indicação de Karina e Napoleão, uma vez que ambos têm “larga experiência” na área para as quais foram nomeados. Quanto a Napoleão, disse que ele já ocupava cargo na Câmara antes de Rosso ser eleito, tendo sido chefe de gabinete do ex- deputado e ex- governador de Pernambuco Roberto Magalhães.

Um parecer da Procuradoria-Geral do DF, elaborado no ano passado a pedido da Controladoria, já avisava ao governo que a súmula vinculante 13 do STF impede a nomeação de filho, pai, mãe, cônjuge, companheiro e outros parentes até terceiro grau, para cargos em comissão ou funções gratificadas. Ou seja, é possível que haja muito mais casos de nepotismo, já que o levantamento só levou em conta pais, mães, irmãos e cônjuges. A própria Procuradoria- Geral não segue seu parecer à risca: tem cinco possíveis casos de comissionados com parentes no governo, sendo que uma servidora trabalha com a irmã no mesmo órgão. Dois desses casos foram confirmados pelo GLOBO.

 

INTERPRETAÇÕES DIFERENTES

Segundo René Rocha Filho, consultor jurídico do GDF, há possibilidade de parentes serem admitidos quando, um está na administração direta e outro na indireta — dos 75 nomes com algum parentesco, 16 se enquadram nessa hipótese. Juristas ouvidos pelo GLOBO, no entanto, discordam e dizem que a súmula do STF é abrangente e também inclui esses casos. René criticou ainda o próprio sistema de gestão de recursos humanos do governo, dizendo que não é totalmente confiável.

Procurada, a assessoria de Rollemberg informou que ele não comentaria o caso. A Controladoria-Geral do DF informou por nota que os dados seriam encaminhados à Subcontroladoria de Correição Administrativa para checar se há processos instaurados em relação aos casos de nepotismo identificados. “Caso sejam verificadas nos levantamentos possíveis situações de nepotismo ainda não sendo apuradas, serão instaurados os devidos processos por parte daquela Subcontroladoria”, informou o órgão.

* Estagiário sob supervisão de Francisco Leali.

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