O globo, n. 30.169, 13/03/2016. País, p. 5

Sofisticação da operação obriga advogados a mudarem estratégias

Anular provas é cada vez mais difícil, e defesa tem que vencer no mérito

Por: GUILHERME AMADO

 

-BRASÍLIA- Castelo de Areia, Satiagraha e Banestado são passado. Em dois anos, a Lava-Jato pôs fim à era das operações anuladas em tribunais superiores, impôs um ritmo inédito à Justiça brasileira e virou de cabeça para baixo a realidade dos escritórios de advocacia penal. Sob forte demanda e com honorários na casa dos milhões, bancas de grande e médio porte tiveram que sofisticar os argumentos de defesa e incrementar os recursos à disposição dos clientes para fazer frente à operação.

Até hoje, decisões do juiz Sérgio Moro, à frente dos processos da Lava-Jato na primeira instância, têm ganhado de lavada nos tribunais superiores: até meados de janeiro, apenas 3,8% de suas decisões foram revistas. Nenhuma delação até agora foi anulada. Procuradores e policiais estão mais cuidadosos. O uso indevido de provas enviadas pela Suíça contra a Odebrecht, por exemplo, poderia ter provocado nulidade. Ao perceber a possibilidade, a Procuradoria-Geral da República recuou e pediu ao STJ uma consulta àquele país sobre como usar o material.

ATENÇÃO ÀS ILEGALIDADES

Embora tenham reclamado da Lava-Jato, até com uma carta aberta divulgada em janeiro, os próprios advogados admitem que a maior dureza do STJ e do STF tem a ver com a crescente sofisticação de juízes de primeira instância e de procuradores da área criminal.

— A Lava-Jato dificilmente será inteiramente anulada. Pode haver anulação numa parte ou noutra, numa delação, mas não em tudo — admite Antonio Carlos Castro, o Kakay, advogado com mais clientes na Lava-Jato e que tem no currículo a anulação da Satiagraha.

Se, no passado, a anulação de provas era uma arma poderosa de defesa, advogados cada vez mais têm que vencer no mérito, ou seja, convencer os tribunais de que não há elementos para a condenação. Com oito clientes na Lava-Jato, Pierpaolo Bottini faz coro:

— As autoridades passaram a ser mais cuidadosas com potenciais ilegalidades.

As mudanças colocaram em xeque o advogado que prometia um habeas corpus ou a nulidade de uma ação em tribunais superiores apenas em decorrência de suas boas relações em Brasília. Hoje, isso é vender terreno na Lua. Embora a delação premiada de Delcídio Amaral possa ter contribuído, quem o soltou, com um recurso apresentado ao ministro do STF Teori Zavascki, foi Luís Henrique Machado, advogado de 34 anos.

— Cada vez mais os ministros têm se declarado impedidos de julgar habeas corpus impetrados por advogados amigos, para limitar conflitos de interesses — explica Davi Evangelista, sócio do escritório que atende ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Luís Henrique e Davi fazem parte de uma nova geração da advocacia, que emerge graças à Lava-Jato. Advogados de 30 a 40 anos que não se importam com jornadas de trabalho de até 20 horas. Com dez clientes na operação, Rodrigo Mudrovitsch viaja a quatro estados por semana. Seu escritório, com 25 advogados, cresceu 30% no último ano:

— Contratamos mais pessoal para dar conta da capilaridade que o novo momento exige. Hoje, um delegado em Curitiba pede um depoimento em Manaus e isso ocorre no dia seguinte. Preciso ter um advogado para ir lá.

A tecnologia é aliada dessa nova geração. Os 11 advogados envolvidos na defesa de Cunha e família se comunicam por meio do aplicativo WhatsApp. Cunha sempre dá palpites.

Recursos tecnológicos também têm ajudado a fortalecer a defesa. Escritórios envolvidos na Lava-Jato têm recorrido a especialistas, como contadores, peritos de informática, analistas de sigilo telefônico, firmas de investigação particulares e de levantamento patrimonial.

Nabor Bulhões, coordenador da defesa da Odebrecht, terceiriza o serviço de análise de informação de alguns de seus clientes para firmas especializadas em organizar dados em gráficos de fácil visualização, para o uso em tribunais. Esse tipo de trabalho é acionado até por empresas que ainda não estão na operação, mas sabem que serão arroladas em breve.

— Analiso 300 mil telefonemas e consigo dizer que o cliente conversou com A, B ou C em X ocasiões. Esse tipo de análise dá argumento à defesa — explica Marcelo Stopanovski, dono de uma dessas empresas e doutor em Ciência da Informação pela UnB.

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Delcídio liga Temer a operador preso na Lava-Jato

Senador também associa políticos do PMDB a propina na ANS e na Anvisa
 

- BRASÍLIA E SÃO PAULO- O senador Delcídio Amaral (PT-MS) disse na proposta de colaboração premiada que o vice-presidente Michel Temer foi o “padrinho” da nomeação de João Augusto Henriques para a BR Distribuidora durante o governo Fernando Henrique. De acordo com o senador, Henriques teria participado de um “esquema de compra ilícita de etanol”. A informação foi publicada pela revista “IstoÉ”.

Henriques foi preso pela Operação Lava-Jato, sob a acusação de ser um dos operadores de propina ligados ao PMDB. Ele trabalhou na Petrobras por 22 anos e deixou a estatal em 1999. Delcídio, que não entrou em detalhes sobre o esquema, diz que a irregularidade teria ocorrido entre 1997 e 2001.

O senador também afirmou que Temer teria atuado para emplacar Henriques em substituição a Nestor Cerveró para a Diretoria Internacional da Petrobras, mas teria sido vetado por Dilma Rousseff.

O senador também afirma ter sido testemunha da ação de senadores do PMDB como Renan Calheiros ( AL), Romero Jucá (RR), Edison Lobão (MA), Jader Barbalho (PA), Eunício Oliveira (CE) e Valdir Raupp (RO) “para emplacar os principais dirigentes” da Agência Nacional de Saúde (ANS) e da Anvisa. Segundo ele, “com a decadência dos empreiteiros, as empresas de planos de saúde e laboratórios tornaram-se os principais alvos de propinas para políticos e executivos do governo”.

De acordo com Delcídio, os senadores exerciam amplo arco de influência no governo, que incluía órgãos como o Ministério de Minas e Energia, Eletrosul, Eletronorte, diretorias de Abastecimento e Internacional da Petrobras, além das usinas de Jirau e Belo Monte.

Segundo Delcídio, empresas de Eunício Oliveira “prestavam e ainda prestam serviços terceirizados à Petrobras e a vários ministérios, através de contratos milionários”.

Na delação divulgada pela “IstoÉ”, Delcídio disse ainda que, na época em que era presidente da Comissão Parlamentar Mista de Investigação (CPMI) dos Correios, que investigou o mensalão, permitiu ao Banco Rural que tivesse mais prazo para apresentar dados referentes a uma quebra de sigilo bancário da instituição.

O objetivo, segundo o senador, era permitir ao banco “maquiar” demonstrativos internos para, assim, evitar que o escândalo atingisse o governo de Minas Gerais, comandado por Aécio Neves (PSDB) entre 2003 e 2010. Delcídio também voltou a mencionar que Aécio tinha interesse na permanência de Dimas Toledo na diretoria de Furnas.

 

NOME DE DILMA EM BILHETE

Em outra reportagem, a “IstoÉ” diz que no novo livro de Romeu Tuma Jr, que será lançado esta semana, está reproduzido um manuscrito do doleiro Alberto Youssef em que aparece o nome da presidente Dilma próximo a valores. O bilhete foi levado à PF pela contadora do doleiro, Meire Poza, em abril de 2014.

Peemedebistas citados na delação de Delcídio negaram as acusações do petista. Em nota, a assessoria de Temer afirmou que o vice não é próximo de João Henriques. “Não tem qualquer relação de proximidade com João Augusto Henriques. Nunca autorizou a utilização de seu nome em qualquer relação com esse senhor”, diz o texto.

Jucá afirmou, em nota, não ter conhecimento do teor da acusação e que sua posição de oposição ao governo é conhecida. Eunício Oliveira afirmou ser de conhecimento público que apoiou um nome para a Anvisa, mas disse que indicou uma pessoa séria. Valdir Raupp disse que ficou estarrecido e surpreso com as acusações.

A assessoria de Aécio afirmou que “em relação a Furnas, tratase de uma requentada tentativa de envolver sem qualquer comprovação diversos políticos da oposição”. Com relação à CPI dos Correios, disse que sequer estava no Congresso e jamais manteve contato com Delcídio para tratar desse ou de qualquer outro tema. “A matéria publicada pela revista ‘IstoÉ’ traz citações ao nome do senador de forma indireta. Não há sequer uma acusação formulada”, diz o texto.

Senadores relacionados:

  • Aécio Neves
  • Delcídio do Amaral
  • Edison Lobão
  • Eunício Oliveira
  • Jader Barbalho
  • Renan Calheiros
  • Romero Jucá
  • Valdir Raupp

Órgãos relacionados:

  • Congresso Nacional