Correio braziliense, n. 19296, 25/03/2016. Política, p. 2

Mais sigilo na Lava-Jato

CRISE NA REPÚBLICA / Mudança ocorre depois de o relator da Lava-Jato no STF, Teori Zavaski, ter chamado de “descabida” a decisão do juiz de tornar públicas as escutas telefônicas do ex-presidente Lula, envolvendo Dilma e ministros
Por: EDUARDO MILITÃO

EDUARDO MILITÃO

 

O juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, estendeu o sigilo do processo da Operação Acarajé para a Operação Xepa ontem. De acordo com sua assessoria, não houve sequer despacho do magistrado que julga a Operação Lava-Jato no Paraná, porque os dois casos são “conexos”. A Acarajé, a 23ª fase da investigação, apurou pagamentos da empreiteira Odebrecht e de um lobista para o marqueiteiro João Santana. A Xepa, a 26ª fase, aprofunda o trabalho, ao analisar um setor da construtora especializado em repassar dinheiro vivo, por meio de doleiros, para uma série de beneficiários.

Na quarta-feira, Moro determinou o sigilo da Acarajé depois que foi surpreendido com documentos trazidos ao processo pela Polícia Federal mencionando políticos com foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF). Moro, então, determinou que todo o processo ficasse em sigilo. Pediu, ainda, que o Ministério Público fizesse um parecer para remeter ou não toda a papelada para o STF. Ontem, o juiz tomou a mesma atitude em relação à Operação Xepa. Segundo interlocutores do magistrado, foi uma medida de cautela.

Na Acarajé, os policiais anexaram documentos apreendidos nos endereços do presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa Júnior. Entre as centenas de papéis, estava um conjunto de planilhas com nomes de parlamentares e candidatos a prefeito, ligados a codinomes e valores para pagamento.

As duas decisões de Sérgio Moro baixando sigilo ocorreram horas depois de o relator da Lava-Jato no STF, Teori Zavaski, ter chamado de “descabida” a decisão do juiz de retirar o sigilo do processo de escutas telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nos grampos, em que o petista é suspeito de obstruir as apurações da Lava-Jato, Lula conversa com autoridades com foro privilegiado, como a presidente Dilma Rousseff, ministros e senadores. Militantes antigoverno e anti-PT protestaram em frente à casa de Teori depois de sua decisão e tentaram intimidar o ministro do Supremo.

Ontem, as associações de magistrados (AMB), de juízes federais (Ajufe) e do trabalho (Anamatra) repudiaram os atos, considerados “graves ameaças e intimidações”. “A construção de uma sociedade livre, justa e solidária exige um Poder Judiciário forte e independente”, disse o presidente da Ajufe, Antônio César Bochnek, em nota. “Uma Justiça sem temor é direito de todo cidadão brasileiro e a essência do Estado Democrático de Direito, motivo pelo qual, da mesma forma que defendemos a independência do juiz federal Sérgio Moro, também nos posicionamos pela defesa da independência do ministro Teori Zavascki.” Ele disse ao Correio que essa característica não pode ser perdida. “Vai virar vale-tudo? Aí, não dá”, explicou Bochenek, ontem à noite.

Em nota, a AMB e a Anamatra pediram à sociedade brasileira a “necessária serenidade, propugnando pela maturidade política e absoluto zelo pelas garantias democráticas”. “Mostra-se inaceitável que as decisões do Poder Judiciário, de quaisquer de seus magistrados e, mais especificamente, do ministro Teori Zavascki, (…) sejam questionadas por meio de ameaças diretas ou veladas e constrangimentos físicos ou morais, tais como as praticadas contra o próprio ministro e familiares, em seus endereços residenciais.”