Correio braziliense, n. 19293, 22/03/2016. Política, p. 2

ENCRUZILHADA JURÍDICA

CRISE NA REPÚBLICA » Governo tenta derrubar liminar que impede a posse de Lula na Casa Civil e interromper a divulgação de grampos envolvendo a presidente Dilma Rousseff, mas Supremo só deve tomar uma decisão na semana que vem
Por: NÍVEA RIBEIRO

NÍVEA RIBEIRO

Especial para o Correio

 

A posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Casa Civil segue a toada para se tornar uma das maiores disputas jurídicas da atualidade, com múltiplas ações contra e a favor à ida dele para a Esplanada. Ontem, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com mandado de segurança contra a decisão do ministro Gilmar Mendes e também uma reclamação pelo fim da divulgação das gravações de diálogos pelo juiz Sérgio Moro. O mandado foi distribuído para o ministro Luiz Fux e a reclamação, para o ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato no STF.

Com o Judiciário de recesso, o desfecho acerca da indefinição da posse do ex-presidente Lula na Casa Civil deve esperar ainda mais. A próxima sessão do plenário ocorrerá em 30 de março. Entretanto, é necessário que os processos sejam pautados pelos relatores, liberados para a pauta e respeitem prazo de cinco dias úteis de antecedência — é raro que ministros derrubem monocraticamente a decisão de um colega. No momento, há 21 ações no Supremo Tribunal Federal relacionadas à posse de Lula na Esplanada.

O ministro Gilmar Mendes, na sexta-feira passada, deferiu liminar que suspendeu a posse de Lula na Casa Civil e transferiu o processo de volta para o juiz Sérgio Moro, no Paraná. A decisão foi motivada por dois mandados de segurança, do PSDB e do PPS. Eles alegam que a nomeação de Lula se configura como desvio de finalidade, já que o ex-presidente teria assumido o ministério como forma de obter foro privilegiado e não se submeter à primeira instância em Curitiba.

“Na verdade, nós temos uma clara discordância com a decisão tomada pelo ministro Gilmar Mendes no mandado de segurança que suspendeu a nomeação do presidente Lula em uma decisão liminar. E essa discordância pode ser objeto de várias iniciativas”, afirmou José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, listando uma medida cautelar incidental entregue no fim de semana a Teori Zavascki, o mandado de segurança e a reclamação.

A divulgação dos áudios, segundo Cardozo, caracterizou-se como uma “usurpação de competência” do Supremo e a nomeação do ex-presidente não tem por objetivo o foro privilegiado. “Tomar a decisão de divulgar o conteúdo de conversas envolvendo a presidente da República coloca em risco a soberania nacional, em ofensa ao Estado democrático republicano. A interceptação é medida extrema que ofende direitos e garantias constitucionais, como a privacidade. Assim, ofende gravemente a ordem jurídico-constitucional divulgar o que não tem a ver com a interceptação ou a investigação”, diz a ação.

 

Habeas corpus

A ministra Rosa Weber é a relatora do habeas corpus da defesa do ex-presidente Lula contra a decisão de Gilmar Mendes. Edson Fachin havia sido definido relator da ação na manhã de ontem, mas se declarou suspeito para julgar o processo por ser amigo de uma das partes. Fachin justificou a decisão por meio de artigo do Código de Processo Civil que define que há suspeição do juiz quando ele é “amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados”.

Além de três advogados da defesa de Lula, seis juristas assinam o pedido protocolado no domingo: Celso Antônio Bandeira de Mello, Weida Zancaner, Fabio Konder Comparato, Pedro Serrano, Rafael Valim e Juarez Cirino dos Santos. A ação também questiona parte da decisão de Gilmar Mendes: a defesa solicita que seja anulado o trecho que define o retorno do processo à Justiça do Paraná e que o ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato no STF, seja o responsável pelo caso.

Mais cedo, ele negou pedido de habeas corpus preventivo para o ex-presidente Lula. O advogado Samuel José da Silva, que não integra núcleo de defesa do petista, havia entrado com a medida no sábado, 19. Fachin negou o pedido com a justificativa de que não cabe a derrubada de decisão de ministro do STF por meio de habeas corpus. O entendimento está expresso em súmula editada em 1984.

 

Frase

“Tomar a decisão de divulgar o conteúdo de conversas envolvendo a presidente da República coloca em risco a soberania nacional, em ofensa ao Estado democrático republicano. A interceptação é medida extrema que ofende direitos e garantias constitucionais, como a privacidade”

Trecho de reclamação protocolada pela Advocacia-Geral da União