Correio braziliense, n. 19292, 21/03/2016. Cidades, p. 17

Quase R$ 34 milhões de prejuízos com "gatos"

URBANISMO » Ocupação irregular do solo movimenta mais do que a venda de terrenos por grileiros. Em lugares aonde o poder público não chega, as ligações clandestinas implicam custos para empresas estatais do DF e afetam os moradores de setores legalizados
Por: FLÁVIA MAIA E BRUNO LIMA

FLÁVIA MAIA

BRUNO LIMA

ESPECIAL PARA O CORREIO

 

A ocupação desordenada do solo no Distrito Federal desenhou um mapa urbano de irregularidades. Segundo dados da Companhia de Planejamento (Codeplan), são 24,5% domicílios localizados em áreas não regularizadas. Sem a escritura em mãos e sem a promessa de legalização futura, as estatais não podem fornecer serviços como água e luz. Entre as empresas privadas, não há restrição legal; entretanto, a companhia corre o risco de ofertar infraestrutura e depois perdê-la em uma derrubada. O resultado da falta de estrutura é a proliferação de ligações clandestinas, conhecidas como “gatos”, e a dependência de um líder ou uma associação que organize a distribuição e faça a cobrança dos serviços.

O prejuízo às estatais do DF com as ligações clandestinas soma R$ 33,88 milhões anuais. De acordo com estimativas da Companhia Energética de Brasília (CEB), são R$ 16 milhões por ano a menos nos cofres da empresa. Em relação à água, de cada litro distribuído outro é furtado. Por ano, a Companhia de Saneamento do Distrito Federal (Caesb) perde 6,04 bilhões de litros de água, quantia suficiente para abastecer toda a região de São Sebastião, que abriga 98 mil pessoas. Informações da CEB apontam 40 mil ligações clandestinas, e da Caesb, 28 mil.

O levantamento das empresas mostra que as áreas com maior ocorrência de ligações clandestinas são as de ocupação irregular. No furto de água, as regiões mais críticas são as de Sobradinho, São Sebastião, do Gama, Paranoá e de Ceilândia. Já os “gatos” de luz estão mais presentes no Sol Nascente e Pôr do Sol (ambos em Ceilândia), Morro da Cruz (São Sebastião) e Núcleo Rural 26 de Setembro (Taguatinga). “A água roubada entra na planilha da empresa como custo e quem paga são os cidadãos. Quando alguém desvia a água, ele não está lesando a Caesb, mas toda a comunidade que paga pelo serviço. É um crime contra a sociedade”, afirma Marcelo Teixeira, assessor de Planejamento, Regulação e Modernização Empresarial da Caesb.

Marcelo conta o exemplo da região do Morro da Cruz. No bairro de São Sebastião, há uma parte alta que é regular, com abastecimento de água. Porém, existe um local mais baixo. Lá, a água que passa pela tubulação que abastece o setor regular é desviada, diminuindo a pressão do líquido. “O pessoal de baixo tira a pressão da água e parte da população localizada mais acima fica sem”, aponta.

 

Sinal

Em relação à telefonia, as operadoras informaram que não existe um estudo local sobre o prejuízo do roubo de sinal de satélite. A Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA) informou que há apenas dados nacionais mostrando que o mercado ilegal cresceu 8,6% em 2015 e chegou a 4,55 milhões de lares — demonstra clara do avanço dos sinais clandestinos em relação à base oficial de assinantes, que aumentou em 6,1%.

“Tudo isso passa a ser, de certa forma, um serviço privado, lá dentro da invasão. É cobrada a taxa associativa para esses serviços. Há uma substituição do próprio Estado”, explica Dênio Augusto de Oliveira Moura, promotor de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (ProUrb) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Dênio comenta que, se for mantida a lei aprovada na semana passada pela Câmara Legislativa, que permite derrubada apenas após notificação dos ocupantes, a tendência é o crescimento do parcelamento irregular e das consequências ambientais, sociais e econômicas que elas trazem.

“Essa lei vai inviabilizar o trâmite administrativo. As pessoas fogem de ser notificadas. Vai ficar complicado para a Agência de Fiscalização usar todo o aparato de uma derrubada, por exemplo, em uma única casa. Assim, a invasão vai sendo postergada. Isso permite aos grileiros voltarem a criar situações irreversíveis de ocupação”, lamenta.  O professor emérito de geografia da Universidade de Brasília Aldo Paviani tem uma postura mais conciliatória em relação às ligações clandestinas. “Não tem outra maneira de se abastecer de água e energia se não for desse jeito”, defende.