O globo, n. 30.167, 11/03/2016. Rio, p. 13

Estado ignora norma que obriga notificar zika

Ministério da Saúde tornou compulsório o registro dos casos da doença há mais de 20 dias em todo o país

Por: Márcio Menasce

 

Enquanto cientistas do mundo todo procuravam coletar a maior quantidade possível de informações sobre o vírus zika e sua relação com a microcefalia e a síndrome de Guillain- Barré, numa reunião de três dias encerrada anteontem na Organização Mundial da Saúde ( OMS), em Genebra, na Suíça, a Secretaria estadual de Saúde continua sem saber o número de casos suspeitos da doença no Estado do Rio. A falta de dados levantados pelo governo ocorre mesmo após o Ministério da Saúde ter tornado obrigatória, em 18 de fevereiro, a notificação de pacientes com suspeita da zika.

Mais de vinte dias depois da resolução do ministério, os dados ainda não começaram a ser coletados nos municípios do Rio. A notificação deveria ser da seguinte forma: médicos das redes estadual, municipal e privada enviariam os casos às prefeituras, que repassariam ao estado para remetê- los ao ministério. A demora neste processo ocorre mesmo diante da informação que, desde outubro, 5.660 gestantes do estado tiveram exantemas ( manchas vermelhas) no corpo durante a gravidez. As marcas são um dos sintomas do zika e seu diagnóstico em mulheres grávidas é de notificação obrigatória desde outubro, por determinação do governo federal, e vem sendo feita pelo estado.

A Secretaria estadual de Saúde alegou que não começou a compilar os casos suspeitos de zika porque aguarda orientações do Ministério da Saúde sobre como o trabalho deve ser feito. Procurado, o órgão federal afirmou que, ao tornar obrigatórias as notificações, disponibilizou a estados e municípios uma nota informativa com o detalhamento dos procedimentos. Ainda segundo o ministério, foi feita no dia 2 de março uma videoconferência com os administradores estaduais, incluindo um representante da Secretaria de Saúde, durante a qual foram passadas orientações sobre a vigilância do vírus zika. O material está disponível no Portal da Saúde, na internet.

 

PARA ESPECIALISTAS, INFORMAÇÃO É FUNDAMENTAL

Para médicos e pesquisadores, a falta de informação dificulta ainda mais o entendimento da ameaça à saúde pública que o estado vem enfrentando, e ainda atrapalha as pesquisas internacionais sobre o tema. Segundo Ana Van der Linden, neuropediatra do Instituto de Medicina Integral Professor Fernandes Figueira, em Pernambuco, os números são importantes para chamar a atenção de pesquisadores estrangeiros para o problema que vem se transformando em ameaça mundial. Ana foi uma das primeiras médicas no Brasil a relacionar o aumento dos casos de microcefalia no Nordeste à zika. O estado de Pernambuco tornou compulsória a notificação de suspeita da doença em dezembro, antes mesmo do governo federal. O GLOBO apurou que outros estados do país, como São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia e Alagoas já estão enviando as notificações ao ministério.

— Se você tem a notificação, tem o número real de casos suspeitos. Inicialmente, desconfiamos da relação da zika com a microcefalia, e a própria OMS ainda não reconheceu isso cientificamente, mas agora temos muito mais números para mostrar que essa relação é bastante provável. São esses dados que despertam também a atenção dos pesquisadores internacionais para o vírus, e nós precisamos da ajuda deles para lidar com a questão aqui no Brasil — afirma Ana.

Para o infectologista Alberto Chebabo, sem as notificações o governo do estado não sabe exatamente quais regiões têm maior circulação de vírus e não pode tomar medidas estratégicas como enviar agentes a áreas críticas e destinar recursos financeiros e inseticida em casos emergenciais, para locais afetados pelo zika.

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Do Itanhangá ao Canal de Marapendi, medo do ‘ Aedes’

FOCOS NA BARRA Com dores nas juntas e manchas pelo corpo, diarista não sabe onde foi picada e como contraiu zika

Por: Daniel Gullino

 

Os sintomas começaram há quatro dias: marcas no corpo, dores na cabeça e nas juntas, ânsia de vômito. Ontem, a suspeita se confirmou: a doméstica Magna Coeli foi diagnosticada com o vírus zika, na Unidade de Pronto Atendimento ( UPA) da Barra da Tijuca.

Sintomas. Magda foi diagnosticada com a doença

Apesar do susto, ficou mais calma ao descobrir que só terá que tomar um analgésico.

— Falaram para eu voltar se sentir muita dor e vomitar — explica.

Magna não sabe onde foi picada pelo Aedes aegypti, mas suspeita que o mosquito pode ter sido atraído pela vegetação que existe tanto nos arredores da sua casa em Itanhangá, como no seu trabalho, próximo ao Campo Olímpico de Golfe, também na Barra da Tijuca. Não tem, contudo, conhecimento de que algum vizinho ou colega de trabalho tenha sido infectado.

Nas proximidades do Canal de Marapendi, também na Barra, a vegetação preocupa os moradores. Mas os condomínios se previnem há anos utilizando o inseticida conhecido como fumacê. Alguns contratam empresas, outros tem uma máquina própria.

— Aqui sempre teve fumacê. Usamos três vezes por semana — relata Renilson Corrêa, porteiro de um prédio na Avenida General Felicíssimo Cardoso.

Especialistas alertam que o uso do fumacê pode tornar o mosquito mais resistente.