O globo, n. 30.166, 10/03/2016. Economia, p. 19

Disputa milionária

Por: DANIELLE NOGUEIRA

 

A Funcef, fundo de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal, trava disputa com o grupo OAS para recuperar R$ 200 milhões aplicados em fundo de investimentos criado pelo grupo e do qual a Funcef se tornou sócia em fevereiro de 2014. Na época, o objetivo era investir na incorporadora do grupo. O fundo de pensão alega que houve “uma mudança de cenário” em razão do envolvimento da empresa na Operação Lava- Jato, deflagrada no mês seguinte ao aporte do fundo. A OAS está em recuperação judicial desde março do ano passado, com dívidas de cerca de R$ 8 bilhões e está no centro da crise política por que passa o país, com suspeita de favorecimento em licitações da Petrobras e de pagamentos ao Instituto Lula.

O litígio se dá na Câmara de Arbitragem do Mercado, órgão ligado à Bovespa para resolução de disputas societárias e de mercado de capitais. O pedido de abertura de processo foi feito pela Funcef em outubro de 2015 e, segundo ela, foi aceito pelas partes, mas o tribunal arbitral ainda não foi instaurado. Além da restituição dos R$ 200 milhões, a Funcef pede que seja liberada da obrigação de aportar mais R$ 200 milhões no fundo, como previa o contrato assinado com a OAS. A segunda parcela do investimento deveria ter sido efetivada em fevereiro de 2015, mas o pagamento foi vetado pela nova diretoria da Funcef.

A negociação entre Funcef e OAS começou em 2013. Em maio daquele ano, foi criado o FIP OAS Empreendimentos. Um FIP é um veículo de investimento usado para aportes em empresas de capital fechado, as que não têm ações em Bolsa. A OAS pôs no FIP as ações que ela detinha em sua subsidiária OAS Empreendimentos, incorporadora imobiliária do grupo.

A empresa procurou os maiores fundos de pensão em busca de sócios. Petros, dos funcionários da Petrobras, e Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, recusaram a oferta, segundo fontes do setor. A Funcef achou que era um bom negócio. Os três fundos já eram sócios da OAS na Invepar, dona das concessões de Aeroporto de Guarulhos, da Linha Amarela e Metrô Rio.

 

TRÊS ANOS SEGUIDOS DE PREJUÍZO

O investimento foi aprovado, por unanimidade, em reunião de diretoria em 20 de novembro de 2013, quando a OAS Empreendimentos estava no seu terceiro ano de prejuízo. No mês seguinte, a Funcef firmou acordo para deter 20% do FIP, o que corresponderia a R$ 400 milhões. Esse montante seria pago em duas parcelas: uma em fevereiro de 2014, o que de fato foi feito, e outra em fevereiro de 2015. Havia ainda a opção de a Funcef chegar a 25% do FIP no futuro.

Na época, as três cadeiras da diretoria cujos membros são nomeados pela Caixa Econômica Federal eram ocupadas por Carlos Alberto Caser ( presidente da Funcef ), Carlos Augusto Borges e Maurício Marcellini Pereira. Os três permanecem na diretoria da Funcef. Os outros três diretores, eleitos pelos trabalhadores, eram Antônio Braulio de Carvalho, José Carlos Alonso Gonçalves e Renata Marotta. Os dois primeiros estão cedidos ao Ministério de Desenvolvimento Social. Renata é aposentada.

Gonçalves é ex- diretor da Contraf- CUT, confederação que representa trabalhadores do ramo financeiro. Procurado, ele disse não se lembrar do investimento e frisou que era diretor de Benefícios na época. Carvalho fez doações a deputados eleitos do PT. Ele preferiu não comentar o investimento no FIP. Renata não foi localizada.

Os diretores que substituíram o trio, de uma chapa independente e que assumiram seus cargos em junho de 2014, iniciaram devassa nos contratos do fundo de pensão. Chamou- lhes atenção o fato de a Funcef ter aprovado o investimento no FIP após sucessivos prejuízos da OAS Empreendimentos. Em 2013, a empresa registrou perda de R$ 243 milhões ( no ano anterior, fora de R$ 56 milhões).

Após as denúncias da Operação Lava- Jato, os novos diretores conseguiram apoio dos três que já estavam na Funcef para suspender a segunda parcela que seria aportada no FIP e entrar com processo de arbitragem para recuperar os milhões já investidos. Segundo fontes a par das discussões, a OAS Empreendimentos insistiu para que o aporte fosse feito, pois isso poderia ajudá- la a ficar de fora da recuperação judicial. Ao todo, nove empresas do grupo foram incluídas no processo.

“A alegação da Funcef ( tanto para deixar de pagar a segunda parcela como para recorrer à arbitragem) foi baseada na mudança de cenário em razão do envolvimento da empresa na Operação Lava- Jato”, disse o Fundo em nota. O mesmo argumento vem sendo usado por investidores estrangeiros em ações contra a Petrobras, em razão da queda no valor dos papéis. Procurada, a OAS não se manifestou.

É difícil avaliar as reais chances de o Fundo conseguir recuperar o dinheiro investido, na avaliação de Guilherme Marcondes Machado, especialista em recuperação judicial da PLKC Advogados.

— O FIP não se confunde com a OAS. É uma sociedade da empresa com a Funcef e, por isso, não é incluído no processo de recuperação judicial.

Em audiência no início deste mês na CPI dos Fundos de Pensão, foi levantada a suspeita de tráfico de influência do ex- secretário de Finanças do PT João Vaccari Netto para aprovação de diversos investimentos feitos pela Funcef, incluindo o FIP OAS. Vaccari, que chegou a presidir o Sindicato dos Bancários de São Paulo, ficou em silêncio. A Funcef é o único dos três fundos com sede em Brasília — Previ e Petros ficam no Rio — e, por isso, sofre mais pressão de políticos, segundo fontes de mercado.

 

FUNCEF VIA GANHO NO MÉDIO PRAZO

A Funcef diz que “as decisões de investimento não se baseiam em motivação política”. Ressalta que os investimentos passam pelos olhos de ao menos 25 profissionais de diversas áreas do Fundo, além de avaliações externas. O estudo de avaliação econômicofinanceira da OAS Empreendimento foi feito pela Deloitte, que não quis fazer comentários. Segundo a Funcef, foram feitas avaliações de 107 empreendimentos e projetos da companhia. No estudo, diz a Funcef, foram utilizadas demonstrações financeiras, auditadas pela Ernest & Young, dos anos de 2011, 2012 e 30 de junho de 2013.

O Fundo dos funcionários da Caixa também ressaltou que o ciclo de desenvolvimento de um projeto imobiliário é de cerca de quatro anos, sendo que 80% do resultado do empreendimento só são contabilizados ao fim da obra. “É natural que as demonstrações financeiras apresentem prejuízo nesta fase de investimento e amadurecimento do portfólio. No médio prazo, existia expectativa de forte geração de caixa conciliada com lucro contábil, permitindo distribuir dividendos para os seus acionistas”, disse a Funcef.

 

“A alegação da Funcef ( para recorrer à arbitragem) foi baseada na mudança de cenário em razão do envolvimento da empresa ( OAS) na Operação Lava- Jato”

Resposta da Funcef, em nota

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Trabalhador pagará para cobrir déficit de fundações

Desconto em 2016 vai ficar ainda maior para compensar o novo rombo de 2015

Por: GERALDA DOCA E CRISTIANE JUNGBLUT

 

Os trabalhadores de Caixa Econômica Federal e Correios começam, em maio, a cobrir parte do rombo dos fundos de pensão — Funcef e Postalis. Na Funcef, 57 mil pessoas, entre aposentados e participantes ativos terão desconto de 2,78% nos contracheques para ajudar a cobrir os déficits registrados em 2013 e 2014, somando R$ 5,1 bilhões. Deste total, R$ 1,9 bilhão será quitado, meio a meio, entre Caixa e participantes por 17 anos. No Postalis, 80 mil funcionários terão de arcar com um rombo acima de R$ 5,7 bilhões. O percentual a ser pago será definido até o fim do mês para entrar em vigor em maio.

A conta para os trabalhadores ficará ainda maior a partir deste ano, quando será necessário tomar medidas para cobrir o déficit do ano passado. Os rombos se acentuaram por má gestão, ingerência política e recessão. Além de Funcef e Postalis, Previ (dos funcionários do Banco do Brasil) e Petros ( da Petrobras) vão apresentar resultados negativos.

 

ROMBO DE R$ 50 BILHÕES EM 2015

Segundo levantamento do GLOBO, o rombo acumulado dessas quatro entidades em 2015 deve se aproximar de R$ 50 bilhões. O número será conhecido ao longo do semestre, com a divulgação dos balanços. Sem somar os dados do ano passado, os quatro fundos das estatais já amargavam rombo de R$ 17 bilhões.

Na Funcef, as 57 mil pessoas envolvidas representam 40% do total de participantes. É esperado déficit de R$ 8,8 bilhões no ano passado, atingindo R$ 13 bilhões no acumulado. Na Previ, espera- se rombo de R$ 13 bilhões e na Petros, o resultado negativo pode superar os R$ 15 bilhões. No Postalis, ficará acima de R$ 5,7 bilhões.

Por lei, os déficits precisam ser cobertos por trabalhadores e empresas patrocinadoras. Os planos de equacionamento devem levar em consideração a duração dos planos de benefícios (fluxo de caixa para pagar as aposentadorias): um plano em que os participantes ainda vão levar tempo para se aposentar tem prazo maior para se adequar às regras de solvência.

A Comissão de Constituição e Justiça ( CCJ) do Senado aprovou ontem um projeto da oposição, para reduzir o aparelhamento político e melhorar a gestão dos fundos. A proposta seguirá ao plenário da Casa e depois terá que ser aprovada pela Câmara dos Deputados.

O projeto prevê que ao menos um terço dos integrantes dos conselhos deliberativo e fiscal seja de profissionais especializados, escolhidos em processo seletivo realizado por empresa independente. Atualmente, a composição é dividida entre representantes do governo e dos trabalhadores. Dirigentes e conselheiros do fundo não poderão ter atividade política ( inclusive cargos de assessoria de partidos e campanhas). E, após o fim do mandato, precisam cumprir quarentena de ao menos um ano para retornar a este tipo de atividade.

— Conseguimos consenso, inclusive com a participação do governo. O projeto acaba com o aparelhamento dos fundos de pensão — disse o senador Aécio Neves (PSDB-MG), relator do projeto na CCJ.

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