O globo, n. 30.166, 10/03/2016. Economia, p. 20

Governo quer identificar riscos de atrasos em obras do setor elétrico

Objetivo é se preparar contra possíveis desequilíbrios na oferta de energia

Por: DANILO FARIELLO

 

- BRASÍLIA- O Ministério de Minas e Energia está contratando uma consultoria de primeira linha, em uma concorrência internacional, para avaliar o risco efetivo de novas obras de geração e transmissão de energia elétrica atrasarem demais ou não serem concluídas. Possíveis atrasos podem criar buracos na oferta futura de eletricidade no país.

A crise econômica e a Operação Lava- Jato, combinadas com episódios recentes de problemas em obras ou inviabilidade na instalação de empreendimentos dos grupos Bertin, Impsa, Abengoa, Braxenergy, entre outros, levaram o governo a procurar estimativas reais do que efetivamente vai ficar pronto e do que não vai ficar ou vai atrasar, entre os contratos assinados.

— Temos um volume de contratos que temos de entender o que vai entrar e o que não vai entrar. Eu preciso ter diagnóstico hoje — disse ao GLOBO o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga.

O governo prevê que, dentro de um mês, deverá haver uma definição sobre a contratação da consultoria. O estudo deve ficar pronto no segundo semestre deste ano e seu conteúdo, por causa do nível crítico de informações sobre as empresas do mercado, vai permanecer sob sigilo.

Serão ouvidos agentes do mercado, como financiadores e investidores, para tentar traçar o raios X da situação real das empresas e dos contratos firmados pelo governo, para apontar sua condição de realização. O estudo também vai propor medidas contra um eventual desequilíbrio no balanço contratual do mercado, ou seja, para quando a previsão for diferente da realidade.

A Empresa de Pesquisa Energética ( EPE) faz, periodicamente, estimativas sobre oferta e demanda de eletricidade nos próximos dez anos, mas esses levantamentos consideram apenas os contratos, e não a perspectiva real de conclusão das obras.

 

SOBRA DE ENERGIA

Em um período muito curto, entre 2012 e 2016, o setor elétrico passou de uma situação de escassez de energia, com risco real de racionamentos, para uma situação de sobra de energia e sobrecontratação das distribuidoras de energia — ou seja, elas fecharam contratos além daquilo que devem entregar aos seus consumidores, por causa da queda da economia e redução da demanda prevista.

Para este ano, existe uma sobrecontratação das distribuidoras de energia elétrica em cerca de 3 mil Megawatts ( MW) e bilhões de reais. A previsão do setor é que essa situação deverá se estender até 2018. Essa sobrecontratação, porém, pode ser compensada pelos atrasos ou pela inviabilidade das obras de geração, por meio de acordos bilaterais firmados entre as geradoras e distribuidoras, em norma que será levada hoje a audiência pública pela Agência Nacional de Energia Elétrica ( Aneel).

— Essa sobrecontratação prevista pode ser fictícia, e eu não posso viver, no setor elétrico, de um planejamento fictício. Eu quero uma análise e um diagnóstico de cada um dos contratos — disse Braga.

Segundo dados da Aneel referentes a janeiro, o equivalente a 21 mil MW em obras de usinas geradoras de energia elétrica dentro do planejamento oficial estava paralisado ou não foi sequer iniciado — quase o mesmo volume das obras em andamento, que somam 22,4 mil MW.

 

BUSCA DE NOVOS INVESTIDORES

Mas é na transmissão de energia que os investimentos vêm apresentando mais dificuldades nos últimos meses. Segundo a Aneel, em dezembro de 2015, 62% das obras de transmissão estavam atrasadas. Além disso, o tempo médio das obras segue uma tendência crescente desde 2010.

No caso da Abengoa, empresa que passa por dificuldades financeiras em sua matriz no exterior, a interrupção da construção de uma linha de transmissão, ocorrida em novembro do ano passado, deverá causar “grande restrição” no escoamento da energia elétrica produzida pela usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, segundo relatório recente da Aneel.

Para evitar problemas sistêmicos por falhas das empresas, o Ministério de Minas e Energia vem conversando com potenciais investidores que possam assumir empreendimentos de empresas cujas obras ficarem comprometidas.

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Opinião

 

DESINCENTIVO

NESTA NOVA rodada de incentivos a empresas, o governo tenta mais uma vez atrair interessados em concessões no setor de infraestrutura, de fato carente.

PARA ISSO, oferece mais dinheiro do BNDES, uma forma de melhorar a rentabilidade dos empresários. A oferta é tentadora. O grande problema é que, no outro prato da balança, estão as enormes indefinições políticas, muito preocupantes para quem toca investimentos de prazo muito longo.

INFELIZMENTE, a questão política é um grande desincentivo aos candidatos a concessionários.

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Pará vai à Justiça por recursos de Belo Monte

Estado questiona destinação de 72% das compensações ambientais da usina
 

- BRASÍLIA- O Pará entrará na Justiça contra o governo federal, nos próximos dias, questionando a destinação de 72% das compensações ambientais pela construção da usina hidrelétrica de Belo Monte aos estados de Mato Grosso e Amazonas, em área distante a mais de 750 quilômetros do canteiro de obras. O governador Simão Jatene ( PSDB) disse ao GLOBO que há um problema de origem na distribuição, que é o fato de o governo estadual não fazer parte do Comitê de Compensação Ambiental Federal, que define a destinação entre as Unidades de Conservação ( UCs).

O governo federal e a Norte Energia, responsável pela obra, alegam, que a distribuição segue leis e normas vigentes. Segundo a decisão do Comitê, dos R$ 126 milhões em compensações, só R$ 34 milhões vão para unidades de conservação do Pará. O restante vai, principalmente, para a reserva do Parque Nacional do Juruena, nos estados vizinhos.

— A discussão não é só pelo valor, mas essa lógica doida de o governo federal esquecer que estamos em uma federação — disse Jatene.

Não é ilegal usar dinheiro de compensações em estados diferentes daquele dos empreendimentos, mas as unidades de conservação por eles afetados devem ser prioridade. Segundo o Ibama, porém, não foi identificada nenhuma unidade diretamente afetada por Belo Monte e todas as áreas beneficiadas estão no mesmo bioma da Amazônia, como manda a norma.

 

TERMO DE COMPROMISSO

A Procuradoria Geral do Estado ( PGE) do Pará entrará com a ação nos próximos dias na Justiça Federal em Altamira ( PA) e espera obter uma liminar até abril, data prevista para o pagamento da compensação pela Norte Energia. O governo do Pará espera que o Ministério Público Federal no Pará e os procuradores estaduais acompanhem a ação.

Thiago Valente, presidente do Instituto do Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade ( Ideflor- bio) do Pará, disse que o estado pediu para fazer parte do Comitê antes da divisão dos recursos, mas o pedido foi negado. As autoridades do estado alegam já terem enviado questionamentos administrativos sobre a distribuição das compensações ao Instituto Chico Mendes ( ICMBio), mas não houve resposta administrativa. Por isso, a decisão de ir à Justiça nos próximos dias, se não houver mudança na decisão.

— Não é ilegal ( a divisão), mas quem é afetado pela regra não tem representatividade na decisão. É, no mínimo, imoral, desastroso. Vamos questionar na Justiça a desproporcionalidade. Mesmo que houvesse algum montante de recurso ( para outros estados), que fosse a parcela menor, não a maior — disse Valente.

O governo federal não explicou por que os estados não fazem parte do Comitê, mas o Ibama e a Norte Energia dizem que o Pará já poderia ter recebido os recursos a que tem direito, se tivesse celebrado acordos com o empreendedor para isso.

O Ibama informou que o plano de trabalho apresentado em abril de 2014 pela secretaria de Meio Ambiente do Pará previa R$ 17,6 milhões para aplicação em UCs estaduais ( há recursos para UCs estaduais e federais no estado). O Comitê avaliou o plano e concluiu que algumas unidades não seriam elegíveis a receber os recursos, disse o instituto, acrescentando que, as mesmas unidades foram consideradas aptas a receber recursos de compensação ambiental de outros empreendimentos, como o ramal ferroviário Sudeste do Pará.

Segundo o Ibama, no que diz respeito às UCs federais, a distribuição de recursos foi definida em atendimento a plano de trabalho apresentado pelo ICMBio. “Para receber os recursos destinados, o estado precisa assinar termo de compromisso com o empreendedor”, informou o Ibama, acrescentando que o documento não foi assinado.

A Norte Energia afirmou que aguarda a elaboração de termo de compromisso por parte do governo do Pará para realizar os repasses. “A empresa esclarece que os valores a serem repassados são definidos pelo ICMBio.”