O globo, n. 30.166, 10/03/2016. País, p. 3

MP denuncia Lula por tríplex

Ex- presidente é acusado de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica por tentar ocultar bem

Por: THIAGO HERDY

 

SÃO PAULO- O Ministério Público de São Paulo apresentou ontem à Justiça de São Paulo a primeira denúncia contra o ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo que apura a compra de um tríplex no Guarujá. Na ação, Lula é acusado pelos crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. A acusação, com 192 páginas, foi protocolada na 4 ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda, em São Paulo. Os promotores Cássio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique Araújo sustentam que Lula teria tentado ocultar a propriedade do imóvel, que oficialmente está registrado em nome da empreiteira OAS. O ex- presidente admite ter visitado o apartamento, mas nega tê- lo adquirido.

Além de Lula, também foram denunciados na ação sua mulher Marisa Letícia e um dos filhos do casal, Fabio Luís Lula da Silva. Respondem na mesma ação o ex- dirigente da construtora OAS, Adelmário Pinheiro, conhecido como Léo Pinheiro; o ex- dirigente da Bancoop, João Vaccari Neto; e outras 11 pessoas. Este processo não tem relação formal com a Lava- Jato, embora trate de tema que também é investigado pelo MPF em Curitiba.

O advogado de Lula, Cristiano Zanin, disse ontem desconhecer a iniciativa. Mas afirmou que ela era esperada pela defesa:

— Essa denúncia foi informada pelo promotor em 22 de janeiro, quando deu entrevista à revista “Veja” dizendo que denunciaria o ex- presidente. Apenas formalizou o resultado, deixando claro que a apuração não foi isenta, decorrendo tão somente da parcialidade e da intenção deliberada de macular a imagem de Lula — afirmou.

Por nota, o Instituto Lula disse que a denúncia “reforça a necessidade de o Supremo Tribunal Federal ( STF) avaliar ação dos advogados do expresidente sobre a competência da investigação feita em duplicidade pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público de São Paulo”.

Se a denúncia for aceita pela Justiça, o ex- presidente Lula passa a ser réu na ação penal. O MP paulista investigava irregularidades na construção e venda dos apartamentos do condomínio Solaris desde quando a Bancoop quebrou, em 2006, e repassou à OAS a construção de imóveis que estavam sob sua responsabilidade.

 

FAMÍLIA VISITOU O IMÓVEL

A família do ex- presidente havia adquirido em 2004 um apartamento simples no edifício, na praia das Astúrias, no Guarujá. Os promotores sustentam que ao assumir a construção do prédio, a OAS decidiu reservar para o ex- presidente o tríplex situado na cobertura, incluindo reformas que custaram aproximadamente R$ 750 mil e compras de móveis de luxo por cerca de R$ 320 mil, a pedido de Lula e de sua família.

Depois que O GLOBO publicou reportagem sobre obras no tríplex, o ex- presidente desistiu de ficar com a unidade. De acordo com informações de sua assessoria, Lula investiu R$ 179,6 mil no imóvel, mas notícias sobre o tema teriam rompido “a privacidade necessária ao uso familiar do apartamento”. O ex- presidente solicitou, então, a devolução de valores pagos. A assessoria afirma que Lula pagaria pelas modificações realizadas a seu pedido no imóvel.

Testemunhas ouvidas pelos procuradores nos últimos meses citaram visitas de Marisa e do filho Fábio ao imóvel investigado durante as reração formas, realizadas em 2013, quando Lula não era mais presidente. Dirigentes da OAS teriam acompanhado a família durante as visitas ao imóvel, que ganhou elevador privativo para atender aos novos moradores. Quinta- feira passada, o “Jornal Nacional” exibiu fotos de Lula visitando o tríplex junto com Léo Pinheiro.

Neste ano, o MP tentou por duas vezes obter o depoimento de Lula e Marisa, mas não conseguiu. Uma liminar na Justiça suspendeu o primeiro depoimento. Depois, Lula informou que prestaria esclarecimentos apenas por escrito, e não pessoalmente.

Durante cumprimento de busca e apreensão no apartamento 164- A do Edifício Solaris, realizada no último mês, durante a 22 ª fase da OpeLava- Jato, policiais federais constataram que o imóvel se encontra vazio, sem moradores e sem os móveis adquiridos pela OAS para atender ao ex- presidente. Segundo funcionários da empreiteira, não era prática usual da empresa reformar apartamentos antes da entrega a eventuais compradores.

Ontem, o senador Lindbergh Farias ( PT- RJ) acusou o promotor Cássio Conserino de perseguir o ex- presidente:

— Isso não é nenhuma novidade. Esse é o procurador que anunciou a uma revista que denunciaria o Lula. Não há fato novo nisso, já esperávamos isso. É uma coisa de louco. Eles não querem aceitar as explicações do Lula — afirmou. ( Colaboraram Silvia Amorim e Cristiane Jungblut)

Senadores relacionados:

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Instituto pede a Moro devolução de senhas de servidor

Entidade acusa PF de abuso de poder. Polícia diz que teve mandado para apreender e- mails

 

- SÃO PAULO- O Instituto Lula pediu ontem ao juiz Sérgio Moro a devolução da senha do administrador das contas de email da entidade. O instituto acusa a Polícia Federal ( PF) de ter exigido de um funcionário a informação de acesso sem que ela constasse do mandado de busca e apreensão. Para a entidade, houve “abuso de poder”. A PF afirma que não fez nenhum procedimento fora do estabelecido pelo juiz.

“Durante a operação de busca e apreensão no Instituto Lula na última sexta- feira, a Polícia Federal exigiu, sob voz de prisão do técnico de informática, a senha do administrador das contas de e- mail @ institutolula. org, o que não constava no mandado da Justiça, que fazia referência apenas a poucas contas de e- mail específicas”, afirmou em nota o Instituto Lula.

Segundo a entidade, “a apropriação ilegal da senha do administrador dos emails ( hospedados no Google) permite à PF: ler todas as mensagens de todas as contas do Instituto, apagar informações, e, como já aconteceu, trocar a senha, impedindo o acesso às contas pelos seus usuários, bloqueando seu trabalho e contatos”.

A PF informou que, durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão na sede do instituto na última sexta- feira, houve a necessidade de se “ampliar a busca para novos e- mails e, para tanto, foi providenciado um novo mandado de busca”.

 

ACESSO A PROCESSO É AUTORIZADO

Anteontem, o advogado Roberto Teixeira, que representa o ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva, havia reclamado ao juiz Moro que duas empresas ligadas à família Lula foram vasculhadas sem mandado de busca e apreensão. Ainda segundo Teixeira, foram apreendidos celulares e objetos pessoais das noras de Lula, que não eram investigadas pela Lava- Jato.

Atendendo a um pedido da defesa, a Justiça Federal autorizou ontem os advogados a terem acesso a dois processos que investigam o petista e estão relacionados a doações ao Instituto Lula e a pagamentos feitos à empresa de palestra dele, a LILS. O Ministério Público Federal investiga se os eventos para os quais pagamentos foram feitos a Lula aconteceram. As empresas que contrataram palestras foram notificadas a apresentar comprovantes da realização das mesmas.

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‘Sítio’ e ‘ praia’ nas caixas

Palavras aparecem nos pertences do ex- presidente guardados em depósito em São Bernardo; PF investiga se OAS pagou custos de R$ 21,5 mil mensais pela armazenagem

Por: TIAGO DANTAS

 

Imagens feitas sexta- feira passada pela Polícia Federal ( PF) em um depósito de São Bernardo do Campo ( SP) mostram as palavras “sítio” e “praia” escritas nas caixas que guardariam os pertences trazidos de Brasília pelo ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As fotografias foram anexadas a um pedido feito pelo delegado Márcio Anselmo para que o juiz Sérgio Moro informasse se o material deveria ser apreendido ou apenas catalogado.

No relatório, os policiais federais não fazem nenhuma relação entre as inscrições nessas caixas e o sítio de Atibaia ou o tríplex do Guarujá, no litoral paulista. O delegado diz apenas que há indícios de que o aluguel do depósito foi pago pela construtora OAS, por R$ 21,5 mil mensais. A palavra “praia” aparece em uma caixa onde também está escrito: “Caixa 8 - Cerâmica - Para Presidência da Rep. A/ C Dr. Eduardo”.

As imagens da PF mostram várias caixas armazenadas no depósito. Nelas, é possível ler outras inscrições, como “madeira”, “livros”, “Alvorada”. As fotos das caixas da mudança do ex- presidente foram divulgadas ontem pelo site “O Antagonista” e incluídas no processo que apura se foram irregulares os repasses de empreiteiras feitos a Lula por meio da contratação de palestras e de acordos feitos com o Instituto Lula.

Após analisar o pedido do delegado Anselmo, o juiz Sérgio Moro afirmou que não lhe parecia “proporcionalmente viável” apreender todos os itens do depósito para verificar do que se tratavam. Para Moro, “não há causa fundada” para recolher tudo. O juiz sugeriu que os policiais lacrassem o depósito e catalogassem todas as caixas. “Se não for possível relacionar todos os bens e promover o lacre, fica a diligência no ponto prejudicada”, escreveu Moro.

O delegado da PF informou, no relatório, que não seria possível lacrar o imóvel, uma vez que é usado como depósito por outros clientes. O juiz respondeu que, se os policiais encontrarem indícios de que algum objeto precisa ser apreendido como prova, devem fazer o pedido separadamente.

Segundo a investigação da Lava- Jato, a OAS teria pago R$ 1,3 milhão para armazenar itens do ex- presidente entre janeiro de 2011 e janeiro deste ano.

O Ministério Público Federal descobriu que o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, teria sido o responsável pela negociação do armazenamento com uma empresa de containers. No entanto, no papel, quem formalizou o contrato foram representantes da OAS, que registraram em contrato a “armazenagem de materiais de escritório e mobiliário corporativo de propriedade da construtora OAS Ltda”.