O globo, n. 30.166, 10/03/2016. País, p. 6

Supremo barra nomeação do novo Ministro da Justiça

Wellington Lima terá 20 dias para decidir se sai do governo ou se pede demissão do cargo de procurador

Por: Carolina Brígido

 

- BRASÍLIA- O Supremo Tribunal Federal ( STF) decidiu ontem que Wellington César Lima e Silva não poderá continuar à frente do Ministério da Justiça se não pedir exoneração do cargo de procurador do Ministério Público da Bahia, instituição que integra desde 1991. Na interpretação da maioria dos ministros da Corte, a Constituição proíbe membros do Ministério Público de ocupar cargos públicos fora da instituição, a não ser o de professor. Se não pedir exoneração, Wellington César terá 20 dias para deixar o ministério, a partir da publicação da decisão no Diário da Justiça, que deve ocorrer na segunda- feira.

Foi dado o mesmo prazo para outros integrantes do Ministério Público deixarem cargos no Executivo federal, nos governos estaduais e em prefeituras. Segundo levantamento da AdvocaciaGeral da União ( AGU), existem hoje 22 promotores de Justiça e procuradores da República nessa situação, inclusive ocupando cargos de secretários de Segurança Pública. Assim como foi decidido em relação a Wellington César, esses membros do MP terão de ser exonerados da instituição caso queiram permanecer nos cargos. O STF decidiu que as decisões tomadas pelos promotores nesses cargos não serão anuladas.

 

ATUAÇÃO POLÍTICO- PARTIDÁRIA

A decisão foi tomada por dez votos a um, no julgamento de ação proposta pelo PPS contra a nomeação de Wellington César. A maioria dos integrantes do STF concluiu que ocupante de cargo no Executivo fica submetido às ordens do chefe do poder e perde a independência inerente aos representantes do MP. Os ministros levaram em consideração o artigo 128 da Constituição, que proíbe promotores e procuradores de “exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério”.

— Ser ministro de Estado e ser secretário de estado não deixa de ser, em alguma medida, uma atuação político- partidária. Exige subordinação à vontade do presidente da República e também exige fazer valer o programa de governo, seja do partido, seja da administração. Quem exerce função de Estado não pode exercer função de governo. A meu ver, função de Estado exige distanciamento crítico e imparcialidade; função de governo exige lealdade e engajamento. Seria péssima a suposição de que o Ministério Público tenha qualquer tipo de atuação que possa estar atrelada a qualquer tipo de destinação política — disse o ministro Luís Roberto Barroso.

— A ocupação de cargos e funções por membros do Ministério Público com subordinação a qualquer poder da República faz com que a Constituição esteja também subordinada — concordou o ministro Edson Fachin.

O relator, ministro Gilmar Mendes, disse que a resolução do Conselho Nacional do Ministério Público ( CNMP) que permitiu, a partir de 2011, a nomeação de promotores e procuradores em cargos públicos, é “um estupro constitucional”. Ele também disse que o governo, ao escolher Wellington César para o cargo, desrespeitou a jurisprudência do STF, que já tinha considerado esse tipo de nomeação inconstitucional:

— Este é um caso que eu não gostaria de julgar, porque é um caso que constrange, mas nós não temos outra alternativa.

 

“CRISE SEM PRECEDENTES”

O ministro Marco Aurélio Mello deu o único voto dissonante. Ele sequer julgou o mérito da ação, alegando um argumento técnico: o pedido do PPS não poderia ter sido feito em uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ( ADPF). Também no voto, Marco Aurélio ressaltou que a crise institucional é grave:

— Estamos praticamente no pico de uma crise sem precedentes. Cabe atuar com serenidade, temperança e apego ao direito positivo. Não tenho a menor dúvida de que essa decisão do Supremo acaba agravando a crise institucional vivenciada.

A ministra Cármen Lúcia também fez referência à crise política e recomendou obediência às normas para não haver piora na situação.

— Se os tempos estão difíceis, não faça estripulias — recomendou ela.

Antes da votação, advogados favoráveis e contrários à indicação de Wellington César para o cargo defenderam suas posições. Um deles foi o novo advogado- geral da União, José Eduardo Cardozo, que era ministro da Justiça até quinta-feira passada. Ele estreou na tribuna do STF em defesa da nomeação de seu substituto na pasta.

— Não se pode vedar a um membro do Ministério Público exercer outras funções. Há funções que se compatibilizam com as atividades ministeriais. Não há incompatibilidade em dar a um membro do Ministério Público a atividade de cuidar do Departamento Penitenciário Nacional — disse Cardozo.

Wellington César foi nomeado para o ministério na quinta- feira passada. No dia seguinte, a juíza Solange Salgado, da 1 ª Vara Federal no Distrito Federal, suspendeu a nomeação no julgamento de ação popular proposta pelo deputado Mendonça Filho ( DEM- PE). Segunda- feira, o presidente do Tribunal Regional Federal ( TRF) da 1 ª Região, desembargador Cândido Ribeiro, derrubou a liminar da colega. Agora, o STF deu a palavra final.

O artigo 129 da Constituição abre brecha para permitir que procuradores ocupem outros cargos, desde que compatíveis com as funções institucionais do Ministério Público. Segundo o dispositivo, promotores e procuradores podem “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade”. Em 2006, uma resolução do CNMP proibiu que integrantes do Ministério Público assumissem outra função pública. Em 2011, o conselho revogou a resolução.

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Sem substituto, Planalto tentará convencer Wellington César a ficar no cargo

Procurador já tinha sinalizado antes que não está disposto a abrir mão da carreira no MP

Por: Júnia Gama

 

    - BRASÍLIA- Sem um plano B para substituir Wellington César Lima e Silva no Ministério da Justiça, o governo deverá trabalhar para que ele abra mão do cargo de procurador e permaneça à frente da pasta. Uma reunião foi convocada pela presidente Dilma Rousseff ontem à noite, com a presença dos ministros Jaques Wagner ( Casa Civil), José Eduardo Cardozo ( AGU) e Ricardo Berzoini ( Secretaria de Governo), em busca de solução.

    Segundo auxiliares do governo, Dilma ainda irá decidir sobre o que será feito, mas a informação é de que ela quer continuar dando um perfil técnico à pasta e resiste em nomear um parlamentar para a vaga, como chegou a ser ventilado. O ideal para o governo, de acordo com fontes do Palácio do Planalto, seria que Wellington César decidisse se aposentar da carreira de procurador, o que seria possível por ele ter mais de 25 anos de contribuição. O governo espera resolver a questão nos próximos 20 dias, prazo concedido pelo Supremo para um desfecho.

    Durante a tarde, ainda na expectativa da decisão do Supremo sobre o caso, o ministro Jaques Wagner — que bancou a indicação do novo ministro — disse a interlocutores que o governo não tem alternativa para substituí- lo.

    — Não existe plano B. Estamos confiantes em que será garantido o direito dos procuradores de desempenhar cargos no âmbito da Justiça — disse Wagner, a interlocutores.

    Jaques Wagner dividiu a responsabilidade pela indicação de Wellington César com o advogadogeral da União, José Eduardo Cardozo, antecessor no Ministério da Justiça. Segundo Wagner disse a pessoas próximas, partiu de Cardozo a sugestão do nome de Wellington César, que foi apenas “chancelado” pela Casa Civil.

    O próprio Cardozo afirmou semana passada, ao GLOBO, ter sido o autor da indicação:

    — A indicação do Wellington foi minha. Nós nos conhecemos quando ele era procurador de Justiça na Bahia e pensei em trazê- lo para o Ministério da Justiça. Eu já imaginava que minha saída era questão de tempo, e ele seria um ótimo sucessor para mim — afirmou, um dia antes de transmitir o cargo para Wellington César.

     

    OBJEÇÃO LEGAL FOI RELEVADA

    A possível incompatibilidade já era conhecida por Cardozo e foi objeto de comentário entre os dois ministros, mas foi relevada pelo fato de Wellington César ser considerado o nome ideal para o cargo naquele momento. Na ocasião, Cardozo disse que havia precedentes para esse acúmulo de cargos.

    Quando o PPS entrou com a ação questionando a nomeação de Wellington César, o novo ministro sinalizou a interlocutores que não estava disposto a deixar a carreira para permanecer no governo, o que é visto como um problema para que seja convencido agora.

    Apesar do trabalho do governo para que Wellington permaneça na pasta, não está descartado, no Palácio do Planalto, que o ex- presidente Lula se torne ministro da Justiça após a decisão do Supremo de suspender a nomeação. Mas Lula teria dito a ministros que participam das articulações que a ideia lhe dá desânimo.