O globo, n. 30.166, 10/03/2016. País, p. 9

Se beber, não assine

Aliado de Cunha é suspeito de falsificar documento que beneficiaria presidente da Câmara em processo de cassação. Para justificar grafia, deputado diz que misturou álcool e remédio controlado

Por: ISABEL BRAGA LETÍCIA FERNANDES

 

O conturbado processo de cassação do mandato do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), no Conselho de Ética da Casa teve ontem mais um capítulo inusitado: a suspeita de falsificação de assinatura em documento de renúncia do deputado Vinicius Gurgel ( PRAP) para garantir o voto a favor de Cunha. Deputados do Conselho de Ética pedem hoje que a Procuradoria- Geral da República investigue a denúncia, e o deputado deverá ser alvo de representação por quebra de decoro parlamentar no órgão. Para os conselheiros, no entanto, se for comprovada a falsificação, a votação que garantiu a abertura do processo de investigação contra Cunha não será anulada.

Gurgel não estava em Brasília no dia 1 º de março, quando o parecer contra Cunha foi votado e sua ausência abriria caminho para que o suplente do PT votasse. Aliado de Cunha, Gurgel disse que queria garantir o voto a favor de Cunha na votação, e pediu que seu gabinete entregasse ao líder do seu partido, Maurício Quintella Lessa ( AL), documento com sua renúncia. Reportagem do jornal “Folha de S. Paulo" mostrou que dois laudos grafotécnicos encomendados pelo jornal revelaram uma falsificação “grosseira” e “primária” da assinatura.

Gurgel, que chegou ontem às 11h39, quando a reunião do Conselho de Ética discutia a suspeita de fraude, negou a falsificação. Aos colegas, disse que deixa documentos assinados com seu gabinete porque mora longe e que, no dia em que assinou a renúncia, tinha misturado álcool com remédio de tarja preta, que toma porque faz tratamento psicológico há mais de três anos.

— Faço tratamento psicológico tem mais de três anos, tomo remédio controlado. Tarja preta. Na quinta- feira bebi um pouco, e na sexta ( quando assinou a renúncia) estava sob efeito de álcool com remédio controlado. A assinatura é minha — disse o deputado

Gurgel afirmou que sofre de insônia e que assinou o documento há duas ou três semanas, no aeroporto, antes de viajar. Disse que está licença médica há duas semanas e que só veio ontem a Brasília para se explicar aos colegas. A Câmara não recebeu ainda o pedido de licença médica dele. Gurgel, visivelmente irritado com as perguntas, disse ainda não temer ser processado por quebra de decoro.

— Tenho várias renúncias assinadas. Devo ter assinado com pressa. Para cassar, tem que ter provas. Pergunte para o médico se você tomar um remédio e beber no dia anterior se pode ficar com a assinatura comprometida? — repetiu o deputado.

Vinicius Gurgel integrou como suplente a comissão especial sobre bebidas alcoólicas na Câmara, instalada em junho de 2005. A comissão teve como objetivo estabelecer medidas para restringir o consumo abusivo de álcool no país e discutiu, entre outras matérias, um projeto que torna crime a venda de bebida a menores de 18 anos, aprovado em fevereiro do ano passado no plenário da Casa.

O presidente da Conselho, José Carlos Araújo ( PR- BA), disse que enviará cópias das notas taquigráficas da sessão à Mesa Diretora da Câmara, mas que o órgão, de ofício, não pode verificar a falsificação. Cunha disse que ele não atua nesse caso e voltou a negar que tenha manobrado para garantir o voto do aliado.

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