O globo, n. 30.166, 10/03/2016. País, p. 10
O mês fica mais longo
Por: Carina Bancelar
“Sentimos muito pelo transtorno que temos causado aos servidores. É um transtorno indesejável, mas o Brasil vive a maior crise econômica desde 1930. O atraso de pagamentos tem sido verificado em vários estados brasileiros. Nós tentamos até o último minuto honrar os pagamentos hoje ( ontem), mas não conseguimos e o faremos na sexta- feira. Estamos pagando com nosso fluxo diário de entrada de impostos”, disse o secretário Julio Bueno em nota. Em entrevista à Rádio CBN, ele afirmou: “nós estamos vivendo da mão para a boca".
A Fundação das Associações e Sindicatos de Servidores Públicos do Estado do Rio ( Fasp- RJ) recebeu a notícia com indignação. A Fasp pediu ontem ao Tribunal de Justiça do Rio a prisão do governador Luiz Fernando Pezão por não cumprir liminar que obriga o estado a manter o calendário de pagamentos. A ação que originou a liminar, concedida na Vara de Fazenda do Rio, está sendo apreciada pelo STF, que já suspendeu os efeitos da multa ao governador em caso de não cumprimento. O estado, por outro lado, alega que está respeitando a decisão, já que paga seus salários nos dias previstos ( o calendário foi alterado por meio de decretos).
— Estamos aguardando que ( o processo) seja julgado pelo plenário do STF. Os servidores públicos precisam desses pagamentos, existem inativos que precisam de remédios e pagamentos. Isso não pode ser visto como uma brincadeira — afirmou Carlos Henrique Jund, advogado da federação.
Em nota, a Procuradoria Geral do Estado ( PGE) disse que “o governo editou o novo calendário de pagamento do servidor para se adequar à drástica queda na arrecadação de receitas".
DOIS PODERES, DUAS MEDIDAS
A questão dos pagamentos tornou- se uma polêmica entre os poderes, já que o Judiciário, ao contrário do Executivo, tem recebido, desde o início do ano, seus salários no último dia útil do mês, como determina a constituição estadual. Os pagamentos são feitos por meio de repasses do Executivo. A lei não fixa qualquer data para que o Executivo pague a seus próprios servidores. Já para os demais poderes, o estado é obrigado a enviar o montante até o fim de cada mês.
O Judiciário, em comparação com o Executivo, tem uma média salarial maior. Em 2015, o poder pagou R$ 2,9 bilhões a 19.848 pessoas. Já o Executivo pagou R$ 1,9 bilhão em 462.092 salários ou pensões ao longo do ano passado.
Para o advogado especializado em direito administrativo e professor da PUC- RJ Manoel Messias Peixinho, o servidor que se sentir prejudicado pelos atrasos pode entrar com uma ação contra o estado. Ele pondera, entretanto, que uma ação do Ministério Público por improbidade administrativa não seria cabível, pois não há indicativos de culpa ( dolo) do governo:
— Se o servidor público provar que teve prejuízo, ele poderá ingressar com ação pedindo ressarcimento pelos prejuízos sofridos. É uma responsabilidade civil do estado, independentemente dos problemas financeiros. Hoje, é preciso que haja mais diálogo entre o estado e os servidores públicos. Entendo que não caberia ação de improbidade, só se houvesse a prova de dolo, a intenção de não pagar os salários — afirmou.
Para Peixinho, os salários e pensões têm “natureza alimentar” e devem ser priorizados:
— O estado tem que priorizar o pagamento dos salários de todos os servidores públicos. É claro que eles estão no mesmo patamar que a saúde. Mas a própria constituição federal reconhece o direito ao salário como fundamental ao cidadão.
Na Alerj, alguns deputados de oposição se movimentam por uma limitação às mudanças no calendário de pagamento. O deputado Luiz Paulo ( PSDB) prepara um Projeto de Emenda à Constituição do estado que limita o pagamento ao quinto dia útil de cada mês:
— Se ele se planejar para tal, consegue. Até porque quem define a data de pagamento é ele. A cada dia tem uma data distinta. Tem que trabalhar com uma data limite para que as pessoas possam programar suas vidas. As contas vencem e, sobre todas elas, incidem juros e multa.
Enquanto isso, os servidores do Executivo vivem se equilibrando nas finanças domésticas. Um motorista que não quis se identificar disse que, este ano, tem tido que negociar a data do pagamento do seu aluguel:
— Desde dezembro, tenho que conversar com a proprietária sobre a mudança na data de pagamento do aluguel. Cada mês é um dia diferente. Não estou em condições nem mesmo de planejar o pagamento das contas. Imagina fazer uma viagem ou comprar um carro novo — disse ele.
A crise também preocupa um auxiliar administrativo que preferiu preservar a identidade. O servidor teme que a situação se agrave.
— Ano passado foi ruim. Não tenho dúvidas de que este ano será pior. Quando vai melhorar? Não sei — lamentou.
Por outro lado, servidores do judiciário estão numa situação mais confortável. Com os salários em dia, uma atendente que não quis se identificar disse que se sente aliviada.
— Trabalho aqui há cinco anos e nunca tive problemas. Talvez por não ter filhos, fico menos preocupada ainda. Mas minhas obrigações mensais estão em dia, trazendo aquela sensação de alívio — declarou.
IRONIA NAS REDES SOCIAIS
Em tempos de crise, a ironia tem sido uma arma usada pelos servidores. Nas redes sociais dos principais bancos do Rio, são centenas de recados com pedidos de compreensão diante de prazos e taxas de juros de contas que vencem antes do pagamento do governo. Professora da rede estadual há dois anos e meio, Gabriella Costa Silva postou na página do Facebook de um banco que a fatura do cartão de crédito venceria ontem e pediu compreensão para que o pagamento pudesse ser feito posteriormente e sem cobrança de juros.
— Foi uma ironia, mas não foi uma brincadeira. Se o governador pede a nossa compreensão, por que não podemos ser compreendidos? Muita gente compartilhou, inclusive em diversos grupos. O banco me tratou muito bem, educadamente, disse que entendia a situação, mas que não poderia alterar o contrato do cartão, os encargos e juros.
Colaborou Giselle Ouchana
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Representantes do Judiciário e do Executivo vão integrar um comitê criado ontem para analisar o chamado projeto de lei de responsabilidade fiscal, que promove ajustes nas finanças do estado. A proposta havia sido apresentada pelo governador Luiz Fernando Pezão em fevereiro, na abertura do ano legislativo.
Na manhã de ontem, durante café da manhã com o procuradorgeral do estado, Marfan Vieira, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Luiz Fernando Ribeiro Carvalho, e o presidente da Assembleia Legislativa ( Alerj), Jorge Picciani ( PMDB), Pezão acertou a criação do grupo, que, entre outras funções, tentará chegar a um acordo sobre o projeto de lei que trata dos fundos dos poderes Judiciário e Legislativo para custeio de pessoal e da obrigação de os dois poderes arcarem com os custos das contribuições previdenciárias patronais.
A reunião ocorreu dois dias depois de o governador, aconselhado por líderes do seu próprio partido, retirar a proposta da Alerj. Até os aliados consideravam inconstitucionais alguns trechos do projeto e acreditavam que dificilmente ele seria aprovado. Um desses pontos era justamente legislar sobre a competência de outros poderes.
Além de Marfan e do presidente do TJ, a comissão vai contar com o presidente do Tribunal de Contas do Estado, Jonas Lopes. A expectativa do governo é que, após a negociação, o projeto retorne para a Alerj em dez dias. A ideia é que o projeto seja desmembrado. Segundo aliados do governo, a chance de acordos, depois do “fatiamento”, é maior.
Segundo fontes, a indisposição entre o governador Luiz Fernando Pezão e o desembargador Luiz Fernando Carvalho está “superada”. Há 20 dias, os dois teriam retomado o bom relacionamento, que começou a se desgastar no fim do ano passado, quando Pezão pediu emprestado dinheiro do fundo do TJ. Desde então, tem havido diálogo.
O texto também encontra forte oposição entre servidores públicos. Um dos artigos, por exemplo, vincula reajustes de salários à Receita Corrente Líquida ( RCL) do estado. Só com aumento real da RCL, os pagamentos poderiam ser reajustados. O artigo é considerado inconstitucional, já que, segundo deputados, a própria Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF) tem um posicionamento contrário do proposto.
Para os funcionários públicos do estado, houve recuo. Antes de Pezão retirar o projeto da Alerj, a Federação de Associações e Sindicatos de Servidores Públicos do Rio ( Fasp- RJ) se preparava para protocolar uma ação civil pública para suspender os efeitos do projeto de lei, caso aprovado. Eles contestavam também o artigo que reajusta o valor das contribuições previdenciárias dos servidores de 11% para 14%. Aliados do governo agora admitem que, para evitar manifestações, esse aumento de alíquota poderá ser escalonado.
A expectativa do governo é que, após a negociação, o projeto retorne para a Alerj em dez dias. A ideia é que a proposta seja desmembrada