Correio braziliense, n. 19289, 18/03/2016. Política, p. 2

POSSE DE LULA NAS MÃOS DO SUPREMO

CRISE NA REPÚBLICA » Governo trava guerra de liminares para garantir foro privilegiado ao ex-presidente, mas a polêmica será definida pelos ministros. Ao menos 20 ações pedindo que o petista seja impedido de assumir o cargo já foram protocoladas em quatro estados e no DF
Por: PAULO DE TARSO LYRA E NAIRA TRINDADE

 

PAULO DE TARSO LYRA

NAIRA TRINDADE

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mal havia tomado posse como chefe da Casa Civil, em uma solenidade moldada por gritos de guerra da militância e cercada de polêmicas e constrangimentos, quando o juiz da 4ª Vara Federal Itagiba Catta Preta concedeu liminar atendendo uma ação popular e definiu que Lula não pode ocupar o cargo. A decisão foi cassada pelo Tribunal Regional Federal do Distrito Federal no início da noite, mas o petista permaneceu impedido por outra canetada, da juíza da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro Regina Coeli Formisano. As duas ações abriram a guerra jurídica que o Palácio do Planalto terá de travar para garantir o foro privilegiado a Lula. A decisão deve ficar com o Supremo Tribunal Federal (STF), que recebeu pelo menos dez contestações à posse do ex-presidente. Dessas, 6 serão analisadas pelo ministro Gilmar Mendes.

Lula tomou posse para ajudar o governo e para obter foro privilegiado. Ficou exposto em grampos telefônicos cujos sigilos foram levantados pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelas investigações da Operação Lava-Jato. Enquanto a presidente Dilma discursava defendendo a legalidade, atacando o juiz e alertando para o risco de golpes, petistas e defensores do impeachment se agrediam em frente ao Palácio do Planalto e em diversos pontos do país, tornando mais tenso uma situação que assusta o meio político, econômico e empresarial.

“A posse e exercício no cargo podem ensejar intervenção, indevida e odiosa, na atividade policial e do Ministério Público e mesmo no exercício do Poder Judiciário pelo senhor Luiz Inácio Lula da Silva”, diz Catta Preta Neto. “Ato presidencial que, ao menos em tese, é de intervenção do Poder Executivo, no exercício do Poder Judiciário. Ato que obsta ou é destinado a obstar o seu (do Judiciário) livre exercício”, completou. Para o juiz, “ao menos, em tese, repita-se, pode indicar o cometimento ou tentativa de crime de responsabilidade”. Para a juíza Regina Formisano, a nomeação de Lula “tem por objetivo, tão somente, conceder-lhe foro privilegiado, inerente ao cargo (...), incorrendo assim em desvio de finalidade e ilegalidade do objeto”.

Em entrevista coletiva concedida na tarde de ontem, o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, anunciou que enviou à presidência do Tribunal Regional Federal (TRF) pedido de sustação da liminar de Catta Preta, alegando que a decisão do juiz não teve a “imparcialidade objetiva necessária”. A Corte acatou o pedido no início da noite.

 

Críticas a grampo

Cardozo defendeu a nomeação do ex-presidente e alegou que a posse não impede e “não é a razão para evitar o julgamento na Lava-Jato ou furtar-se de uma investigação”. Ele pediu que o Supremo suspenda decisões sobre a posse de Lula, até que a Corte adote um posicionamento. Pelo menos 20 ações foram protocoladas em varas federais de quatro estados e do Distrito Federal. Logo após a solenidade no Palácio do Planalto, antes de saber da liminar de Catta Preta, o ex-secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, criticou duramente a divulgação dos áudios envolvendo Lula e Dilma. “Quem é o juiz Moro para decidir o que é ou não de interesse público? Ele divulgou o sigilo de uma conversa envolvendo a presidente, em um grampo que ele mesmo havia considerado ilegal”, atacou Gilberto.

A breve posse de Lula como ministro da Casa Civil transformou-se em um contundente ato político. A todo momento, representantes dos movimentos sociais interrompiam os discursos aos gritos de “Moro fascista”, “Não vai ter golpe, vai ter luta”, “Olé, olé, olá, Lula, Lula” e “Dilma, guerreira, mulher brasileira”.

A presidente foi dura no discurso. “O Brasil não pode se tornar submisso a uma conjuração que invade as prerrogativas constitucionais da Presidência da República; não porque a presidente seja diferente dos outros cidadãos e cidadãs; mas porque, se ferem prerrogativas da presidência, o que farão com as prerrogativas dos cidadãos?”, indagou.

 

Frase

“(A nomeação de Lula) tem por objetivo, tão somente, conceder-lhe foro privilegiado, inerente ao cargo (...), incorrendo assim em desvio de finalidade e ilegalidade do objeto”

Regina Formisano, juíza da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro