Correio braziliense, n. 19289, 18/03/2016. Política, p. 9

Ministros do STF criticam petista

CRISE NA REPÚBLICA » Celso de Mello e Ricardo Lewandowski repudiam fala na qual o ex-presidente afirma que a Suprema Corte do país está acovardada. A opinião de Lula foi revelada pelas ligações telefônicas interceptadas pela Polícia Federal e divulgadas pelo juiz Sérgio Moro
Por: EDUARDO MILITÃO

EDUARDO MILITÃO

 

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) criticaram ontem as declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas quais ele disse que a Corte e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estão “acovardados”. A opinião de Lula foi emitida em um dos telefonemas monitorados pela Polícia Federal e que tiveram o sigilo suspenso pelo juiz federal Sérgio Moro na quarta-feira.

O petista fez a avaliação quando conversava com a presidente Dilma Rousseff pouco após sua condução coercitiva para prestar depoimentos à PF, em 4 de março. Na avaliação dele, instâncias do Judiciário e também o Congresso Nacional não estavam reagindo ao que considerava ações excessivas do juiz responsável pela Operação Lava-Jato, Sérgio Moro, que chamou de “espetáculo de pirotecnia”. “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada. Nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um parlamento totalmente acovardado”, afirmou.

O mais antigo ministro do STF, Celso de Mello, foi o primeiro a se posicionar, por meio de um discurso pronunciado na Corte. Sem citar o nome do ex-presidente, o decano considerou a opinião de Lula “grosseira e injusta”. “Conhecida figura política de nosso país, em diálogo telefônico com terceira pessoa, ofendeu, gravemente, a dignidade institucional do Poder Judiciário, imputando a este Tribunal a grosseira e injusta qualificação de ser ‘uma Suprema Corte totalmente acovardada’’”, afirmou.

Segundo Mello, no telefonema, Lula fez um “insulto”, que considera “absolutamente inaceitável”. “Esse insulto ao Poder Judiciário, além de absolutamente inaceitável e passível da mais veemente repulsa por parte desta Corte Suprema, traduz, no presente contexto da profunda crise moral que envolve os altos escalões da República, reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes que não conseguem esconder, até mesmo em razão do primarismo de seu gesto leviano e irresponsável, o temor pela prevalência do império da lei e o receio pela atuação firme, justa, impessoal e isenta de Juízes livres e independentes”, prosseguiu.

O membro da Corte Suprema afirmou ainda que, respeitado o direito à ampla defesa e contraditório, os magistrados do país vão “fazer recair” sobre os culpados “todo o peso da autoridade das leis criminais de nosso país”. Mello destacou também que a República não admite “privilégios” e “repudia favores especiais”. “Condutas criminosas perpetradas à sombra do Poder jamais serão toleradas, e os agentes que as houverem praticado, posicionados, ou não, nas culminâncias da hierarquia governamental, serão punidos por seu Juiz natural na exata medida e na justa extensão de sua responsabilidade criminal.”

 

Aborrecimento

Depois do pronunciamento de Mello, o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, tomou a palavra demonstrando aborrecimento. Assim como o colega, ele defendeu a Suprema Corte brasileira. “Os constituintes de 1988 atribuíram a esta Suprema Corte a elevada missão de manter a supremacia da Constituição Federal e a manutenção do Estado Democrático de Direito”, disse ele. “Eu tenho certeza de que os juízes desta Casa não faltarão aos cidadãos brasileiros com o cumprimento desse elevado ônus”, continuou.

 

Frases

"Esse insulto ao Poder Judiciário, além de absolutamente inaceitável e passível da mais veemente repulsa por parte desta Corte Suprema, traduz, no presente contexto da profunda crise moral que envolve os altos escalões da República, reação torpe e indigna”

Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal

 

"Os constituintes de 1988 atribuíram a esta Suprema Corte a elevada missão de manter a supremacia da Constituição Federal e a manutenção do Estado Democrático de Direito. Eu tenho certeza de que os juízes desta Casa não faltarão aos cidadãos brasileiros”

Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal

 

Outras reações

Veja como reagiram outras pessoas que foram mencionadas ou participaram das conversas gravadas pela Polícia Federal

 

RODRIGO JANOT

A menção

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, teve a gratidão questionada pelo ex-presidente Lula durante conversa com o advogado Luiz Carlos Sigmaringa Seixas: “Ele (Janot) recusou quatro pedidos de investigação ao Aécio e aceitou a primeira de um bandido do Acre contra mim. (...) Essa é a gratidão. Essa é a gratidão dele por ele ser procurador.”

 

A resposta

“Os cargos públicos não são dados de presente. Eu sou muito grato a minha família. Fiz concurso. Estudei pra caramba. Tenho 32 anos de carreira”, afirmou Janot em entrevista.

 

JAQUES WAGNER

A conversa

O então ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, também foi gravado em conversas com Lula. Em uma delas, o ex-presidente menciona a ministra do STF Rosa Weber: “Eu queria que você visse agora, falar com ela, já que ela tá aí, falar o negócio da Rosa Weber, que tá na mão dela pra decidir. Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa fazer o que os homens não fizeram.”

 

A explicação

Wagner, agora na Chefia do Gabinete Pessoal da Presidência da República, se pronunciou por nota. Inicialmente, criticou a divulgação das conversas. “Sempre apoiei as investigações, mas vazamento de conversa com a presidenta da República extrapolou os limites e a segurança dela. A presidenta não teve nenhuma intenção de obstruir a Justiça, apenas enviou o termo de posse para o novo ministro.” Sobre a menção a Rosa Weber, a nota diz que Lula apenas solicitou que transmitisse essa mensagem, o que ele não teve oportunidade de fazer, pois já tinha terminado seu encontro com ela.

 

EDUARDO PAES

A conversa

Uma das conversas gravadas pela PF foi entre Lula e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Na conversa, o peemedebista reclama da dificuldade de lidar com Dilma Rousseff e o governador Luiz Fernando Pezão e diz que Lula continuou com “alma de pobre”, devido à localização do sítio frequentado pelo ex-presidente (Atibaia, em São Paulo): “Eu falo o seguinte: imagina se fosse aqui no Rio esse sítio dele. Não é em Petrópolis, não é em Itaipava. É como se fosse em Maricá. É uma m**** de lugar”.

 

As desculpas

O prefeito se desculpou em coletiva de imprensa ontem. “A tentativa de ser gentil com o presidente Lula me levou a brincadeiras de mau gosto. Não passavam de brincadeiras, mas, eu admito, de profundo mau gosto. São comentários que, sem dúvida nenhuma, não fazem parte da minha personalidade, mas que geram arrependimento, vergonha.”