Título: Nove denúncias registradas por dia
Autor: Temóteo, Antonio
Fonte: Correio Braziliense, 07/10/2011, Cidades, p. 22

A Delegacia Especial de Atendimento à Mulher contabilizou nos primeiros sete meses do ano quase 2 mil ocorrências. A maioria das reclamações envolve ameaça, lesão corporal e perturbação da tranquilidadeNotíciaGráfico

Diariamente, em média, nove mulheres procuram a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) para denunciar ameaças e agressões por parte dos companheiros no Distrito Federal. De janeiro a julho, a unidade policial registrou 1.970 ocorrências, instaurou 1.304 inquéritos e encaminhou ao Judiciário 1.226 requerimentos de medidas protetivas. Um dos casos de violência contra a mulher mais recentes no Distrito Federal envolveu o assassinato da estudante Suênia Sousa de Farias, 24 anos. O professor e ex-companheiro Rendrik Vieira Rodrigues, 35, a matou na última sexta-feira com três tiros. Ele a ameaçava desde que ela terminou o relacionamento e voltou para o marido (leia matéria ao lado).

A delegada-chefe da Deam, Mônica Loureiro, afirmou que os registros são variados e se enquadram em mais de um artigo, por exemplo, injúria, ameaça, lesão corporal de natureza leve e perturbação da tranquilidade. Com a publicação da Lei nº 11.340 (leia O que diz a lei), a mulher que faz a denúncia só pode desistir do processo perante o juiz. Segundo Mônica, após essa fase, medidas protetivas são adotadas para garantir a segurança delas. "A lei garante à mulher a possibilidade de, em casos extremos, recorrer a uma casa abrigo. O texto também diz que são possíveis, entre outros requerimentos, pedidos de prisão preventiva contra o agressor", explicou.

Apesar dos números e das histórias de violência, especialistas ouvidos pelo Correio avaliam que existe uma morosidade dos magistrados na hora de julgar as ações cautelares. Eles também apontam que, culturalmente, os juízes têm certa restrição em avaliar processos de violência contra a mulher, pois acreditam que essas questões devem ser resolvidas em família.

Segundo a professora do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) Lia Zanotta Machado, a Lei Maria da Penha abriu a possibilidade para a adoção de medidas cautelares que protegem a mulher e obrigam o agressor, por exemplo, a ficar longe da vítima. A especialista aponta que essa novidade propicia uma possibilidade efetiva de proteção, embora os trâmites burocráticos não sejam rápidos nos tribunais.

"A forma como a lei tem sido aplicada varia de acordo com a interpretação dos magistrados. Em alguns casos, os juízes induzem as mulheres a dizer se elas querem ou não continuar com o processo, uma vez que o texto diz que isso caberá a ela decidir", detalhou. Para Lia, cada vez mais a sociedade tem conhecimento de que o homem não tem o direito de agredir as mulheres. "Mas ao mesmo tempo existe uma cultura enraizada de que os homens controlam as mulheres. Os sentimentos amorosos são confundidos com posse", completou.

Restrições Segundo Soraia da Rosa Mendes, pesquisadora da UnB e professora de direito penal e direitos fundamentais da Universidade Católica de Brasília (UCB), medidas cautelares como o afastamento do agressor do lar funcionam para amenizar o conflito conjugal. No entanto, Soraia avalia que não é possível generalizar a questão porque nem sempre as medidas excluem uma violência maior. "Temos casos em que as agressões persistem", comentou.

A professora também explicou que as ações são usadas pelos magistrados como uma forma de amenizar temporariamente a violência. Dessa forma, os processos não têm seguimento e acabam arquivados. Na opinião da pesquisadora, existe uma colaboração por parte do Judiciário para que os processos não sigam, pois a cultura jurídica avalia que essas questões devem ser resolvidas em outra instância. "Por mais que tenhamos uma lei que fale sobre a violência doméstica, que tenhamos tratados que falem da necessidade de criação de mecanismos para coibir as agressões contra as mulheres, a cultura jurídica não mudou", alertou.

Na avaliação de Soraia, em um primeiro momento, o mecanismo do direito penal não é o mais adequado para a solução dos conflitos entre casais. Entretanto, ela aponta que a negativa por parte dos magistrados deixa a mulher enfraquecida, pois, sem a acolhida dos tribunais, a dificuldade de sair da situação de violência é maior. "Não temos em todo o Brasil as varas de violência doméstica instaladas. E isso parte da falta de iniciativa do Judiciário. Isso ocorre pela necessidade de se investir recursos, deslocar magistrados para atenderem esses casos", finalizou.

Juizado especial Uma resolução editada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) na última quarta-feira criou mais um juizado especializado em violência doméstica e familiar contra a mulher. Ele funcionará no Núcleo Bandeirante. Três varas também estão em funcionamento no Fórum Júlio Leal Fagundes para atender os casos de violência contra a mulher registrados no Plano Piloto, nos lagos Sul e Norte, no Cruzeiro, no Sudoeste, na Área Octogonal, na Candangolândia, no Guará 1, no Guará 2, no Varjão e na Estrutural. Nas outras regiões administrativas, a competência dos juizados especiais criminais foi ampliada em abril de 2008. Eles passaram a julgar e a processar também as agressões cometidas contra a mulher.

Denuncie Além do Ligue 180, as denúncias podem ser feitas na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher. O telefone é 3442-4300.

O que diz a lei A Lei nº 11.340, conhecida como Maria da Penha, foi sancionada em 7 de agosto de 2006. No artigo 5º, a norma define violência doméstica como qualquer ação ou omissão baseada no gênero e que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, além de dano moral ou patrimonial à mulher, no âmbito da unidade doméstica ou familiar. É prevista ainda para qualquer relação íntima de afeto. O texto também alterou o Código Penal Brasileiro, mudou as penas alternativas e passou a permitir a prisão em flagrante ou preventiva do agressor como forma de proteger as mulheres.