O globo, n. 30.165, 09/03/2016. Rio, p. 10

Restrições para grávidas

OMS recomenda que gestantes não viajem para regiões com grande incidência do zika

Por: Maria Elisa Alves/ Márcio Menasce

 

    A Organização Mundial da Saúde ( OMS) manteve ontem o alerta internacional sobre microcefalia e síndrome de Guillain- Barré, emitido pela primeira vez no mês passado, mas não incluiu o avanço da zika, que já afeta 52 países, como emergência. A decisão foi tomada durante a segunda reunião do Comitê de Emergência da entidade, que terminou ontem em Genebra com uma recomendação para as grávidas: elas não devem viajar para áreas com surtos de zika. Até então, não havia restrições para as gestantes — a única sugestão era que elas conversassem com seus médicos antes de irem para locais afetados. Agora, todo cuidado é pouco, diz a OMS, que também orientou as grávidas a fazerem apenas sexo seguro se seus parceiros vivem em regiões com zika ou tenham viajado para lá. Segundo a entidade, a transmissão sexual é mais comum do que se imaginava.

    — Desde 1 º de fevereiro, muitas pesquisas fortaleceram a associação entre zika e microcefalia. As mulheres estão muito preocupadas, e podemos entender isso — disse Margaret Chan, diretora- geral da OMS, que foi cautelosa ao responder, durante entrevista na Suíça, se as mulheres brasileiras deveriam evitar a gravidez. — O que posso dizer é que as mulheres grávidas devem se proteger do mosquito Aedes aegypti e ser informadas sobre todas as possibilidades para evitar o contágio pelo vírus zika.

     

    GESTANTE DESISTE DE VIR AO RIO

    Antes mesmo de saber que a OMS ia recomendar que gestantes não fossem para áreas com surtos de zika, a carioca Paula Bahiana, que mora há quatro anos em Los Angeles, onde tem uma empresa de pet sitter, já tinha desistido de vir ao Brasil. Grávida de 12 semanas, ela perdeu um bebê na última gestação e não quer se arriscar.

    — Planejava ir ao Brasil este ano, mas depois que soube da gravidez, em janeiro, e comecei a escutar notícias sobre zika, desisti. Até agora, me parece que não se sabe o suficiente sobre o zika. Escutei histórias de que haveria risco de microcefalia até mesmo anos depois de se contrair o vírus. As consequências são tão graves que não pretendo ir ao Brasil tão cedo. Precisava resolver vários problemas, mas dei uma procuração para minha irmã. Não vou nem mesmo quando o surto passar. Já tive dengue duas vezes e sei que esse mosquito não vai embora, só fica pior. Antes, transmitia só dengue, agora também passa zika e chicungunha — diz Paula.

    Segundo o infectologista Alberto Chebabo, a recomendação da OMS para as gestantes foi baseada também num estudo da Fiocr uz e da Universidade da Califórnia, divulgado no último sábado, que mostrou novas evidências de que o zika causa anomalias graves nos fetos. A pesquisa revelou que 29% das grávidas infectadas pelo zika, que foram acompanhadas pelos cientistas, tiveram crianças com defeitos congênitos. As mulheres eram todas saudáveis e sem nenhum outro fator de risco, mas seus bebês apresentaram anormalidades como restrição no crescimento intrauterino e alterações no sistema nervoso central.

    — Essa pesquisa também mostrou problemas nos fetos de mulheres infectadas com zika em períodos mais tardios da gestação — diz Chebabo.

    O Ministério da Saúde divulgou nota em que diverge da orientação da OMS no que diz respeito a viagens de mulheres grávidas. Enquanto a entidade internacional diz que gestantes devem ser aconselhadas a não viajar para áreas de contínuos surtos de vírus zika, a pasta sugere apenas que essas mulheres usem repelentes e roupas compridas, permanecendo com portas e janelas fechadas ou com telas. O ministério informou que segue orientação da própria OMS, reafirmada ontem, de que “não deve haver restrições gerais sobre viagens ou comércio” com regiões onde haja transmissão do vírus.

    Durante o encontro de ontem, cientistas e representantes de Brasil, Cabo Verde, Colômbia, França e Estados Unidos apresentaram dados novos sobre o vírus zika, mas não chegaram a um consenso sobre a decisão de incluílo no alerta de emergência internacional. Apesar de Margaret Chan afirmar que existe uma “provável relação” entre zika e microcefalia, ela destacou que novas pesquisas ainda precisam ser feitas. De acordo com o diretor do comitê David Heymann, ainda não há comprovação científica dessa associação. Um dia antes, o chefe do Departamento de Surtos da OMS, Bruce Aylward, havia dito que “as evidências se acumulam”.

    Depois de seis horas de reunião, os cientistas recomendaram também que estudos sobre a relação entre zika e distúrbios neurológicos sejam intensificados, acrescentando que é preciso dar atenção máxima às pesquisas de sequenciamento genético do vírus e aos diferentes efeitos clínicos provocados pelo micro- organismo.

     

    CONTROLE DE AEROPORTOS

    A OMS recomendou ainda que seja feito controle de mosquitos nos aeroportos e que países afetados considerem a dedetização de aeronaves. No Rio, que sediará as Olimpíadas de 2016, a Coordenação de Vigilância Ambiental da Secretaria municipal de Saúde informou que as áreas de portos, aeroportos e rodoviárias são consideradas estratégicas e seus entornos recebem vistorias semanais dos agentes de vigilância. Segundo o órgão, a cada visita a imóveis próximos a portos e aeroportos, os agentes tratam os depósitos de água e eliminam possíveis focos do Aedes aegypti, além de tomar as medidas necessárias para evitar o surgimento de criadouros do mosquito, como a colocação de larvicida.

     

    “Planejava ir ao Brasil este ano, mas, depois que soube da gravidez em janeiro e comecei a escutar notícias sobre zika, desisti. Até agora, me parece que não se sabe o suficiente sobre o vírus”

    Paula Bahiana

    Carioca que mora em Los Angeles

     

    MEDIDAS DEFINIDAS
     

    RECOMENDAÇÃO: Orientar grávidas para que não viajem até locais com infestação do vírus zika. Gestantes cujos parceiros vivem ou visitaram regiões com surto devem ser orientadas a praticar apenas sexo seguro.

     

    COMUNICAÇÃO: Viajantes com destino a regiões afetadas devem receber avisos atualizados sobre os riscos e as medidas para evitar o contato com o Aedes aegypti. No retorno, devem tomar precauções, como fazer sexo apenas com preservativo.

     

    CONTROLE: Um padrão de combate à proliferação do Aedes aegypti deve ser implementado em aeroportos. Os governos também devem considerar fazer a desinfecção de aeronaves.

     

    VETORES: Os países devem reforçar as medidas de controle de vetores, incluindo a determinação de espécies de mosquitos transmissores e sua sensibilidade aos inseticidas, e estimulando o uso de proteção individual.

     

    ALERTA: Em regiões atingidas pelo vírus, os serviços de saúde pública devem estar preparados para possíveis aumentos de síndromes neurológicas e más- formações congênitas.

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    Entidade alerta para resistência a inseticidas

    Estudo recomenda combinação de métodos de controle
     

    Um documento divulgado ontem pela Organização Mundial da Saúde ( OMS) alerta para a resistência do Aedes aegypti a inseticidas que vêm sendo usados nas áreas atingidas pelo vírus zika. De acordo com a instituição, a medida mais comum nos locais onde há infestação é usar o produto químico mais barato. A resistência criada pelos mosquitos exige sua troca por inseticidas mais caros e a combinação com métodos de controle do vetor que não sejam químicos.

    Segundo a OMS, a reversão da imunidade de mosquitos é possível, porém lenta e variável. Além do controle sem produtos químicos, a organização aponta que deve ser feito um rodízio de inseticidas, preferencialmente num ciclo bianual.

    A entidade recomenda que sejam usados diferentes inseticidas para áreas geográficas vizinhas. Pelo método, chamado de mosaico, deve- se aplicar um tipo de produto numa área. Em seguida, outro deve ser usado na região em volta. A OMS reconhece que a prática é difícil, especialmente numa epidemia, quando a ação rápida é a chave para conter a infestação.

    Ainda de acordo com o estudo, é preciso usar diferentes compostos químicos para combater larvas e mosquitos adultos. Por exemplo: os chamados organofosforados para os adultos e biolarvicidas do tipo Bti, ou reguladores de crescimento, conhecidos como IGRs, para as larvas.

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    ENTREVISTA - Pedro Fernando da Costa Vasconcelos

    ‘ Rio é o maior exportador de vírus para o Brasil’

     

    Pesquisador diz que a cidade, por receber muitos turistas e ter sujeira demais, cria um ambiente perfeito para a disseminação de doenças. Para ele, no momento, o mais urgente é investir no combate aos focos de mosquito

     

    Único brasileiro entre os integrantes do Comitê de Emergência sobre Zika da Organização Mundial da Saúde ( OMS), o virologista Pedro Fernando da Costa Vasconcelos é um dos maiores especialistas em vírus transmitidos por insetos do país. Diretor do Instituto Evandro Chagas, no Pará, ele destaca que a prioridade neste momento continua sendo o combate ao mosquito. E que o Rio, com a proximidade das Olimpíadas, deve tomar cuidado redobrado.

     

    Qual a prioridade da OMS hoje?

    É destacar a urgência do controle do mosquito. É a única coisa que nos resta neste momento. É preciso aumentar os esforços de todos, do governo e da população. A responsabilidade do controle vetorial é dos municípios, mas está claro que isso não tem sido feito como deveria. E a população também tem a sua parte. As cidades brasileiras são sujas e isso é ótimo para os mosquitos.

     

    Uma pesquisa recente indicou que o Aedes aegypti não transmitiria o zika com eficiência. O que isso realmente significa?

    Não faz diferença significativa, porque há muitos mosquitos e muita gente vulnerável, já que o zika é um vírus novo nas Américas. A população não está imune a ele. E um único mosquito pode picar muitas pessoas em pouco tempo. Os vírus da dengue foram isolados poucas vezes em mosquitos, e temos uma epidemia global.

     

    O pernilongo também poderia transmitir o zika?

    Não sabemos. Não há nada conclusivo nessa linha. E o Aedes continua a ser o principal vetor. Nós, no Evandro Chagas, começamos a estudar isso agora, para tentar responder a essa questão.

     

    Que estratégias são promissoras no combate ao Aedes?

    A única coisa que faz efeito imediato é a eliminação dos focos. Os mosquitos transgênicos e as bactérias wolbachia parecem interessantes. A Austrália tem uma experiência positiva com a wolbachia ( quando fêmeas acasalam com machos portadores da bactéria, os ovos não eclodem, reduzindo as populações). Mas isso é para médio e longo prazos. No momento, a urgência é o combate aos focos. O Brasil tem cidades muito sujas, cheias deles.

     

    O Rio terá Olimpíadas este ano. Que cuidados deveria ter?

    Cuidado dobrado. Mais que qualquer lugar. Não só para evitar a transmissão do zika para os turistas, mas para evitar a entrada de novos vírus com eles. O Rio é o maior exportador de vírus para o resto do Brasil. O vírus da dengue 1 entrou pelo Rio em 1986. O da dengue 2 em 1990 e o da 3 no fim de 1999. Só o da dengue 4 não entrou pelo Rio. A cidade recebe muitos turistas e tem sujeira demais. Esse é o ambiente perfeito para a disseminação de vírus.

     

    As medidas tomadas até agora no Rio são suficientes?

    O Rio precisa de um trabalho de muito controle de doenças. Tenho visto boas iniciativas e espero que continuem. Sei que há muita gente empenhada nisso.

     

    A OMS já considera forte o suficiente a relação do zika com distúrbios neurológicos?

    Há indícios importantes. Mas precisamos de estudos maiores e mais detalhados. Necessitamos urgentemente de pesquisas com modelos animais para saber como o vírus age em todo o organismo. Como ele se espalha pelo corpo? Que células atinge? Tudo isso tem que ser bem estabelecido.

     

    Por quanto tempo deve durar o estado de emergência mundial sobre o zika da OMS?

    Ele é temporário, mas isso não quer dizer breve. Pode se prolongar por meses ou anos, como aconteceu com a pólio e o sarampo.

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    Butantan aguarda verba para vacina contra zika

    Instituto diz que União ainda não repassou dinheiro para pesquisas

    Por: Maria Elisa Alves

     

    Instituto Butantan, responsável pelo desenvolvimento da primeira vacina brasileira contra a dengue, ainda não recebeu recursos do governo federal para a última etapa de testes clínicos. As verbas para o desenvolvimento de uma vacina e de um soro contra o vírus zika também não foram liberadas. O convênio com o Ministério da Saúde para os dois estudos foi firmado no último dia 22.

    Segundo Marcelo de Franco, diretor substituto do instituto, pesquisadores estão usando verbas individuais, que recebiam por outros trabalhos, para não interromper os estudos sobre zika e dengue:

    — É muito frustrante. Começamos os estudos para a vacina de zika sem verba, apenas com recursos individuais de pesquisadores, que, somados, dão cerca de R$ 1,5 milhão. O Ministério deveria investir R$ 30 milhões nas pesquisas, mas cortaram para R$ 8,5 milhões. Só que ainda não liberaram o valor. No caso da vacina de dengue, estamos esperando os primeiros R$ 30 milhões, dos R$ 100 milhões prometidos.

     

    DIRETOR CRITICA MINISTÉRIO

    A situação levou ontem o diretor do Butantan a acusar o governo federal de não ter liberado “um só tostão” para o programa de pesquisas da entidade. Em entrevista ao “Estado de São Paulo”, Jorge Kalil disse que “Brasil corre o risco de ter de importar a solução para o surto que afeta o país". Em janeiro, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, disse que a vacina contra dengue criada pela empresa francesa Sanofi Pasteur, que teve registro aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária ( Anvisa) em dezembro, é “muito cara” e que o país ainda iria estudar se vai adquirir o produto. Castro disse que o ministério esperava pelos resultados dos últimos testes da vacina criada pelo Instituto Butantan.

    O Ministério da Saúde disse ontem que o prazo para liberação das verbas era de 30 dias, a partir do último dia 22. Informou ainda que repassa ao Butantan R$ 1 bilhão por ano “para aquisição de vacinas e soros produzidos pelo laboratório, além dos valores de investimento em tecnologia".