O globo, n. 30.164, 08/03/2016. Economia, p. 19

Joias da coroa com a Infraero

Com planos de abrir capital em 2017, estatal terá concessão de Santos Dumont e Congonhas

Por: GERALDA DOCA

 

BRASÍLIA- Com o objetivo de preparar a Infraero para a abertura de capital no próximo ano, o governo fará uma série de mudanças para fortalecer a estatal, que teve as finanças afetadas pelo processo de privatização de terminais. A Infraero se tornará concessionária dos aeroportos e assinará com a União contratos de concessão para explorar os terminais por prazo determinado. Ela deverá seguir parâmetros de tarifas e indicadores de medição da qualidade do serviço. Atualmente, a estatal dispõe apenas de uma portaria do Ministério da Defesa, que repassa à empresa a administração dos aeroportos. Os dois primeiros terminais na lista são Santos Dumont e Congonhas, considerados as “joias da coroa” da aviação brasileira devido à intensa movimentação da ponte aérea ( Rio- São Paulo).

O novo papel da Infraero como concessionária consta da medida provisória editada na semana passada, que amplia o limite de participação do capital estrangeiro nas companhias aéreas de 20% para 49%.

Segundo dados da Infraero, o volume de passageiros em Congonhas chegou a 19,2 milhões em 2015 e no Santos Dumont, a 9,2 milhões. Segundo a empresa especializada no mercado de aviação OAG ( Official Airline Guide), a rota RioSão Paulo ocupa a 10 ª posição no ranking mundial em termos de oferta de assentos.

 

APOSTA EM RECEITAS COMERCIAIS

Segundo o ministro interino da Secretaria de Aviação Civil, Guilherme Ramalho, já está certo que Santos Dumont e Congonhas permanecerão nas mãos na Infraero. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, ele assegurou que o processo de concessão dos aeroportos vai continuar e que o objetivo do governo, ao tornar a Infraero uma concessionária de fato de Santos Dumont e Congonhas, é agregar valor à estatal e atrair sócios privados para recuperar o equilíbrio econômico e financeiro:

— Congonhas e Santos Dumont serão a base das operações da rede da Infraero.

Ele destacou que a medida faz parte do processo de reestruturação da Infraero, que perdeu receitas com a concessão de aeroportos ( Guarulhos, Viracopos, Brasília, Galeão e Confins). O lucro da empresa em 2012, quando começou o processo de privatização, foi de R$ 892,6 milhões. Em 2014, virou prejuízo de R$ 42,4 milhões. Em breve a estatal, que ainda administra 60 aeroportos, perderá mais quatro terminais ( Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis).

O ministro disse que a situação da Infraero é preocupante, porque pode colocar em xeque o equilíbrio do sistema como um todo. A empresa é responsável pela manutenção de aeroportos deficitários, mas com importância estratégica do ponto de vista de integração da malha aérea e defesa. E, ao se tornar uma operadora com contrato assinado, a empresa ganhará previsibilidade. A portaria é considerada um instrumento precário, disse.

Segundo Ramalho, a Infraero pretende adotar em Congonhas e Santos Dumont o mesmo que fez em Goiânia, onde repassou ao setor privado a construção e a exploração comercial do novo terminal de passageiros. Em Congonhas, a ideia é construir novas pontes de embarque, para evitar que passageiros tenham de se deslocar em ônibus para embarque remoto. Sem espaço para grandes obras que levam ao crescimento do volume de passageiros e movimentos de aeronaves, as apostas em Congonhas e Santos Dumont são as receitas comerciais.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas ( Abear), Eduardo Sanovicz, disse que a portaria da Defesa que repassa a administração dos aeroportos à estatal engessa a Infraero. A mudança no modelo, destacou, pode atrair sócios privados e trazer benefícios para as companhias e os passageiros:

— A portaria da Defesa é um instrumento precário e engessa a Infraero.

O ministro lembrou que a medida provisória dá fôlego à Infraero, ao extinguir o adicional tarifário ( Ataero) e permitir que a estatal possa reter no caixa entre R$ 500 milhões e R$ 600 milhões por ano.

Para isso, o governo reservou R$ 500 milhões no Orçamento da União para cobrir um plano de demissão voluntária, com previsão para adesão de 2.615, que ficaram excedentes com as concessões no setor. Na nova fase, a Infraero deverá ficar focada só em administrar aeroportos, disse.

A parte de navegação aérea será separada da atividade da estatal, que negocia com a Aeronáutica, o repasse das torres de controle. Na outra ponta, o Ministério do Planejamento está concluindo o processo de criação da Infraero Serviços, uma parceria entre a estatal brasileira e a alemã Fraport. No negócio, a Infraero ficará com fatia de 51% e o sócio estrangeiro, 49%.

Para Erico Santana, consultor em negócios aeroportuários, a medida ajuda a sanear a Infraero. Segundo ele, apesar do intenso movimento na ponte aérea, do ponto de vista de uma concessão de longo prazo, Santos Dumont e Congonhas não são tão atrativos porque já operam praticamente no limite. Mas ele ressaltou o potencial de ganho com receitas comerciais. Já para as empresas, os dois são filés.

— Como a demanda na rota São PauloRio é grande, as companhias podem cobrar preços mais altos — disse.

No mercado, há quem diga que se a empresa não opera em Congonhas, não consegue sobreviver.

 

“Congonhas e Santos Dumont serão a base das operações da rede da Infraero”

Guilherme Ramalho

Ministro interino da Secretaria de Aviação Civil

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Anac deve ficar sem quórum para votar editais de privatização de terminais

Com fim de mandato de diretores, agência não pode decidir sobre medidas de ajuda ao setor

Por: GERALDA DOCA E GABRIELA VALENTE

 

BRASÍLIA- A Agência Nacional de Aviação Civil ( Anac) ficará sem quórum a partir do dia 18, quando terminam os mandatos do atual presidente, Marcelo Guaranys, e do diretor Cláudio Passos. Com apenas dois diretores, o órgão regulador não poderá decidir sobre temas relevantes para o setor, como, por exemplo, os editais de privatização de quatro aeroportos ( Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis) e medidas para ajudar as companhias aéreas a sair da crise: a entrada de sócios estrangeiros e a revisão de regras que tratam das condições gerais do transporte aéreo, com ações para reduzir o custo operacional das empresas. A nova norma entra em consulta pública nas próximas semanas.

 

SABATINA NO SENADO

Ainda que a presidente Dilma Rousseff corra com as indicações para os cargos, a avaliação de integrantes do governo é que o agravamento da crise política, diante dos desdobramentos da Operação Lava- Jato, vai prejudicar a aprovação dos nomes, que precisam ser sabatinados pelo Senado. Com isso, a Medida Provisória editada pelo governo na semana passada, que autoriza o aumento do capital estrangeiro dos atuais 20% para 49% nas empresas nacionais, deverá levar tempo para surtir efeito, pois alterações na composição societária das empresas precisam ser aprovadas pela Anac.

A elaboração dos editais do leilão dos aeroportos ficará prejudicada, porque os diretores remanescentes da agência dificilmente farão um edital ad referendum ( decidido pelos dois diretores, mas que precisaria ser avaliado posteriormente por todos), diante da insegurança jurídica que o ato pode gerar. O governo tem pressa em realizar a concorrência neste semestre, porque precisa elevar a arrecadação federal. Os estudos da concessão estão sendo analisados pelo Tribunal de Contas da União ( TCU).

Após se reunir ontem com o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, o presidente da Anac admitiu que a vacância no comando da agência pode prejudicar o leilão dos quatro aeroportos:

— Para as concessões, a gente precisa de quórum para fazer todos os procedimentos. Só vão ficar dois diretores.

 

RISCO DE INDICAÇÃO POLÍTICA

Guaranys acrescentou que a Operação Lava- Jato e o aprofundamento da crise política não ameaçam as concessões dos quatro grandes aeroportos, previstas para este ano. O diretor afirmou que o Brasil tem capacidade de dobrar o número de passageiros nos próximos anos. E nem mesmo os recentes capítulos da crise política devem ser capazes de tirar o interesse dos investidores.

Prestes a completar dez anos, a Anac, que entrou em funcionamento no meio da crise da Varig e teve toda a diretoria ( indicada por políticos) deposta no caos aéreo, corre risco de ficar na berlinda outra vez.

Três nomes estão sendo cotados, o que está gerando temores por parte da equipe técnica das áreas que cuidam do setor da aviação civil. O medo é que, se vingar o brigadeiro Hélio Paes de Barros ( indicação do ministro da Casa Civil, Jaques Wagner), a Anac se transforme no extinto Departamento de Aviação Civil ( DAC), órgão da Aeronáutica que foi substituído pela agência civil. Outro indicado é Ricardo Bezerra, filho do ex- ministro do TCU, Valmir Campelo. Também está no páreo o advogado Georges Ferreira, da cota do PMDB da Câmara dos Deputados.

O nome preferido da Secretaria de Aviação Civil ( SAC) e apoiado por integrantes da Anac é Juliano Noman, secretário de Navegação Aérea da SAC. Com perfil técnico, é funcionário de carreira da Anac, onde exerceu cargo nos primeiros anos de funcionamento da agência.

Guaranys pode ser reconduzido ao cargo, mas, em tempos de crise, é provável que vença uma indicação política. A decisão é da presidente Dilma, disse uma fonte. Economista, com formação em Direito, Guaranys está na Anac há oito anos e participou do processo de abertura do setor, como liberdade tarifária, concessão dos aeroportos e ampliação do capital estrangeiro em companhias nacionais.

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