Correio braziliense, n. 19287, 16/03/2016. Política, p. 4

A metralhadora Delcídio

CRISE NA REPÚBLICA » Em delação, senador dispara contra Aécio, Temer, Eduardo Cunha, Renan Calheiros e até contra ele mesmo
Por: EDUARDO MILITÃO

EDUARDO MILITÃO

 

A delação premiada do senador Delcídio do Amaral (MS), que ontem se desfiliou do PT, atingiu políticos de todas as matizes. Além da presidente Dilma Rousseff e do antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e caciques do PMDB são citados. O vice-presidente Michel Temer, os presidentes do Senado, Renan Calheiro (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), além de deputados, ministros, ex-ministros, operadores, lobistas e dirigentes da Petrobras são acusados de participarem do esquema de cobrança de propinas na Petrobras. Delcídio ainda admitiu ter recebido propina pela compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.

O Correio apurou que, com base na colaboração, o Ministério Público estuda abrir inquéritos contra Dilma, Aécio e Lula. Sobre o presidente do PSDB, um flanco de interesse dos investigadores vai além de sua suposta relação com Furnas e Dimas Toledo. O objetivo é apurar com documentos a narrativa de que o tucano blindou a quebra de sigilo bancário do banco Rural na CPI dos Correios, que investigou o mensalão petista, que tem laços com o valerioduto tucano em Minas.

Delcídio disse que Aécio mandou emissários para atrasar a entrega da quebra de sigilos do Banco Rural. As informações chegaram “maquiadas” porque “atingiriam em cheio” o senador e o ex-vice-governador Clésio Andrade, réu no mensalão mineiro. O senador disse que teve reunião com o tucano em Minas para tratar do assunto. Para os investigadores, é possível rastrear esses dados bancários e obter provas concretas da eventual participação do senador no caso. Em nota, o deputado federal e relator da CPMI dos Correios, Osmar Serraglio, negou “qualquer interferência ou sugestão, de parte do senhor Aécio Neves no sentido de retardar a quebra do sigilo”.

Segundo o senador ex-PT, Lula lhe contou que Aécio e até petistas pediam a manutenção de Dimas Toledo em Furnas e comentou: “Pelo jeito, ele está roubando muito!”. O senador afirmou ainda que o conteúdo da chamada “lista de Furnas” era verdadeiro, pois havia repasse para políticos, como Aécio Neves, o falecido deputado José Janene (PP-PR) e até o PT. Delcídio disse que Janene relatou que o senador do PSDB era beneficiário de uma fundação no paraíso fiscal de Liechtenstein.

Aécio rebateu as acusações. “Não seremos nivelados àqueles que se apropriaram do estado nacional em torno de um projeto de poder.” Segundo ele, “todas as questões citadas (na delação) são questões velhas, requentadas, que já foram noticiadas, é isso o ele que traz na sua delação, não há nada de novo, nada consistente que mereça qualquer preocupação.”

A colaboração premiada do senador foi um dos motivos que levaram o Supremo Tribunal Federal a soltá-lo em 19 de fevereiro — e não apenas o encerramento da delação do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, como se noticiou à época. Havia um acordo de confidencialidade da delação pelo prazo de seis meses. Houve divergência sobre isso e o ministro Teori Zavascki pediu explicações. Com o vazamento da colaboração do senador, o jeito foi desistir do sigilo. Na semana passada, a PGR e os advogados de Delcídio pediram que o processo fosse tornado público assim que fosse homologada a delação.

 

Ponto a ponto

Michel Temer (PMDB)

Delcídio do Amaral disse que Michel Temer avalizou a indicação do lobista João Augusto Henriques — “muito ligado” ao vice-presidente — para a Diretoria Internacional da Petrobras. Por conta de uma pendência no TCU, o lobista colocou o nome de Jorge Zelada. Ambos estão presos e acusados de corrupção na Lava-Jato. Delcídio disse que a dupla Zelada-Henriques tinha o apoio a bancada do PMDB na Câmara, principalmente o falecido deputado Fernando Diniz (MG). “João Augusto [Henriques] sempre atuou nas ‘sombras’ de Jorge Zelada”, disse o senador. O vice-presidente já havia confirmado, em 24 de novembro, parte da delação do lobista Fernando Baiano, segundo a qual se reuniu com Nestor Cerveró, que desejava manter-se no cargo de diretor Internacional. Segundo Baiano, Cerveró dava “ajuda financeira” ao PMDB por meio de contratos da Petrobras. Ontem, a Vice-Presidência negou a atuação em favor de Henriques. “Michel Temer nunca foi padrinho de João Augusto Henriques. A indicação do nome dele para ocupar cargo na Petrobras foi feita pela bancada do PMDB na Câmara, assim como a de Jorge Zelada, posteriormente.”

 

Eduardo Cunha (PMDB-RJ)

Delcídio diz que bilhete encontrado na casa de seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, se refere à Medida Provisória 608 e “ao pagamento de propina de 45 milhões de reais por André Esteves (dono do banco BTG Pactual) a Eduardo Cunha”. Segundo o senador, as emendas no processo legislativo se tornaram “campo fértil” para “negócios escusos”. Delcídio diz que emenda na Medida Provisória 668, feita por Cunha, tinha, na verdade, a “lavra do BTG” Pactual. O presidente da Câmara teria “relação densa” com Esteves. “O presidente da Câmara funcionava como menino de recados de André Esteves”, resumiu no anexo 26. Cunha minimizou as acusações: “Tem coisa muito mais grave nisso aí (delação) para vocês se preocuparem”, respondeu. O BTG Pactual negou a veracidade das denúncias. “Acerca da afirmação de que o deputado Eduardo Cunha era garoto de recados, a relação de André Esteves com o presidente da Câmara sempre se deu de forma institucional e regular”, informou a assessoria do banqueiro em nota.

 

Pasadena

O senador Delcídio Amaral confessou ter recebido US$ 1 milhão em propina para pagar dívidas de campanha. O dinheiro era fruto da compra, pela Petrobras, da Refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), e foi repassado pelo então diretor Internacional da companhia, Nestor Cerveró, atualmente preso pela Operação Lava-Jato. Ao saber do montante de suborno movimentado pelo então dirigente da estatal, o petista se disse “estupefato”. O petista relatou que, após ser derrotado na disputa pelo governo do Mato Grosso do Sul, em 2006, recorreu a Cerveró e Renato Duque, então diretor de Serviços, hoje também preso, para obter recursos de fornecedores da estatal. A campanha havia se encerrado com um rombo entre R$ 5 milhões e R$ 6 milhões. “O depoente soube, posteriormente, que a origem desses recursos teria advindo de propinas pagas a partir da compra da Refinaria de Pasadena, no valor global de US$ 15 milhões”, descreve trecho do depoimento de delação. Ele também citou, durante a delação, possível pagamento de propina na compra da Refinaria de Okinawa por US$ 72 milhões.

 

Renan Calheiros (PMDB-AL)

Delcídio disse que o lobista Jorge Luz — que estacionava em vaga de diretor na Petrobras — era um “operador” do Pará ligado a Renan Calheiros, ao senador Jader Barbalho (PMDB-PA) e ao ex-ministro Silas Rondeau. “Jorge Luz ‘garimpava’ negócios com um suporte político inegável”.  Delcídio afirmou que Aloizio Mercadante lhe disse que intercederia perante Renan e ao presidente do STF, Ricardo Leewandowski, para tentar solucionar seus problemas no Senado e no Supremo. Em nota, o ministro disse não ter tido nenhum diálogo mencionado pelo delator. “Como chefe do Poder Judiciário, o presidente do STF zela pela independência e pela imparcialidade do exercício da magistratura”. Renan Calheiros disse que a delação do senador é “delírio”. E afirmou não ter “nenhuma preocupação”. O Presidente do Senado afirma que, caso não se confirmem as informações, o ideal seria que houvesse “agravamento de pena”. “Esses delírios que estão chamando de delações não confirmam absolutamente nada, porque não tem nenhuma prova, e eu acho até que quando não confirmam a delação tem que agravar a pena. Esse é um aprendizado que nós já poderemos ter neste curto período de validade de delações.”

 

Frases

“O presidente da Câmara (Eduardo Cunha) funcionava como menino de recados de André Esteves”

Delcídio do Amaral

 

“Esses delírios que estão chamando de delações não confirmam absolutamente nada, porque não tem nenhuma prova”

Renan Calheiros