O Estado de São Paulo, n. 44701, 07/03/2016. Política, p. A8

'Lava Jato pode ser mais fatiada', diz juiz

Idiana Tomazelli

O juiz Marcelo da Costa Bretas, titular da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro que está à frente do caso sobre o suposto esquema de propina envolvendo as obras da usina nuclear de Angra 3, declarou ao Estado que mais processos podem chegar ao Rio de Janeiro com novos desmembramentos da Operação Lava Jato e disse ser a favor da delação premiada. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

A Radioatividade é o caso mais notório que o sr. já assumiu?

Não posso classificar um processo como mais importante. As vidas de uma pessoa pobre e de uma pessoa rica, a liberdade tem o mesmo valor. Mas, de fato, o dinheiro envolvido, o tamanho do contrato, esse é o maior.

 

O sr. acha que as instituições estão mais eficientes?

Hoje em dia os filtros de fiscalização são mais eficientes, então aparece mais (a irregularidade). Não posso dizer que hoje em dia está acontecendo mais, e se eu fosse chutar diria que a tendência é acontecer cada vez menos, porque antigamente você tinha países que eram verdadeiros cofres. Você colocava recursos lá sem preocupação de que isso viesse a ser conhecido. Mas hoje em dia há um comprometimento maior dos Estados de evitar que o dinheiro ilegal transite. Isso acaba mostrando com mais facilidade esses fatos. Poucos são fatos recentes, maioria é de anos atrás, que ficaram registros e agora é a hora de as pessoas responsáveis serem chamadas a se explicar.

 

Houve quebra de paradigma no sentido de pessoas de alto escalão serem atingidas?

Por que agora tem esse sentimento de que os ricos estão pagando? Porque é um crime de rico. Quem é a pessoa humilde que vai ter dinheiro para lavar? O sujeito mal consegue ter dinheiro para viver. Não é porque agora é a vez dos ricos, não é isso. Para a Justiça, isso não faz a menor diferença.

 

A maior fiscalização pode coibir a prática de crimes daqui para a frente

Imagino que sim. Quando as pessoas percebem que a Justiça está sendo mais efetiva em determinada punição de um crime, naturalmente a tendência é que isso seja minorado.

 

Até onde vai a Radioatividade?

Eu recebi de Curitiba o processo já com a parte da investigação terminada. O que tinha para ser feito de operação já havia sido feito antes. Então, o processo está próximo do fim, praticamente já acabou a parte das testemunhas e nós já estaríamos prontos para iniciar a parte do interrogatório. Existe uma expectativa, e isso ainda não está claro pois será definido no âmbito do Supremo, que demais assuntos de irregularidade envolvendo a Eletrobrás, se existirem, ficariam aqui, no Rio de Janeiro. Nesse sentido, tem potencial para aumentar, tanto outros assuntos como outras pessoas. Dessas delações que estão sendo feitas com alguns acusados que estão no nosso processo, é possível que venham informações de assuntos novos, pessoas que até agora não tinham sido envolvidas.

 

O sr. é favorável ao fatiamento, então?

É um sentimento, muito embora eu até compreenda as razões que sustentam que ficasse tudo junto. Mas eu acho que talvez você possa inviabilizar um juiz, uma vara, uma turma, tudo por conta de escândalos tão grandes.

 

Qual é a sua opinião sobre a delação premiada?

Eu acho que é extremamente inteligente. Nos melhores sistemas jurídicos do mundo, isso não é questionado. Eu não vejo razão para a gente estar questionando isso. A única razão é que é novo e, enfim, é uma questão de interesse. Agora, delação não se basta. Não é só o cara chegar aqui e falar. Tem de ter mais coisa. A pessoa não sai daqui amigo do juiz porque é delator. Ele sai condenado, uma condenação acordada, mas não é atestado de impunidade. Eu já ouvi gente dizendo que delação é imoral. Isso é um absurdo. Imoral é praticar crime. Acho que nós, que estamos do lado da Justiça, somos os mocinhos, temos mais é que incentivar esse tipo de conflito entre os criminosos, porque antes de tudo são criminosos. Então, não vejo por que questionar. Agora, é como eu disse, tem de ter prova. O que está acontecendo hoje em dia, sem falar de nenhum caso específico, é que tenho visto provas quase irrefutáveis. Tem a conta no banco tal, a pessoa diz que não é dela. Daqui a pouco aparece um documento com a sua foto, a sua assinatura, foto sua entrando no banco. Como você vai dizer que não tem? Agora países que não forneciam documentos agora fornecem. A informação chega mais rápido, mais fácil. Tem países que ainda são fechados, mas isso está acabando. Dinheiro escondido em princípio é dinheiro sujo, quem tem dinheiro limpo não tem por que esconder. A tendência é de que esse dinheiro sujo perca mais o seu valor. A conta demorou, mas chegou.

 

E qual é a sua opinião sobre permitir a repatriação de dinheiro não declarado não exterior?

Isso só se justifica porque a gente está quebrado. Tecnicamente, acho que é insulto para quem paga imposto. É que nem Refis (programa de Recuperação Fiscal), você paga com esforço, aí o outro não paga, vive a vida que quer levar, depois ganha benefício, parcelamento em tantos anos, e se vê livre de tudo, processo criminal, de execução fiscal.

 

Quem lavou dinheiro pode se beneficiar?

Isso é possível. Não vou aqui acusar os parlamentares de terem aceitado isso, mas realmente é questionável a legitimidade dessa questão. Chega a ser um desestímulo para quem paga seu imposto e bota seus recursos numa caderneta de poupança.

 

A Justiça brasileira mudou de status perante a sociedade com a Lava Jato?

Eu acho que sim. As pessoas se interessaram mais pelo trabalho da Justiça. Eu não diria que o juiz está trabalhando mais. O papel do juiz é ficar distante e ver se aquilo que está sendo trazido é relevante. Hoje em dia, as provas são abundantes. Não estou falando especificamente da Lava Jato. Mas, nesses crimes financeiros, está tudo ali, e o sujeito pode apertar uma tecla e pronto (apagar). Isso é feito de uma hora para outra, escondido. Por isso que existe uma convenção internacional na ONU que recomenda um uso maior de medidas (cautelares) provisórias, avaliar muito bem se é o caso de conceder liberdade provisória. Porque não são crimes de trocar tiro, mas, corrupção em especial, apesar de não violento, é um crime extremamente grave.

 

A Radioatividade pode dar origem a novas operações?

É possível. Vou falar em tese. Se, de delações premiadas que estão acontecendo, surgirem novos casos que sejam vinculados (à Radioatividade), uma coisa que seja nossa aqui, que cite uma pessoa ou outra que ainda está quietinha, essa pessoa pode ser chamada. Haveria uma investigação, e o Ministério Público está atento a isso.

 

Novidade

“Dessas delações que estão sendo feitas com alguns acusados (são 14, entre eles o almirante Othon L.P. da Silva e Flávio Barra, da Andrade Gutierrez Energia) que estão no nosso processo, é possível que venham informações de assuntos novos”

Marcelo da Costa Bretas

JUIZ FEDERAL DA 7ª VARA DO RIO

 

PARA LEMBRAR

A 16.ª fase da Lava Jato, chamada de Radioatividade, teve como foco o setor elétrico, a partir de suspeitas de corrupção em contratos para a construção da usina de Angra 3, envolvendo a Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Odebrecht, Techint, MPE, Camargo Corrêa e UTC.

 

PONTOS-CHAVE

Operação mira em almirante da Eletronuclear

Prisão

O almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva é preso no dia 28 de julho. Ele é apontado como recebedor de propina do consórcio Angramon, construtor de Angra 3.

 

Denúncia

A Procuradoria-Geral da República (PGR) denuncia o almirante, ex-presidente da Eletronuclear, em setembro. Ele teria recebido R$ 4,5 milhões de propina.

 

Desmembramento

O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, desmembra, em outubro, o inquérito sobre a corrupção na Eletronuclear do processo da Petrobrás.

 

Processo

 

O juiz Marcelo da Costa Bretas, da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal do Rio, aceita a denúncia, em dezembro, da PGR contra Othon e mais 13 réus da ação.

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Investigações sobre Angra 3 têm atraso à espera de novas delações

Idiana Tomazelli

RIO

 

Negociações de acordos de delação dos réus da 16.ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada em julho, que investiga suposto esquema de corrupção na construção de Angra 3, vão atrasar o ritmo do processo na Justiça Federal, no Rio de Janeiro. Em setembro, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo, desmembrou o então inquérito do setor elétrico do processo da Petrobras.

O juiz Marcelo da Costa Bretas, da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio, é o responsável pela investigação na primeira instância. Ele estima que, mesmo com o atraso, uma sentença sobre o caso deve sair até julho.

As testemunhas de acusação foram as primeiras a serem ouvidas no caso, entre elas o dono da UTC, Ricardo Pessoa, e o ex-presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, ambos delatores na Lava Jato. Já os nomes indicados pelas defesas prestam depoimento desde o fim de janeiro até 11 de março.

A partir daí, Bretas previa dar seguimento ao interrogatório dos 14 réus da ação, entre eles o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear e um dos pais do Programa Nuclear Brasileiro (acusado de receber R$ 4,5 milhões em propina), e Otávio Marques de Azevedo, presidente afastado da Andrade Gutierrez. A intenção esbarrou na notícia de que alguns réus, incluindo Azevedo, estão firmando acordo de delação premiada.

“O Ministério Público concorda, os advogados também, que é prudente pararmos logo depois de acabar a oitiva das testemunhas. Vou ter que suspender o processo esperando descerem as informações do Supremo. Aí, sim, vou chamá-los um por um com a expectativa de que eles confirmem aqui aquilo que disseram na delação”, disse o magistrado.

 

Previsão. O juiz acredita que o número de ações desmembradas da Lava Jato enviadas à Justiça do Rio pode aumentar. “Existe uma expectativa, e isso ainda não está claro pois será definido no âmbito do Supremo, que demais assuntos de irregularidade envolvendo a Eletrobrás, se existirem, ficariam aqui, no Rio de Janeiro”, comentou o magistrado.

A chegada do processo da Radioatividade implicou uma série de mudanças na 7.ª Vara do Rio, cujos processos não eram eletrônicos. “Se tivesse que transformar em processo físico, teria 500 volumes. É mais do que todo o resto da vara. É impossível, seriam mais de 160 mil páginas”, disse. Tampouco havia equipamento para teleconferências ou um procedimento de gravação das audiências, o que foi providenciado para “manter o padrão” de Curitiba.

 

Comparação. Bretas, que vem sendo lembrado como o “Sérgio Moro do Rio”, evita comparações com o juiz paranaense, mas diz admirar o trabalho do colega. Mais discreto, ele conta que prefere se manter longe dos holofotes. Também adota a política da boa vizinhança com advogados, promotores e acusados na condução das audiências. “Isso não é um ringue.”/ I.T.

 

Estratégia

“O Ministério Público concorda, os advogados também, que é prudente pararmos depois de acabar a oitiva das testemunhas. Vou ter que suspender o processo esperando descerem as informações do Supremo.

Aí, sim, vou chamá-los (empreiteiros) umpor um com a expectativa de que eles confirmem aquilo que disseram na delação”

Marcelo da Costa Bretas

JUIZ DA 7.ª VARA FEDERAL DO RIO