O globo, n. 30.163, 07/03/2016. Opinião, p. 10

Oportunidade ou tragédia?

TEMA EM DISCUSSÃO: Liberação do jogo no país

Por: Hugo Leal

 

Os jogos de azar são proibidos no Brasil desde 1946, quando o então presidente Eurico Dutra, a pedido de sua esposa, dona Carmela, baixou um decreto-lei tornando ilegais todos os tipos de jogos envolvendo apostas. Mesmo assim, muito se joga no Brasil.

Legalmente, por meio das loterias e títulos de capitalização; ilegalmente, on-line, no jogo do bicho da esquina ou em cassinos e bingos clandestinos, fora os milhares de brasileiros que viajam para jogar legalmente em Punta del Este (Uruguai), Las Vegas (EUA) e Puerto Iguazu (fronteira da Argentina com o Brasil).

Agora, o tema da legalização volta à pauta do Congresso Nacional. Como representante do meu partido na Comissão Especial da Câmara que vai debater o assunto, resolvi estudar o tema, bastante complexo.

Alguns países, como a Argentina, simplesmente tornaram os cassinos legais, sem maiores exigências. O resultado? São mais de 150 pequenos cassinos no país sem que investimentos realmente relevantes tenham sido feitos. África do Sul, Bahamas e Cingapura utilizaram o jogo para obrigar os interessados a explorar a atividade a investir em equipamentos de lazer, os chamados “resorts integrados”. Cingapura concedeu apenas duas licenças para a exploração de cassinos. Todos os outros tipos de jogo são considerados ilegais e ferozmente combatidos.

A seleção dos detentores dessas licenças foi feita por um processo público e transparente em que o vencedor foi o melhor projeto de “resort integrado". Na verdade, nos “resorts integrados" o cassino ocupa aproximadamente 10% da área. Todo o resto do empreendimento é dedicado a espaço para convenções, shopping, spas, teatros, restaurantes e outras conveniências para o turista.

Esses “resorts integrados" em Cingapura geraram milhares de empregos diretos e indiretos, e contribuíram decisivamente para que o número de visitantes estrangeiros no país tenha subido mais de 40% desde a sua construção. Além disso, está claro que o jogo só pode ser liberado em ambiente altamente regulado, com regras rígidas para a prevenção da lavagem de dinheiro, do crime organizado e da evasão fiscal.

A população, fazendo valer o princípio da representatividade, deve se manifestar através do 0800 da Câmara Federal, das redes sociais e comparecendo às audiências públicas que serão realizadas, a fim de que a vontade da maioria efetivamente prevaleça e, assim, opte por legalizar todo e qualquer jogo ou somente os chamados “resorts integrados" ou nenhum dos dois.

 

Hugo Leal é deputado federal (PROS-RJ)

 

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Uma aposta temerária

TEMA EM DISCUSSÃO: Liberação do jogo no país
 

São notórios alguns dos movimentos do governo Dilma para fugir do ajuste fiscal ou, por inevitável, tentar fazê-lo sem mexer substancialmente nas causas que fizeram o país mergulhar na mais grave crise econômica desde 1929/30. Algo impossível. A proposta de ressuscitar a CPMF é o carro-chefe dessa tentativa de evitar o inevitável — a necessidade de adotar as medidas acertadas, por mais amargas que sejam. Neste caso, o indisfarçável propósito é, mais uma vez, aumentar receitas às custas da sociedade, uma política que, mais do que equivocada, se revela nociva.

Outras manobras são mais enviesadas, mas há sinais de que também fariam parte do arsenal de iniciativas que visam a aumentar a arrecadação federal sem a contrapartida de fechar o ralo por onde a economia vai para o buraco. É o caso da liberação do jogo no país. Entre as evidências de que, malgrado o alto preço social (decorrente, por exemplo, de agravos à segurança pública, em vista da engrenagem que a criminalidade movimenta do submundo para controlar atividades como apostas, máquinas caça-níqueis, jogo do bicho etc.), essa seria uma suposta fonte de receita bem vista no Planalto está a criação de uma comissão interministerial para analisar as possibilidades de a jogatina voltar à legalidade.

O próprio ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, é declaradamente favorável à liberação, num leque que beneficiaria o jogo do bicho das esquinas e estimularia a criação de grandes cassinos. O ministro — que teria encomendado inclusive uma pesquisa para avaliar o impacto da exploração de jogos em hotéis e resorts — brande, até agora sem que tenha sido desautorizado por Brasília, um argumento que vai ao encontro da sede governista por novos recursos no Orçamento. Para ele, a legalização incrementaria o turismo e desenvolveria a economia do país.

Por sua vez, o Legislativo também se movimenta, também sem visíveis óbices do Planalto, para alavancar a jogatina. Na Câmara, tramita um projeto que institui um marco regulatório dos jogos, em torno do qual transitam, com desenvoltura, fortes lobbies em favor da liberação.

Uma comissão chegou a propor que parlamentares visitassem o Uruguai para conhecer a realidade dos cassinos do país — providência risível, uma vez que, lá, não há algo sequer parecido com a rede do crime organizado brasileiro, inclusive ligada a máfias internacionais, que tomaria de assalto o controle do jogo tão logo a atividade viesse a ser legalizada no Brasil.

Por esperteza, não costumam entrar no pano de apostas da liberação os custos sociais de uma atividade que, no Brasil, operada da clandestinidade, está diretamente ligada ao crime organizado. “Banqueiros” do bicho e milícias promovem banhos de sangue pelo controle de áreas; operam lavanderias de dinheiro sujo, que certamente circularia entre as mesas de apostas e contas ilegais ao largo dos mecanismos de controle do Estado.

 

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