O globo, n. 30.162, 06/03/2016. Economia, p. 29

Risco maior de calote nas empresas

Dez companhias, com dívidas de R$ 100 bi, têm ‘possibilidade real de inadimplência’

Por: RENNAN SETTI

 

Dez companhias, com dívidas de R$ 100 bi, podem não conseguir honrar pagamentos. Nunca antes tantas empresas brasileiras de grande porte estiveram sob risco tão elevado de não honrar suas dívidas. Acusando o golpe da fraca demanda interna, da disparada do dólar e dos juros e da perda do selo de bom pagador pelo Brasil, dez companhias nacionais — incluindo gigantes como Oi, Usiminas e Gol — receberam notas do tipo “CCC”/ “Caa1”, ou piores, pelas agências de classificação de risco Fitch ou Moody's. Esses ratings, como são chamados, indicam um risco de crédito muito alto, situação em que o calote “é uma possibilidade real”, como define a Fitch. São empresas que acumulam, somadas, dívidas líquidas de aproximadamente R$ 100 bilhões, segundo números da Bloomberg.

Em um sintoma da rápida piora da condição econômica brasileira, no fim de 2012 — quando o país gozava de sua melhor classificação, o grau de investimento — eram cinco firmas naquela situação, sendo que quatro delas pertenciam ao mesmo grupo, que enfrentava dificuldades financeiras. Juntas, tinham dívidas líquidas de R$ 5 bilhões (valores nominais, não corrigidos pela inflação), uma pequena fração do montante atual.

— Desde que as empresas brasileiras começaram a receber ratings, este é o pior momento em termos de geração de caixa e liquidez (oferta de dinheiro). O problema não é só o cenário econômico ruim, mas a falta de perspectiva para restabelecer o apetite dos investidores — diz Ricardo Carvalho, diretor sênior da Fitch. — Em 2012, era diferente, seja no lado operacional das companhias, seja pelo alto valor das commodities e pela grande liquidez no mundo. Empresas que não ostentavam perfil de crédito muito bom conseguiam levantar capital com facilidade. Isso afastava possibilidade de inadimplência.

Carvalho observa que a classificação de crédito reflete o risco de inadimplência das companhias. Isso abarca, em tese, a totalidade das dívidas, mas, em alguns casos, parcela do montante pode apresentar um tipo de garantia diferente e, portanto, com risco diferente.

As agências de classificação de risco avaliam a condição de pagamento de débitos pelas companhias que emitem títulos de dívida para financiar suas operações. Uma década atrás, esse rol era restrito a um grupo de companhias exportadoras tradicionais, como Petrobras, Vale e CSN. Com a valorização das commodities e o crescimento da economia brasileira, o interesse em investir nas empresas nacionais ganhou força junto ao capital estrangeiro. Nesse processo, foi determinante a atribuição do grau de investimento à dívida soberana brasileira, em 2008. Com essa garantia de solidez das finanças locais, empresas de menor porte passaram a experimentar a emissão de dívida no mercado internacional. Em 2010, por exemplo, US$ 53,7 bilhões foram levantados no exterior.

Hoje, a situação é praticamente inversa. O Brasil perdeu o grau de investimento pelas três maiores agências de risco nos últimos seis meses, a economia registrou contração de 3,8% no ano que passou, as commodities estão no menor nível em mais de uma década e os EUA começaram a subir juros, enxugando parte da oferta de capital no mundo.

Adeodato Volpi Netto, analista da Eleven Financial Research, afirma que grande parte do problema enfrentado hoje se deve a um certo exagero de emissões promovidas nos tempos de bonança:

— As companhias ficaram muito mal acostumadas entre 2010 e 2013. Foram menos diligentes em sua estrutura de capital porque se sentiam muito à vontade em captar lá fora, num momento em que o Brasil era destino seguro de investimento.

Chama a atenção no grupo de empresas notas “C” o tamanho das dívidas de algumas. A Oi é a dona da maior delas: R$ 43,68 bilhões de dívida líquida, quase metade do valor das dez empresas somadas, segundo dados compilados pela Bloomberg. A operadora de telefonia entrou na categoria “Caa1” pela Moody’s na terça-feira, e a perspectiva é negativa (na avaliação da Fitch, sua nota é ainda “B”).

A Moody’s citou como uma das razões para o rebaixamento o fato de o fundo estrangeiro Letter One ter desistido de injetar US$ 4 bilhões na operadora depois de a concorrente TIM ter descartado o interesse em uma fusão entre as duas, no mês passado. Segundo os analistas Daniel Liberato e Felipe Silveira, da corretora Coinvalores, o problema da Oi é que a receita não é suficiente para dar conta, ao mesmo tempo, da alta demanda por investimentos do setor e de sua dívida. A operadora sofre com a dependência de telefonia e banda larga fixas (70% de sua receita) e com o fato de ter 78% da dívida denominada em moeda estrangeira. Só este ano, R$ 11,3 bilhões terão que ser amortizados.

— Desde 2012, a Oi vem vendendo ativos, como torres de telefonia, mas isso lhe deu fôlego apenas momentâneo. O dinheiro levantado era usado para pagar dívida já vencendo — explica Liberato. — Seu rebaixamento é preocupante, porque encarece o custo da rolagem da dívida.

Para os analistas da Coinvalores, a solução mais viável para evitar um calote seria a injeção de ao menos R$ 15 bilhões pelos acionistas, junto com a convocação de credores para renegociar débitos. Procurada, a Oi não comentou a reportagem.

Também sofrem com elevado endividamento as siderúrgicas CSN e Usiminas. As duas têm nota “Caa1” pela Moody’s. Além da queda na demanda interna por aço, o setor tem sido afetado pela desaceleração da China, que consumia mais da metade do aço produzido no mundo. O ritmo menor nas obras de infraestrutura no país asiático fez com que parte da produção de aço chinesa passasse a ser exportada, derrubando os preços ao redor do mundo.

Em janeiro, a Usiminas encerrou a produção de aço na unidade de Cubatão (SP), demitindo dois mil funcionários. No mesmo mês, a CSN paralisou um alto-forno em Volta Redonda (RJ) e demitiu 700 pessoas. A dívida líquida da CSN é de R$ 26 bilhões, mas a relação entre os débitos e a geração de caixa é menor que a da Usiminas, que tem dívida de R$ 5,84 bilhões. Segundo Lenon Borges, da corretora Ativa, com o atual geração de caixa da Usiminas, ela levaria 20 anos para quitar toda a sua dívida.

— O perfil de dívida da Usiminas é muito ruim. A maior parte vence a curto prazo, e metade está indexada ao dólar. Da outra metade, 80% estão atrelados à taxa CDI, que acompanha os altos juros básicos — diz. — Um default (calote) ou o pedido de recuperação judicial são possibilidades reais.

Procurada , a CSN não respondeu aos pedidos de comentários. Já a Usiminas disse que seu conselho avalia um plano de capitalização apresentado pela diretoria, além de “buscar o reperfilamento da dívida” junto aos bancos. A companhia disse ainda que pretende cortar pela metade o investimento este ano, que, em 2015, foi de R$ 784 milhões.

A Gol está na categoria “CCC” (Fitch) e “Caa1” (Moody’s). A companhia vem sofrendo com a queda da demanda doméstica por voos, que recuou pelo sexto mês seguido em janeiro. Segundo a Moody’s, cerca de 90% de sua receita são em reais, enquanto 50% dos seus custos e 80% de sua dívida total estão em dólar. Com isso, a desvalorização do real impediu que a empresa se beneficiasse do barateamento dos combustíveis das aeronaves. Sua dívida líquida é de R$ 6,8 bilhões, segundo a Bloomberg, e a Fitch a incluiu na lista das dez empresas mais problemáticas da América Latina.

Na semana passada, uma medida provisória elevou de 20% para 49% o limite de capital estrangeiro nas companhias aéreas nacionais. Como 9,48% da Gol pertencem à Delta, investidores especularam que a americana pode injetar dinheiro na companhia, melhorando a situação financeira. Os papéis da Gol disparam 45% na Bolsa na semana passada.

A construtora PDG (“Caa3" pela Moody’s) disse que “traçou plano estratégico para acelerar o processo de desalavancagem” e está em “negociação avançada com credores”. Segundo a empresa, ela reduziu a dívida líquida em R$ 1,4 bilhão desde 2013. Procuradas, Gol, USJ e General Shopping não comentaram. Cimento Tupi e Samarco não responderam. A MDL Realty informou que o rating atribuído pela Moody's (“Caa1”) em junho teve como base números do fim de 2014 e “não reflete a atual situação”. Os dados de 2015 ainda estão sendo auditados. A MDL esclareceu que o endividamento “está dimensionado para o tamanho de suas operações, não havendo nenhuma dívida em aberto”.

 

“O problema não é só o cenário econômico ruim, mas a falta de perspectiva para restabelecer o apetite dos investidores”
Ricardo Carvalho


Diretor sênior da Fitch “As companhias ficaram mal acostumadas. Foram menos diligentes em sua estrutura de capital porque se sentiam à vontade em captar lá fora”
Adeodato Volpi Netto
Analista da Eleven Financial Research