O globo, n. 30.162, 06/03/2016. Economia, p. 31

Os 10% que assombram a economia

Indicadores negativos de emprego, inflação, contas públicas e consumo interno já estão em dois dígitos

Por: MARCELLO CORRÊA/ CÁSSIA ALMEIDA

 

A crise econômica brasileira atingiu dois dígitos. São quase 10% de desemprego, 10% de inflação e pouco mais de 10% de déficit fiscal. Dez é o número que dá a medida da desorganização da economia brasileira que atinge igualmente o mercado de trabalho, o orçamento dos brasileiros e as contas públicas. Os números do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país em 2015), divulgados esta semana pelo IBGE e que mostraram o país em sua maior recessão em 25 anos, apontaram ainda que os gastos de famílias, governo e empresas brasileiras recuaram 10,1% no último trimestre. A instabilidade politica, principalmente depois dos novos desdobramentos da Operação Lava-Jato, envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, traz mais incertezas para a economia.

O que mais preocupa é a taxa de desemprego, que chegou a 9% em novembro, mas os analistas preveem que alcançará 11% este ano e não há sinal que haverá melhora num horizonte próximo. Para o ano que vem, já há projeções de que 13% da força de trabalho estejam à procura de um lugar no mercado. Num país que até 2014 ostentava taxa de desemprego pouco acima de 6%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) contínua, do IBGE.

— A crise está num nível tal que é cada vez mais custoso e desnecessário manter a mão de obra empregada. Há muita capacidade ociosa. Devemos continuar assistindo mais desligamentos — afirma Leonardo Carvalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

 

ESTOQUES AINDA ALTOS NA INDÚSTRIA

Nas contas do economista Tiago Cabral, consultor para mercado de trabalho da Fundação Getulio Vargas (FGV), a taxa de desemprego chegará aos 10% ainda no primeiro trimestre. Na média do ano, ficará na marca de 11,8%, prevê o especialista. O contínuo aumento das demissões está relacionado à pouca disposição dos empresários em investir, avalia Cabral.

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— A indústria caminha para uma queda de produção da ordem de 5% em 2016. Além disso, também devemos ver uma retração importante do nível de varejo, que caminha para queda de 3,5% a4% — calcula.

A queda de dois dígitos atingiu quem primeiro sofreu os efeitos da estagnação econômica. No ano passado, a produção industrial recuou 8,3% na média do ano, a taxa mais baixa em 13 anos. Mas, em dezembro, o recuo chegou a 11,9% frente ao mesmo mês de 2014. A indústria de transformação (excluindo a extração mineral) reduziu em 9,7% sua produção no ano passado e demitiu 608 mil empregados com carteira assinada, 39,5% das dispensas em todo o país em 2015. Segundo Carvalho, desde 2010, a indústria patina.

— O caso da indústria é mais grave. A disseminação para outros setores foi acontecendo aos poucos. Em 2014, o setor de serviços (que responde por 72% do PIB brasileiro) entrou no mesmo ritmo. Na agropecuária e na extração, a perda de fôlego vem há seis meses.

Apesar de ter queimado algum estoque indesejado, a indústria ainda não está no nível ideal de estocagem, o que atrasa a reação, diz Carvalho.

Para o pesquisador Aloisio Campelo, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, responsável pelas sondagens da instituição, ainda há muita incerteza entre os empresários:

— Num primeiro momento, lá em setembro, a indústria ficou menos insatisfeita porque percebeu que estava conseguindo ajustar os estoques. Mas, em fevereiro, percebemos que os empresários continuavam insatisfeitos com o mercado interno, responsável por mais de 80% das vendas. Se esse mercado não decola, não dá para imaginar uma recuperação.

Os números do PIB, divulgados pelo IBGE na última quinta-feira, mostraram a dimensão dessa crise no mercado interno. Se não fossem as exportações, o PIB teria caído 6,5%, e não os 3,8% registrados. No último trimestre de 2015, o retrocesso no consumo interno (consumo das famílias, do governo, os investimentos e as importações) chegou a 10,1%, revelando o quanto é profunda a recessão que o país vive hoje. A expectativa porém é que esse número fique menos pior este ano, mas não há consenso sobre isso. Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-diretor do Banco Central, acredita num cenário menos pior, ou seja, que já atingimos o piso na retração da economia. Carvalho, do Ipea, não tem essa certeza: — Não acredito que chegamos ao fundo do poço ainda. Nada é tão ruim que não possa piorar — diz Carvalho.

 

EFEITO PSICOLÓGICO DE TAXAS NEGATIVAS

Os economistas citam o efeito psicológico de se alcançar taxas tão negativas, principalmente da inflação que chegou, em janeiro, em 12 meses, a 10,71%, o que aumenta o repasse da inflação passada. Freitas diz que pelo menos a taxa de inflação deve cair em 2016, de forma gradual. A meta prometida de 4,5% não será alcançada nem neste ano, nem no próximo, mesmo com dois anos seguido de recessão forte (2015 e 2016) e a estagnação esperada para 2017.

— A inflação está caindo lentamente, mas vai baixar. Por três motivos: não teremos o choque nos preços das tarifas que houve no ano passado, o dólar deve cair um pouco e os preços dos serviços, que vinham mantendo a inflação alta, devem ceder, com o desemprego subindo.

No Boletim Focus que reúne as previsões de mais de cem analistas do mercado financeiro, a expectativa é que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo ( IPCA), medido pelo IBGE, fique em 7,57% este ano, bem abaixo dos 10,67% de 2015.

— A inflação pode cair também se os preços das commodities internacionais se mantiverem nos patamares de hoje. Somado a uma fortíssima recessão pela qual passa o país, há elementos para a inflação baixar no segundo semestre — diz Silveira, da GO Associados.

O alívio na inflação pode ajudar a iniciar uma espiral positiva na economia. Começando pelos juros básicos, hoje em 14,25% ao ano. Se os preços realmente cederem no segundo semestre, analistas acreditam que o Banco Central pode enxergar um espaço para reduzir a taxa básica, a Selic, que se mantém alta para conter a inflação. Os analistas consultados pelo BC estimam que a Selic chegue a 12,5% no fim de 2017. André Perfeito, economista-chefe da Gradual, acredita em redução menor. Para ele, a Selic deve começar a cair em janeiro de 2017 para 13,75% ao ano e, a partir daí, recuar gradativamente, até 13% ao ano, em meados de 2017. Esse afrouxamento pode ajudar a estimular empresários e consumidores, que sentem no bolso o efeito do crédito mais caro.

A queda nos juros e o recuo da inflação vão ser positivos para as contas públicas, diz Freitas. Do lado fiscal, o rombo nominal, que inclui o pagamento dos juros da dívida pública, está em 10,82%:

— Esse déficit tem parcela de juros muito pesada. A Selic subiu, inflação aumentou, e os títulos públicos indexados a esses dois indicadores fizeram o déficit crescer muito.

A explosão da dívida pública é apontada como a principal vilã para a disparada do déficit nominal que, há um ano, estava na casa dos 5%. A dívida bruta está em 67% do PIB. Há um ano, estava em 58,1%.

— O pagamento de juros nominais explodiu em 2015. Pagamos nos últimos 12 meses cerca de US$ 500 bilhões só de juros nominais. Agora, a trajetória da inflação é mais benigna, a Selic tende a cair e o dólar pode dar lucro ao BC — diz Perfeito, da Gradual.

 

EXPORTAÇÕES, OS DOIS DÍGITOS POSITIVOS

A única taxa de dois dígitos que traz algum alento para economia é a das exportações. No fim do ano passado, as vendas externas cresceram 12,6% e ajudaram a melhorar o resultado da economia brasileira. O dólar valorizado e a queda da demanda interna empurraram o saldo comercial. Na média, o setor externo teve efeito positivo de 2,7 pontos percentuais no PIB. Até a exportação de produtos manufaturados, como veículos, começa a melhorar.

— Em volume, o Brasil já exporta mais. Mas a exportação foi prejudicada pela queda de preços. Boa parte da pauta de exportação brasileira é composta de commodities, cujos preços derreteram em 2015.

 

“A inflação está caindo lentamente, mas vai baixar” Carlos Thadeu de Freitas  Economista- chefe da CNC

 

_ “A crise está num nível tal que é cada vez mais custoso e desnecessário manter a mão de obra empregada”  Leonardo Carvalho Economista do Ipea

 

_ “Se o mercado interno não decola, não dá para imaginar uma recuperação da indústria” Aloísio Campelo Pesquisador da FGV