O globo, n. 30.162, 06/03/2016. País, p. 3

Versão insustentável

Força-tarefa da Lava-Jato diz que justificativa de Lula para tríplex ‘não corresponde à realidade’

Por: CLEIDE CARVALHO

 

O Ministério Público Federal (MPF) encontrou novos indícios de que o tríplex no edifício Solaris, no Guarujá (SP), era destinado à família do ex-presidente Lula, suspeito de ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro desviado do esquema de corrupção na Petrobras. Em janeiro, em nota, o Instituto Lula admitiu pela primeira vez que o expresidente esteve no tríplex 164-A, com o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, e informou que o petista e sua mulher, Marisa Letícia, apenas visitaram “uma unidade disponível para venda no condomínio”. No documento em que pedem a realização de buscas e apreensões para a investigação de Lula, os procuradores afirmam que, segundo documento da própria construtora, há mais de quatro anos não há unidade sem proprietário no condomínio.

Segundo o MPF, em petição enviada em 29 de agosto de 2011 ao Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo, a OAS “expressamente” informou que, das 112 unidades do Solaris, 111 haviam sido sido vendidas a ex-cooperados da Bancoop (cooperativa do Sindicato dos Bancários que se tornou insolvente) e uma unidade para novo adquirente.

Apesar de a construtora ter informado sobre a venda de todas as unidades, no cartório de registro de imóveis o tríplex segue em nome da OAS, o que reforça a suspeita dos procuradores de ocultação de patrimônio — outras unidades mantidas em nome da empreiteira no Solaris também são investigadas.

 

INSTITUTO LULA NEGA COMPRA DE IMÓVEL

O documento do MPF diz ainda que, em nota publicada em 14 de agosto de 2015, o Instituto Lula informara, em resposta a uma reportagem do GLOBO, que Marisa era titular de uma cota do empreendimento e que o casal não havia decidido se compraria um imóvel ou pediria ressarcimento.

“O posicionamento de Lula para negar a propriedade do apartamento 164-A no condomínio Solaris, invocando inclusive suposta cota de Marisa Letícia no empreendimento, não corresponde à realidade”, conclui o Ministério Público.

O Instituto Lula informou que desconhece o documento e reafirma o conteúdo da nota anterior: “A família cogitou comprar, não comprou, a escritura não foi transferida, não frequentaram, não é deles”, informou.

Os procuradores lembram que a opção entre desistir do imóvel ou acatar novas condições contratuais da OAS foi ofertada aos cooperados em 2009, com prazo de 30 dias para a escolha. A OAS moveu ações judiciais contra os que não respeitaram os prazos. Várias ainda tramitam no Judiciário.

O Ministério Público de São Paulo também investiga se o ex-presidente ocultou a posse do tríplex. No fim de fevereiro, os advogados de Lula entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de suspensão das duas investigações em curso — no Ministério Público Federal e no Ministério Público do Estado de São Paulo sobre o tríplex do Guarujá e o sítio Santa Bárbara, em Atibaia. Eles argumentam que a legislação impede duplicidade de investigações sobre um mesmo objeto e pedem que o Supremo decida quem deve fazer as apurações.

Para a Lava-Jato, o tríplex e as reformas de R$ 1 milhão feitas nele podem ter sido uma forma de pagamento de vantagem indevida a Lula pela OAS, uma das construtoras que participaram do cartel da Petrobras. Entre 2007 e 2012, a OAS fechou mais de R$ 7 bilhões em contratos com a estatal.

“Há indícios de que, como constatado em relação a outros agentes públicos e políticos já denunciados no âmbito da denominada Operação Lava-Jato, empreiteira participante do cartel defraudador de licitações da Petrobras, OAS, entregou vantagem indevida por meio de manutenção dissimulada de propriedade e de pagamento de reforma de imóvel”, diz o documento.

Depoimentos de funcionários da OAS e do Solaris, segundo o MPF, mostram que a família de Lula acompanhou a reforma e esteve no prédio mais de uma vez. Letícia Eduarda Rosa, que trabalha na portaria do edifício, disse que viu Lula no prédio no começo da reforma do apartamento, no fim de 2013: “Ele entrou, subiu até o apartamento 164 A e foi embora”. Lula havia admitido ter visitado o apartamento em 2014.

O engenheiro Igor Pontes, da OAS, disse que foi informado no fim de janeiro de 2014 que era necessário limpar e pintar o apartamento 164-A, devido a visita de um “potencial comprador”. O serviço foi feito e, depois, Lula e Marisa teriam visitado o imóvel com o então presidente da construtora, Léo Pinheiro. Pontes disse que, em agosto de 2014, Marisa e seu filho Fábio Luís foram ao apartamento e que, segundo Roberto Moreira, diretor da OAS, “o intuito seria acompanhar a execução da obra”.

Pontes afirmou que “é possível concluir que as reformas dizem respeito a possíveis ajustes comerciais entre OAS e ex-presidente Lula".

Rosivane Cândido, ex-funcionária da empresa que reformou o tríplex, disse ter presenciado reunião de Marisa, um filho de Lula e executivos da OAS “para apresentar as modificações executadas e em execução do apartamento”.

Quatro diretores da OAS disseram que a empresa não vendia imóveis com armários de cozinha e dormitórios personalizados e eletrodomésticos. Segundo eles, serviços de adaptação de plantas, como os que ocorreram no tríplex, só eram feitos após a compra das unidades habitacionais por clientes.

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Corrêa acusa ex-presidente de saber de desvios

Ex-deputado detalha que mensalão era embrião da corrupção na estatal
 

O ex-deputado federal Pedro Corrêa, ex-presidente do Partido Progressista (PP) condenado e preso no mensalão e na Operação Lava-Jato, contou durante negociação de delação premiada que o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva sabia do esquema na Petrobras e da função exercida pelo ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa. A informação está em reportagem da revista “Época” desta semana. Segundo a reportagem, a delação deve ser assinada nos próximos dias.

De acordo com a “Época”, Corrêa afirma que o embrião do esquema de corrupção na Petrobras foi o mensalão. E acrescenta que, desde 2004, “o petrolão financiava o mensalão”. Os investigadores que conversaram com a revista contam que os relatos dele são detalhados. Eles ponderam, no entanto, que Corrêa não apresenta provas, como extratos bancários.

Corrêa foi condenado no mensalão a sete anos e dois meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Na Lava-Jato, foi condenado a 20 anos e sete meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.

À revista, a assessoria de Lula disse que “não comenta supostas delações e repudia o jornalismo feito por vazamentos ilegais”. A defesa de Corrêa não comentou.

 

DELATORES APONTAM TESOUREIRO

Segundo as investigações, o tesoureiro das campanhas do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff, José de Filippi Junior, recebeu propina em espécie até maio de 2014, quando a Lava-Jato já estava em curso em Curitiba. A primeira fase começou em março daquele ano.

Planilha entregue pelos delatores Ricardo Pessoa e Walmir Pinheiro, da UTC, que acusam Filippi de receber vantagens vinculadas a contratos da Petrobras, mostra que o petista teria recebido propina em abril e maio de 2014. Segundo eles, Filippi recebeu R$ 2,4 milhões em 2006 para a campanha presidencial e R$ 750 mil entre 2010 e 2014 de propina de contratos com a Petrobras. Filippi foi um dos dirigentes do Instituto Lula em 2011 e, de acordo com o MPF, recebeu propina enquanto ocupava o posto. Foi uma das 11 pessoas levadas a depor pela Polícia federal anteontem.

José de Filippi Junior não foi localizado pelo GLOBO. Em 2015, quando seu nome surgiu pela primeira vez na Lava-Jato, ele negou as acusações e afirmou que as doações foram legais e registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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Dilma vai à casa de Lula, em São Bernardo, para prestar solidariedade ao antecessor

Reunião durou uma hora. Falcão divulga vídeo em que diz que PT entra em campanha em abril

Por: STELLA BORGES

 

A força-tarefa da Lava-Jato, em documento da 24ª fase da operação, diz que a explicação do ex-presidente Lula ao negar a propriedade do tríplex em Guarujá “não corresponde à realidade”. Segundo o Ministério Público, a OAS informou que todos os apartamentos do prédio estão vendidos desde agosto de 2011, relata CLEIDE CARVALHO. Assim, a alegação de que Marisa Letícia, mulher de Lula, seria dona de uma cota do empreendimento, sem ter adquirido uma unidade, “não faz sentido”. Ontem, a presidente Dilma foi a São Paulo visitar Lula. O juiz Sérgio Moro disse que a condução coercitiva não significa antecipação de culpa e visou a preservar a ordem pública. Após sair em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sexta-feira, a presidente Dilma Rousseff fez outro gesto de solidariedade ao petista e o visitou na casa dele, em São Bernardo do Campo, na tarde de ontem. Os dois se reuniram por cerca de uma hora, enquanto 250 simpatizantes, segundo a Polícia Militar, fizeram vigília em frente ao prédio. Depois de cumprimentar as pessoas da sacada, a presidente foi embora, sem falar com a imprensa.

A reunião, que também contou com o ministro- chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, não fazia parte da agenda oficial de Dilma e ocorreu um dia após Lula ser obrigado a depor à Polícia Federal na 24 ª fase da Operação Lava-Jato.

Antes da visita, Lula foi à rua saudar os manifestantes e agradeceu a solidariedade, no microfone de um carro de som.

Também ontem, o presidente do PT, Rui Falcão, divulgou vídeos, nos quais confirma que a legenda vai entrar em processo eleitoral em abril. “Tivemos ontem (sexta) a notícia de que o presidente Lula, se for necessário, estará (em campanha) em 2018. Ele vai iniciar viagens no Brasil inteiro, e temos que contribuir com essa agenda”, pediu ele.

 

Em outra gravação, Falcão provocou o senador Aécio Neves (MG), presidente nacional do PSDB: “Se o senhor quiser, dispute sua indicação no PSDB, que não está muito fácil”.

Senadores relacionados:

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Moro defende condução coercitiva e diz que medida ‘não significa antecipação de culpa’

Em nota, juiz diz lamentar que operação tenha levado a confronto e repudia violência

 

O juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, divulgou nota ontem em que afirma que as buscas e apreensões e a condução coercitiva do ex-presidente Lula para prestar depoimento na última sexta-feira são medidas investigatórias que visam apenas a esclarecer a verdade e “não significam antecipação de culpa do ex-presidente".

A condução coercitiva de Lula na 24ª fase da Lava-Jato gerou polêmica no meio jurídico. Advogados e professores de Direito criticaram a decisão. Eles alegam que é praxe da Justiça convidar a testemunha ou o investigado a prestar esclarecimentos e, apenas em caso de recusa ou de não comparecimento injustificado, emite-se mandado de coerção. Mas, associações de classe — juízes, advogados e procuradores da República — saíram em defesa da operação.

A condução coercitiva é um instrumento legal que obriga o cidadão a depor perante a Justiça e é cumprida na presença da polícia. O objetivo é auxiliar o juiz nas investigações e não caracteriza prisão. Na decisão, Moro justificou o mandado como medida para preservação da ordem pública, citando o tumulto ocorrido no último dia 17, em Barra Funda (SP), onde manifestantes pró e contra Lula se envolveram em confronto. Na ocasião, estava previsto um depoimento do expresidente em outro processo na Justiça paulista, que foi cancelado em cima da hora.

“Colhendo o depoimento mediante condução coercitiva, são menores as probabilidades de que algo semelhante ocorra, já que essas manifestações não aparentam ser totalmente espontâneas”, escreveu Moro em seu despacho.

Apesar do temor de Moro, grupos pró e contra Lula brigaram em frente ao prédio do ex-presidente em São Bernardo do Campo e no aeroporto de Congonhas, onde o petista prestou depoimento. O juiz lamentou que a operação tenha levado a confrontos, ainda que pontuais, em “manifestações políticas inflamadas, com agressões a inocentes, exatamente o que se pretendia evitar”. Afirmou que repudia incitação à prática de violência.

Em nota, a força-tarefa da Lava-Jato disse que, em 24 fases da operação, houve 117 mandados de condução coercitiva e que em 116 não houve “tal clamor". Afirma que apesar do respeito que Lula merece, “esse respeito é-lhe devido na exata medida do respeito que se deve a qualquer outro cidadão”. Os procuradores lamentaram os confrontos.