O globo, n. 30.162, 06/03/2016. Rio, p. 12

Retrato do zika no estado

Pesquisa com fetos infectados pelo vírus mostra que quase um terço sofreu defeitos congênitos

Por: ANA LUCIA AZEVEDO

 

Um estudo com grávidas do estado mostra novas evidências de que o vírus zika causa anomalias graves em fetos. Publicada ontem no site da revista científica “The New England Journal of Medicine”, a pesquisa foi realizada por cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade da Califórnia com 88 gestantes do município do Rio, da Baixada Fluminense e de Teresópolis, na Região Serrana. O levantamento mostrou que 72 estavam infectadas, e 42 aceitaram ser acompanhadas pelos cientistas ao longo da gestação. Doze delas — 29% — geraram bebês com problemas congênitos.

O trabalho da Fiocruz e da Universidade da Califórnia foi o primeiro estudo sobre deformidades congênitas severas em fetos do Rio publicado em uma revista científica internacional.

“Nossas descobertas são importantes porque 29% das ultrassonografias mostraram anormalidades, incluindo restrição de crescimento intrauterino, alterações no sistema nervoso central e morte, nos fetos de mulheres positivas para infecção por zika. Eram todas mulheres saudáveis, com nenhum outro fator de risco ou complicações na gestação”, escreveram os autores do estudo na “New England Journal of Medicine”.

Os pesquisadores acompanharam as gestantes de setembro de 2015 a fevereiro de 2016. Das 88 mulheres, 72 (82%) tiveram resultado positivo para a zika em exames de PCR (moleculares) no sangue, na urina ou em ambos. O estudo foi realizado com grávidas de dez municípios fluminenses. O estudo localiza 65 casos. Na capital, 32 gestantes foram acompanhadas. Em Duque de Caxias, dez; em São João de Meriti, oito; em São Gonçalo, sete; em Nova Iguaçu, três; e em Magé, Belford Roxo, Queimados, Niterói e Teresópolis, uma grávida em cada um.

O critério para a inclusão das grávidas no estudo foi a apresentação de sintomas clínicos da infecção pelo vírus zika. Todas tinham exantemas, as erupções na pele características da infecção. A febre, porém, não foi um sintoma frequente ou intenso.

Um dos primeiros passos da pesquisa foi descartar outras infecções que podem causar defeitos congênitos, como rubéola e citomegalovírus, por exemplo. Nenhuma das grávidas tinha sífilis — outra doença que pode levar a problemas na gestação. Elas não apresentavam qualquer outro problema de saúde além de zika.

O estudo observa que duas das gestantes tiveram aborto espontâneo dos fetos durante o primeiro trimestre da gravidez — outras pesquisas já indicaram que os fetos podem ser tão afetados que acabam morrendo no ventre. As 42 mulheres que foram examinadas por meio de ultrassonografias ao longo do estudo tiveram zika entre a sexta e a 25ª semana de gestação. De acordo com o estudo publicado na “The New England Journal of Medicine”, as outras 30 infectadas não quiseram ser acompanhadas pelos cientistas por dificuldades de locomoção ou por medo de saberem quais anomalias seus bebês teriam.

 

MICROCEFALIA E SÍNDROME QUE PARALISA

O estudo com as grávidas do Estado do Rio começou a ser realizado antes da decretação da emergência pelo Ministério da Saúde, em novembro do ano passado. O vírus zika foi identificado pela primeira vez no Brasil em abril de 2015 e hoje, menos de um ano depois, já se propagou por quase todo o país. Apontado como a possível causa de um aumento do número de casos de microcefalia e defeitos neurológicos severos em bebês — o Ministério da Saúde investiga 4.222 casos suspeitos —, o vírus não ameaça apenas gestantes. O Brasil é um dos países onde, provavelmente por conta do zika, houve uma explosão de casos da síndrome de Guillain-Barré, que afeta o sistema nervoso central e causa paralisia e, em alguns casos, até a morte.

O GLOBO mostra, no infográfico abaixo, as principais informações disponíveis até agora sobre o vírus para ajudar a população a conhecer e a combater o inimigo, que será tema, a partir de amanhã, de uma reunião do Comitê de Emergência da Organização Mundial de Saúde (OMS). Um grupo de pesquisadores de vários países, inclusive do Brasil, se reunirá para rever recomendações sobre as viagens e o comércio internacionais. Eles também discutirão novas estratégias de combate à doença.