Título: Alívio nas bolsas, tumulto nas ruas
Autor: Batista, Vera
Fonte: Correio Braziliense, 06/10/2011, Economia, p. 12/13

Garantia de dirigentes europeus de que não deixarão bancos quebrarem fez mercados registrarem alta. Mas a crise continua aguda e deve atormentar o mundo

Depois de dois dias de pesadas perdas, as bolsas de valores viveram ontem um dia de trégua. Em meio a um quadro cada vez mais nebuloso, os investidores se apegaram com tudo às promessas das autoridades europeias de evitar qualquer quebra de banco na região, a começar pelo Dexia, instituição de capital franco-belga, que está a um passo da bancarrota. O Dexia pediu arrego anteontem, atolado em dívidas de mais de 95 bilhões de euros de nações à beira do calote, sobretudo a Grécia. O principal sinal de alívio veio da chanceler alemã, Angela Merkel. Ela garantiu que o seu governo fará o necessário para manter a saúde do sistema financeiro, uma atitude "justificável", afirmou.

Diante disso, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) encerrou o dia com alta de 0,65%, nos 51.013 pontos, puxada justamente pelas ações de bancos, que vinham desabando à medida que aumentava a desconfiança em relação ao sistema financeiro europeu. Os papéis do Bradesco avançaram 0,15%, os do Itaú Unibanco, 1,96%, e os do Banco do Brasil, 0,17%. Em Nova York não foi diferente e o índice Dow Jones avançou 1,21%. Na Nasdaq, a bolsa eletrônica, o salto chegou a 2,32%. "Os investidores esperam que, finalmente, os europeus tenham compreendido a gravidade da situação", disse Gregori Volokhine, da Meeschaert Capital Markets.

A reação dos mercados começou na Europa, epicentro da crise que pode levar o mundo a um longo processo recessivo. A Bolsa de Frankfurt, na Alemanha, liderou a alta: 4,91%. Paris registrou valorização de 4,33%. Em Milão, houve incremento de 3,94%. Em Londres, o salto chegou a 3,19%, e, em Madri, a 3,06%. Apesar desses números reluzentes, os analistas não têm dúvidas de que a onda de incertezas que varre a economia global e o medo de quebradeira dos bancos europeus ainda estão longe de dar sossego aos investidores. Para eles, não se pode esquecer, principalmente, o que está acontecendo na Grécia, país mergulhado em uma convulsão social e prestes a dar um calote em sua dívida, decisão que poderá arrastará junto Itália, Espanha, Irlanda e Portugal.

Polícia não se intimidou e partiu para cima dos manifestantes. Autoridades admitem que a situação do país é desesperadora

Ontem, por sinal, foi um dia dramático na Grécia, que não se comoveu com as declarações de Angela Merkel, de que aquele país "deve fazer parte da Zona do Euro, e que uma oportunidade para que ele se recupere deve ser dada". Dezenas de milhares de funcionários públicos gregos tomaram as ruas de Atenas e de Tessalônica para protestar contra as medidas de austeridade anunciadas pelo governo e exigidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela União Europeia (UE). Houve fortes confrontos com a polícia, muitos feridos ¿ inclusive jornalistas ¿ e pelos menos 10 pessoas presas.

Escolas e museus foram fechados, voos, cancelados, e hospitais só atenderam casos de emergência, numa greve de 24 horas. A revolta decorre, especialmente, da decisão do governo de colocar 30 mil servidores em casa, com redução de 40% do salário até dezembro próximo, antes de uma provável demissão após um ano. A meta é reduzir drasticamente os gastos públicos do país. Pelo acordo fechado com o trio de credores: UE, FMI e Banco Central Europeu, o governo terá de cortar o quadro do funcionalismo público de 750 mil pessoas para 150 mil até 2015. Neste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) da Grécia deverá cair 5,5%.

Levantando bandeiras negras, arqueólogos do Ministério da Cultura, funcionários do Tesouro Nacional, do Desenvolvimento e de empresas públicas como a Eydap (água) e a Trainose (ferrovias), gritavam slogans contra as políticas do governo, da UE e o do FMI. "Não ao desemprego parcial, não às demissões, não à miséria", podia ser lido em um cartaz. Os problemas da Grécia são tão graves que ninguém acredita mais na sua salvação ¿ o calote da dívida, que chega 1 65% do PIB, é inevitável.

Tanto que o ministro grego da Economia, Michalis Chryssohoidis, classificou a situação de seu país como "bastante desesperadora", conforme entrevista que será publicada hoje pela revista alemã Die Zeit. "Nossa situação é bastante desesperadora, porque reduzimos, de forma sempre mais drástica, a renda das pessoas. Os gregos vivem a situação atual de forma muito dolorosa", declarou. "Quando veremos a luz no fim do túnel? Não podemos responder", completou.