O globo, n. 30.158, 02/03/2016. País, p. 8

Cunha, o protelador

Com sucessivas manobras, peemedebista impediu durante quatro meses o avanço das investigações contra ele na Câmara; hoje o STF pode torná- lo réu

Por: Eduardo Bresciani/ Carolina Brígido/ Isabel Braga/ Marco Grillo

 

Senhor do tempo no processo de cassação a que responde na Câmara dos Deputados, onde a representação passou quatro meses na estaca zero antes de ser votada ontem à noite, o presidente da Casa, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), terá sua situação analisada por uma Corte que tem lhe imposto sucessivas derrotas: o Supremo Tribunal Federal ( STF). Enquanto no Conselho de Ética Cunha e seus aliados conseguiram impedir que o processo andasse, no Supremo a tentativa de sua defesa de adiar a decisão foi rechaçada ontem pelo ministro Teori Zavascki. Assim, o julgamento que pode transformá- lo em réu na Lava- Jato começa hoje.

A expectativa dos adversários do presidente da Câmara é que uma decisão do STF contra Cunha dê força ao processo de cassação e possa até ser seguida de uma deliberação do próprio Supremo pelo afastamento dele do cargo, o segundo na linha sucessória da Presidência da República.

 

PROPINA DE US$ 5 MILHÕES

A denúncia que vai a julgamento no STF é relativa a um inquérito pedido pelo procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, em 3 de março de 2015. A investigação começou com uma acusação do doleiro Alberto Yousseff.

O doleiro disse que Cunha pressionou o lobista Julio Camargo a pagar propina, com a ajuda do também lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano. Camargo e Baiano, também delatores da Operação Lava- Jato, reforçaram as acusações. Frisaram que os pagamentos, de US$ 5 milhões, se deviam à contratação de naviossonda pela Petrobras. Cunha tenta impedir o avanço das investigações.

O caso de Cunha só foi levado ao Conselho de Ética em outubro do ano passado, quando foi revelado que o parlamentar possuía quatro contas na Suíça. Sete meses antes, Cunha comparecera à CPI da Petrobras. Em meio a demonstrações de apoio de colegas, disse na ocasião que não possuía nenhuma conta no exterior. Após a revelação das contas na Suíça, alegou que elas eram de uma empresa e que ele seria só o beneficiário dos recursos. A posse dessas contas é investigada em outro inquérito no STF.

A CPI da Petrobras foi usada por Cunha e aliados para tentar derrubar acusações. Foi aprovada a quebra de sigilos de parentes de Yousseff, evitado o depoimento de Camargo e convocada a advogada Beatriz Catta Preta, após a informação de que um de seus clientes tinha implicado Cunha em uma delação premiada. Catta Preta acabou largando o caso e deixou o Brasil, dizendo que se sentia ameaçada. Hoje, vive nos Estados Unidos.

Até uma empresa privada de investigação, a Kroll, foi contratada pela CPI para rastrear bens que delatores teriam ocultado — o que poderia anular os acordos de colaboração.

Mas foi no Conselho de Ética que o controle de Cunha sobre a Câmara ficou mais claro. A Mesa da Casa, presidida por ele, demorou 14 dias só para numerar a representação. Desde então, foram manobras sucessivas para impedir o andamento do processo.

Cunha abriu sessões de votação na hora em que o Conselho decidia os rumos de seu processo, obrigando o encerramento das atividades do colegiado. Aliados seus levaram ao Conselho acusações contra adversários, como o deputado Chico Alencar ( PSOL- RJ), para atrasar a análise do caso do presidente.

A defesa de Cunha, coordenada no Conselho pelo advogado Marcelo Nobre, recorreu ao STF para tentar paralisar as atividades no colegiado. Sem sucesso, recursos foram encaminhados ao vice- presidente da Câmara, Waldir Maranhão ( PP- MA), que destituiu o deputado Fausto Pinato ( PRB- SP) da relatoria. Pinato defendera a admissibilidade do processo contra Cunha. Maranhão também anulou decisão do próprio Conselho, quando o colegiado aprovou a continuidade das investigações, com base em parecer de Marcos Rogério ( PDT- RO).

Desde a volta dos trabalhos, em fevereiro, o Conselho tentava realizar nova votação do parecer de Rogério, o que ocorreu ontem à noite. Cunha e os aliados mantiveram as manobras: substituíram integrantes do colegiado e tentaram o tirar o deputado José Carlos Araújo ( PSD- BA) da presidência do Conselho.

Na sessão de ontem, os aliados de Cunha mantiveram a estratégia de apresentar seguidos requerimentos e questões de ordem. À tarde, ainda conseguiram adiar novamente a decisão, devido ao início dos trabalhos no plenário, o que impede o funcionamento do Conselho. Mas a sessão em plenário acabou por volta de 22h30m, e os deputados retomaram a sessão no Conselho e aprovaram a abertura do processo de cassação. ( Colaborou Manoel Ventura, estagiário sob a supervisão de Maria Lima)

 

A CPI da Petrobras, no ano passado, foi usada por Cunha e seus aliados para tentar derrubar as acusações contra o presidente da Câmara

 

 

EMPERRANDO A ENGRENAGEM
AS MANOBRAS DE CUNHA E ALIADOS PARA RETARDAR O PROCESSO NO CONSELHO DE ÉTICA
 

CAMINHO LENTO

A simples numeração da representação contra Cunha na Câmara levou 14 dias para acontecer. Só depois disso é que o processo foi encaminhado ao Conselho de Ética

 

RECURSO JUDICIAL

Cunha acionou o Supremo Tribunal Federal ( STF) e pediu a suspensão de seu processo de cassação. O pedido foi negado

 

AÇÃO DE ALIADOS

Deputados ligados a Cunha pediram à Mesa Diretora a anulação da votação que decidiu pela admissibilidade do processo e a troca do relator. Também aliado, o vice- presidente da Câmara, Waldir Maranhão ( PP- MA), acatou os dois pedidos

 

RECURSO INTERNO

Advogado de Cunha recorreu rreu à Comissão de Constituiçãoão e Justiça para tentar reabrir o prazo de defesa, atrasando do o processo

 

DEBATE INFRUTÍFERO

Sessões do Conselho foram marcadas por questões de ordem apresentadas por aliados, em tentativa clara de protelar a análise do caso

 

REUNIÃO INTERROMPIDA

Cunha abriu a sessão de votação no plenário enquanto o Conselho de Ética analisava o processo que pede sua cassação. Dessa forma, a reunião não pôde prosseguirsseguir

 

DESVIO DE FOCO

Aliados apresentaram representações no Conselho contra os deputados Chico Alencar e Jean Wyllys, ambos do PSOL, para encher a pauta do Colegiado e retardar a análise do processoproc de Cunha

    Órgãos relacionados:

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    Pressão de magistrados deve adiar votação sobre teto de salários

    Projeto, que limita remunerações, pode economizar R$ 800 milhões/ano

    Por: Isabel Braga/ Martha Beck

     

    BRASÍLIA — A pressão de representantes de entidades de magistrados, juízes federais, desembargadores e do Ministério Público funcionou, e a votação do projeto que tenta limitar os supersalários, marcada para esta quarta-feira, deverá ser adiada. Líderes de oposição e alguns da base aliada concordaram que é preciso debater mais o relatório do deputado Ricardo Barros (PP-PR).

    O lobby do Judiciário e do Ministério Público defende, por exemplo, a retirada do cálculo do teto de verbas indenizatórias, como gratificações, diárias e, auxílio-moradia. O governo defende a votação do projeto, e Barros diz que seu texto permitirá uma economia de R$ 800 milhões por ano aos cofres públicos.

    Segundo Barros, o governo tentará votar hoje o texto. Admite, porém, que a decisão dependerá dos líderes.

    — O projeto está pronto. O governo vai tentar convencer os líderes a votar, vai insistir em votar, mas temos que avaliar. O projeto é para o servidor público como um todo, com uma regra geral. Tem gente que pede para mudar para determinadas categorias. As entidades estão cientes de que é preciso votar — disse Barros

    Ontem de manhã, magistrados, juízes, procuradores e desembargadores lotaram o gabinete do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e pediram o adiamento da votação. A pressão pelo adiamento e por mudanças no texto contou com a presença de vários presidentes de Tribunais de Justiça dos estados. À tarde, representantes das entidades se reuniram com Barros para apresentar sugestões de alteração no texto.

    O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa, disse que o projeto desestrutura as carreiras de Estado, no momento em que o país precisa de estabilidade. Segundo ele, serviços extras prestados, por exemplo, por magistrados em Tribunais Regionais Eleitorais ficariam sem remuneração. Outra questão diz respeito às aulas que magistrados podem ministrar. Como seus vencimentos extrapolam o teto previsto, eles não poderiam receber.

    Na avaliação da equipe econômica, a aprovação do projeto, que fixa um teto salarial do funcionalismo público, é essencial ao ajuste fiscal e para corrigir distorções. Essas distorções levam os ganhos de alguns servidores, especialmente do Judiciário, a patamares estratosféricos.

     

    NO RIO, GANHO DE R$ 40,3 MIL

    No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, havia 848 magistrados no final de 2014, segundo dados levantados por técnicos do governo, sendo que 80% ganhavam acima do teto estadual: R$ 26,6 mil naquele ano.

    Em média, a remuneração era de R$ 40,3 mil. Pelas contas dos técnicos, se o teto fosse respeitado, seria possível ter 481 juízes a mais à disposição do tribunal.

     

    Os ganhos acima do teto, em geral, são decorrência de uma série de benefícios adicionais pagos aos servidores, como abonos salariais, gratificações e auxílios com moradia, creche e transporte. Isso gera uma conta milionária para o Estado. No TJ do Rio, os gastos acima do teto em 2014 chegaram a quase R$ 140 milhões. Procurado, o TJ do Rio não se manifestou.

    — A verba de indenização é para reparar um dano. Qual é o dano que pode haver para que tantos servidores recebam valores tão grandes acima do teto? — diz um técnico do governo.

    Foi para tentar conter esses gastos e ajudar no reequilíbrio fiscal que a equipe econômica enviou ao Congresso, em setembro de 2015, um projeto de lei que fixa um teto para o funcionalismo. A proposta cria cria duas categorias de pagamento para os servidores: remuneração (que não pode superar o teto) e indenização. A remuneração passa a englobar abono, gratificação e outros “penduricalhos” como auxílio creche e transporte.

     

    Números

     

    R$ 40,3

    MIL

    Remuneração média dos magistrados do TJ do Rio em 2014, segundo o governo

     

    481

    JUÍZES A MAIS

    Poderiam estar à disposição do TJ do Rio, se o teto de R$ 26,6 mil tivesse sido respeitado

    Órgãos relacionados: