Correio braziliense, n. 19273, 02/03/2016. Política, p. 2

CAMPANHA QUITADA COM DINHEIRO ILEGAL

CRISE NA REPÚBLICA » Executivos da Andrade Gutierrez afirmam em delação que a empreiteira pagou os débitos de Dilma Rousseff nas eleições de 2010 por meio de repasses fictícios à produtora Pepper. Tesoureiro nega irregularidades
Por: NAIRA TRINDADE E JOÃO VALADARES

NAIRA TRINDADE

JOÃO VALADARES

 

A delação premiada de 11 executivos da segunda maior empreiteira do país, a Andrade Gutierrez, ameaça arrastar a campanha eleitoral de 2010 da presidente Dilma Rousseff para o olho do furacão da Operação Lava-Jato. Investigadores se debruçam sobre a suspeita de pagamento ilícito de prestação de serviços em pleno período eleitoral por meio de contrato fictício. Sob a mira da investigação, está a agência de comunicação Pepper, que trabalhou para campanha da presidente Dilma em 2010, prestando serviço relacionado à comunicação. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, para dar aspecto de regularidade ao pagamento da contabilidade, a Andrade produziu um contrato fictício de mais de R$ 5 milhões com a agência Pepper.

De acordo com trecho da delação premiada, a empresa teria simulado um contrato com uma agência de comunicação para repassar R$ 6 milhões à campanha presidencial. Entre os executivos da empresa que prestam depoimento pelo acordo de colaboração estão Otávio Azevedo, ex-presidente do grupo, e Flávio Barra, ex-presidente da construtora, ambos alvos da Operação Lava-Jato. As delações ainda precisam ser homologadas pela Justiça.

Em 2010, a campanha da presidente Dilma Rousseff declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter feito 16 pagamentos que somam R$ 6,5 milhões entre janeiro e dezembro em serviços prestados pela Pepper. Também na prestação de contas, o comitê financeiro informou, à época, ter recebido três doações da Andrade Gutierrez, entre agosto e outubro, que somaram R$ 5,1 milhões. A triangulação de repasse de valores é considerada por ministros do TSE uma manobra para se fazer caixa dois.

As informações levantadas pelos executivos dizem respeito à campanha cujo mandato já está encerrado. Judicialmente, não há um temor caso se confirme o crime eleitoral — o mandato referente à eleição sob suspeita já se encerrou. No entanto, há dentro do Palácio do Planalto o medo de que a denúncia sirva de combustível para esquentar ainda mais os ânimos da oposição, já fortalecida em relação ao enfraquecimento do governo. “O problema é a contaminação do debate político, a oposição que vai fazer barulho, vai criar zona de instabilidade no Congresso e contaminar ministro do TSE”, diz um assessor ligado ao governo.

 

Estratégia de defesa

Oficialmente, o Palácio do Planalto não comenta o caso, que ainda está em investigação. Interlocutores palacianos afirmam, porém, que a estratégia será desassociar o caso das quatro ações que tramitam no TSE em relação à campanha de 2014. A Presidência teme que  sejam constatadas irregularidades. A alegação é de que as contas de 2010 não tiveram o mesmo rigor das de 2014, que já sofriam influência da devassa promovida pela Operação Lava-Jato.

Outras delações já se aproximaram da campanha da presidente. O lobista e delator Fernando Baiano, apontado como operador do PMDB, disse que o ex-ministro petista Antonio Palocci recebeu R$ 2 milhões para repassar à campanha de 2010. O dono da empreiteira UTC, Ricardo Pessoa, que também firmou acordo para delação premiada, falou que repassou R$ 7,5 milhões para a campanha.

Em resposta às irregularidades, o tesoureiro da campanha presidencial de 2010, José de Filippi Júnior, alegou que os serviços prestados pela Pepper foram regularmente contabilizados nas prestações de contas aprovadas pelo TSE. “Os valores pagos a esta empresa foram da ordem de R$ 6,4 milhões.” “O vazamento truncado e seletivo de informações atribuídas a delações premiadas submetidas a sigilo legal, independentemente de quem pratica, é ato ilícito e exige apuração imediata por parte das autoridades responsáveis”, concluiu. A agência Pepper afirmou que não comentaria a investigação em andamento. O PT também não quis comentar as suspeitas de irregularidades na campanha.

 

O petrolão nas campanhas

Pelo menos três delatores relataram à força-tarefa da Lava-Jato a existência de contribuições eleitorais financiadas pelos desvios na Petrobras

 

Fernando Baiano, lobista

O operador do PMDB no esquema disse que o ex-ministro petista Antonio Palocci recebeu R$ 2 milhões para repassar à campanha da presidente Dilma Rousseff, em 2010. Palocci, que foi coordenador-geral da campanha, nega as acusações. Baiano informou que o acordo para o repasse do dinheiro, fruto de corrupção na Petrobras, foi fechado no comitê de Dilma, em Brasília, depois de encontro entre ele, o ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa e Palocci.

 

Ricardo Pessoa, empreiteiro

O dono da construtora UTC, Ricardo Pessoa, que também firmou acordo para delação premiada, afirmou que repassou R$ 7,5 milhões para a campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff após ter sido pressionado pelo ministro Edinho Silva. O petista nega as acusações e diz que todas as doações foram feitas legalmente e homologadas pelo TSE.

 

Pedro Barusco, ex-executivo da Petrobras

Considerado um dos operadores do PT no esquema, ele apresentou planilha indicando os recursos, fruto de propina na estatal, que foram repassados para o PT. As anotações indicam que o Partido dos Trabalhadores recebeu pelo menos R$ 406 milhões do esquema de corrupção. Os valores foram obtidos entre maio de 2004 e fevereiro de 2011. O dinheiro teria saído do caixa de 41 empreiteiras e estaleiros. O documento consta no inquérito da 23ª fase da Operação Lava-Jato.