Correio braziliense, n. 19276, 05/03/2016. Política, p. 2

OS CAMINHOS QUE LEVARAM A LULA

Por: EDUARDO MILITÃO

EDUARDO MILITÃO

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou definitivamente na mira da Polícia Federal. Três meses depois de prender o pecuarista José Carlos Bumlai — e, assim, aproximar as investigações sobre repasses de recursos ilegais do petista —, a corporação conduziu coercitivamente o homem que comandou o país por dois mandatos a uma ala destinada a autoridades no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, para prestar depoimento. Naquele mesmo momento, outros grupos da PF cumpriaram mandados de busca em endereços de Lula, do instituto que leva o nome dele, de aliados e das empreiteiras Odebrecht e OAS. O depoimento durou mais de três horas.

O Ministério Público Federal no Paraná afirma que o petista foi “um dos principais beneficiários” do esquema de corrupção na Petrobras, do qual sabia de tudo, “enriqueceu” e usou os desvios para financiar campanhas políticas de seus aliados. O instituto e a empresa ligada ao petista receberam R$ 30,6 milhões de cinco empreiteiras investigadas na Lava-Jato. 

Irritação
Em nota, o Instituto Lula rechaçou as ações. O ex-presidente “jamais se envolveu direta ou indiretamente em qualquer ilegalidade, sejam as investigadas no âmbito da Lava Jato, sejam quaisquer outras”. Para a entidade, a condução coercitiva foi uma “violência” desnecessária, arbitrária, ilegal e injustificável”. Um policial narrou ao Correio que Lula se irritou com as perguntas do delegado e se disse desrespeitado com o depoimento forçado.

Em cidades de São Paulo, no Rio de Janeiro e em Salvador, 200 policiais e 30 auditores da Receita Federal cumpriram 33 ordens de busca e apreensão e 11 de condução coercitiva expedidas pelo juiz do caso no Paraná, Sérgio Moro. Era a 24ª fase da Lava-Jato, a Alethea, uma referência à busca da verdade, simbolizada por uma semideusa da mitologia grega. Segundo a Polícia Federal, o espírito é o mesmo da etapa “Erga Omnes”, ou seja, “a lei é para todos”.

Investigadores da PF ouvidos pelo  Correio esclareceram que a condução de Lula se deveu a uma série de informações reunidas ao longo da operação. Primeiro, na fase “Passe Livre”, que prendeu Bumlai, obtiveram informações do delator Fernando Baiano sobre o suposto envolvimento do ex-presidente em operação para garantir pagamento de dívida do PT e contrato bilionário para o banco e construtora Schahin na Petrobras.

A partir daí, foram coletados elementos que ligavam Lula a recebimento de propinas, ainda que em forma de favores, de empreiteiras com contratos no governo, como o tríplex no Guarujá, o sítio em Atibaia, a mudança de objetos do Palácio do Planalto e os valores de palestras das firmas. A escalada de revelações e comprovações do que antes só se sabia de “ouviu dizer” forçou um pedido de esclarecimentos do petista.

Além disso, a resistência de Lula a algumas apurações recentes causou temor. Depois de depor à polícia em dezembro e em janeiro, ele deixou de comparecer a um depoimento à Justiça e comprou briga com o Ministério Público de São Paulo. Uma oitiva marcada com antecedência, em 17 de fevereiro, virou quebra-quebra e violência na capital paulista.

Moro embasou o pedido em uma decisão do STF, relatada pelo presidente da Corte, Ricardo Lewandowski. A medida dividiu magistrados e políticos (leia mais na página 6). Lula disse que deporia se lhe fosse enviado um “ofício”. Uma fonte do caso afirmou que isso seria impossível. “Se fosse marcado o depoimento, o ex-presidente não apareceria ou provocaria tumultos, que não tem nada de espontâneos”, ironizou. Os investigadores da Lava-Jato pediram a prisão do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto, mas Moro negou. Ficaram com a condução coercitiva de Lula, o que causou ainda mais tensão em Brasília.  Além de Lula e Okamoto, também foram alvos da Lava-Jato os filhos do ex-presidente e Clara Ant, diretora do instituto que leva o nome do petista.