O Estado de São Paulo, n. 44701, 07/03/2016. Especial, p. H4

Energia eólica ganha competitividade

Renée Pereira

No Brasil das grandes hidrelétricas, a energia dos ventos caiu nas graças dos investidores. Em dez anos, as eólicas saíram de irrisórios 27,1 megawatts (MW) para 8,7 mil MW de capacidade instalada, o equivalente a 6,2% da matriz elétrica brasileira. O País passou a ocupar a 10.ª posição no ranking dos maiores produtores de energia eólica do mundo. O crescimento exponencial se deve a uma conjunção de fatores positivos, como o avanço tecnológico que permitiu o barateamento da produção.

A partir de 2009, quando o governo começou a realizar leilões dedicados à energia eólica, o preço despencou para algo próximo de R$ 100 o MWh – comparável ao custo das hidrelétricas. Até então, a experiência de parques eólicos no Brasil era subsidiada pelo Programa Federal de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, em que cada MWh custava algo em torno de R$ 250.

Em dificuldade para tirar grandes projetos hidrelétricos do papel, o governo abriu as portas para a indústria eólica, ávida por novos mercados. Com a crise internacional de 2008, o consumo de energia elétrica recuou no mundo todo e projetos de novas usinas foram paralisados, deixando fábricas de equipamentos com a capacidade ociosa elevada. No Brasil, no entanto, o consumo de energia crescia 12% ao ano.

Várias multinacionais desembarcaram no País, aumentando a concorrência e derrubando o preço.Ao contrário do resto do mundo, que subsidiava as eólicas, aqui os projetos tinham de passar por leilões, nos quais vencia quem oferecesse a menor tarifa de energia. Com isso, os fabricantes tiveram de ser mais competitivos e desenvolver equipamentos adequados ao mercado brasileiro, afirma Odilon Camargo, um dos maiores especialistas em ventos do Brasil.

“Para projetar uma nova máquina (aerogerador), levaria muito tempo e seria mais arriscado. O passo mais rápido foi ampliar o tamanho da pá”, afirma o especialista, que ajudou a desenvolver um grande aerogerador da Alemanha, na década de 70. Segundo ele, para cada 10% de aumento do raio da pá, consegue-se elevar em 20% a área de captação do vento. Quanto mais alto, mais forte é o vento.

 

Evolução. A presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum, explica que o aumento do tamanho de torres e pás trouxe maior eficiência aos parques, que produzem mais energia. Para se ter ideia da evolução da indústria, afirma a executiva, até 2004, as torres geravam 1 MW. De 2004 para 2009, a capacidade chegou a 2 MW.

“Atualmente, temos unidades de 3 MW, com torres entre 100 e 120 metros e pás de 55 a6 0 metros. E já há estudos para torres de 4 MW (nos projetos offshore, em alto-mar, essas potências já chegam a 7,5 MW).” No jargão do setor, o aumento do tamanho do equipamentos significou um ganho no fator de capacidade dos parques eólicos –ou seja, quanto a unidade produz da sua capacidade total. O indicador dos projetos dos primeiros leilões ficava em torno de 50%. Hoje, diz Camargo, já vemos empreendimentos com 60% de fator de capacidade.

“Embora venha sendo pesquisada há mais de 50 anos, a energia eólica economicamente viável é nova. Tem pouco mais de 20 anos”, afirma Elbia. Segundo ela, com a crise do petróleo, no fim dos anos 70, a Europa decidiu diversificar sua matriz e diminuir a dependência do combustível fóssil. Uma das apostas foi a energia eólica. Alemanha e Dinamarca foram as precursoras na exploração da força do vento e instalaram diversos parques eólicos em seus territórios. De lá pra cá, diz Elbia, houve uma evolução muito expressiva na tecnologia.

Camargo explica que, com o tamanho maior dos equipamentos, os fabricantes tiveram de buscar novos materiais para diminuir o peso do sistema. A fibra de carbono, por exemplo, passou a ser usada por algumas empresas. “Em 2012, a Tecsis chegou a consumir 10% da produção de fibra de carbono no mundo”, exemplifica.

Mas Camargo destaca que o desenvolvimento de novas tecnologias tem chegado ao limite. O gigantismo dos equipamentos tem exigido manobras complexas para o transporte das peças.

Além disso, a instalação requer guindastes cada vez maiores – alguns precisam de até 15 Caminhões para transportá-los.

Diante dessa dificuldade logística, algumas empresas estão começando a estruturar pás seccionadas, acima de 65 metros, diz Elbia.“Elas são fabricadas em partes e são montadas no local de instalação do parque.” Nos cálculos de Camargo, a modularização das pás pode reduzir o custo de geração de energia em até 20%. Elbia também concorda que a trajetória de evolução está chegando no topo. Até la, no entanto, o Brasil ainda tem muito para crescer.A cadeia do setor eólico cresceu 35% no ano passado e investiu R$ 22 bilhões. Neste ano, serão mais R$ 25 bilhões.

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Energias renováveis demandam baterias

Os fortes investimentos em energia renovável, em especial na eólica e solar, têm demandado o desenvolvimento de tecnologias que consigam baratear alternativas de armazenamento da energia produzida. Como dependem da intensidade do vento e do sol, essas centrais elétricas não podem produzir energia 100% do tempo e são inseridas no sistema brasileiro como fontes complementares às hidrelétricas.

Mas, para resolver esse problema e aproveitar todo o potencial da natureza, há um batalhão de especialistas debruçados sobre estudos para tornar economicamente viável a produção de baterias que consigam armazenar a energia produzida por eólicas e solares. “Algumas empresas têm estudos aprofundados. Mas, por enquanto, essas baterias são muito caras”, destaca o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), José Goldemberg, um dos principais cientistas brasileiros especializados em energia.

Ele explica que as baterias são as mesmas usadas para os carros elétricos, mas com mais capacidade. “Para se ter uma ideia do custo, as baterias usadas nesses carros custam mais de US$ 20 mil, quase metade do valor do carro.”

O diretor superintendente da recém-criada Associação Brasileira de Armazenamento e Qualidade de Energia (Abaque), Carlos Augusto Leite Brandão, conta que a questão do armazenamento vem sendo discutida no mundo há cerca de dez anos. No Brasil, além da discussão em torno das baterias para armazenar energia eólica, algumas iniciativas de menor porte começam a surgir. Ele conta que um condomínio de24 casas de alto luxo em Fortaleza vai usar bateria para garantir energia caso haja algum blecaute. “É do tamanho de um contêiner. Se acabar a energia, ela nem sentirá.”

Segundo ele, há outros projetos da mesma natureza no Rio e em Santa Catarina, sejam residenciais ou em estabelecimentos comerciais. “Pelo custo da energia no Brasil, esses investimentos já são alternativa viável para os consumidores.”

Outro tipo de armazenamento que Brandão quer introduzir no País é o conceito de usinas hidrelétricas reversíveis. A água que passa pela turbina à noite, quando a demanda é fraca, é bombeada para o reservatório, que usará a mesma água durante o dia. “Fomos um dos primeiros a fazer isso no mundo e abandonamos. Hoje o resto do mundo faz e nós não.” / R.P.´

 

CRONOLOGIA

 

Evolução das eólicas

 

900 d.C

Uso da eólica para bombeamento de água e moagem de grãos por meio de cataventos

 

Século XIX

Aplicação dos princípios básicos de funcionamento dos moinhos de vento para produção de energia elétrica.

 

1891

A introdução de um novo modelo de equipamento desencadeou a pesquisa, desenvolvimento e comercialização de energia eólica na Dinamarca e Alemanha no século XX

 

1920

Desenvolvimento dos sistemas de gerador eólico inspirado no design das hélices de avião e asas de monoplano, caracterizado pelo pequeno porte com uso em áreas rurais

 

1958

Construção de aerogerador com o maior número de inovações da época, as quais persistem até hoje

 

2011

Siemens desenvolve turbina eólica de 6MW para plantas offshore. Turbina tem 50% menos peças móveis do que as máquinas com engrenagens

 

2012

 

Wobben inclui em seu portfólio uma turbina de 7,5MW para plantas off shore