Correio braziliense, n. 19274, 03/03/2016. Política, p. 2

MAIORIA DO SUPREMO VOTA CONTRA CUNHA

CRISE NA REPÚBLICA » Seis ministros aceitam denúncia do Ministério Público contra o presidente da Câmara por crimes ligados ao Petrolão. A Corte deve colocar o parlamentar no banco dos réus hoje, após o voto de cinco magistrados
Por: JULIA CHAIB E HÉDIO FERREIRA JÚNIOR

JULIA CHAIB

HÉDIO FERREIRA JÚNIOR

Especial para o Correio

 

Após aplicar manobras para postergar análises que pudessem colocar seu mandato em risco, em menos de 24 horas o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), recebeu dois contra-ataques que o deixaram em situação política delicada. Depois de o Conselho de Ética da Casa aprovar a abertura de processo contra o parlamentar, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou por transformar o peemedebista em réu no âmbito da Lava-Jato. Seis ministros acolheram parte da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) que o acusa de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Hoje, o julgamento será retomado. Faltam cinco votos a serem proferidos. Caso o resultado se confirme — os ministros ainda podem mudar o voto —, esta será a primeira ação penal aberta na Corte para investigar o escândalo de corrupção na Petrobras.

Depois da sustentação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e do advogado de Cunha, Antonio Fernando de Souza, o relator do caso, Teori Zavascki, leu o voto em que afirmava ter elementos “robustos” de recebimento de propina pelo deputado. Para o ministro, Cunha e a ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ) usaram o cargo para pressionar e receber valores ilícitos. O voto foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello,  Rosa Weber, Carmén Lúcia e Edson Fachin. Ainda precisam votar Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli.

Zavascki acatou apenas a parte da denúncia que acusa Cunha de ter cobrado e recebido propina a partir de 2010. A PGR defende que há provas de ele ter recebido pelo menos US$ 5 milhões entre 2006 e 2012 em propina para facilitar negócios envolvendo a compra de dois navios do consórcio Mitsui-Samsung, da Coreia do Sul. O esquema foi intermediado por Júlio Camargo, ex-consultor da empreiteira Toyo Setal, para a Petrobras. Mas, segundo Teori, não há comprovação de que Cunha e Solange Almeida, também acusada, tenham facilitado a compra inicial dos navios entre 2006 e 2007. Por esse motivo, rejeitou essa parte da acusação.

Ao apresentar a denúncia ontem, Janot defendeu que Cunha criou uma “propinolândia” ao obter vantagens pessoais em compras e contratações de servido pela Petrobras. De acordo com ele, o propinoduto foi encabeçado pelo parlamentar. “As denúncias não se baseiam em delações premiadas e, sim, em fartas provas que as embasaram”, disse Janot. Na sessão de ontem no Supremo, Janot comparou a participação do presidente da Câmara no esquema de corrupção da Petrobras com o mito de Hermes, da mitologia grega, e completou — como uma espécie de “tome vergonha na cara” — ao dizer que uma das práticas para êxito na política e a capacidade de se envergonhar.  “O conteúdo do voto do relator nos permitiu reconhecer com muita segurança que há indícios suficientes tanto de materialidade como de autoria”, disse o ministro Luís Roberto Barroso. O acolhimento da denúncia reforça o processo de Cunha no Conselho de Ética da Câmara. Após finalizar o julgamento, o STF terá de analisar outro pedido da PGR, que solicita o afastamento de Cunha do cargo.

 

Defesa

Em depoimento, Camargo afirmou ter encontrado Cunha no Rio de Janeiro, em 2011, quando o deputado cobrou o pagamento da propina. Como forma de pressionar, em 2012, a então deputada Solange Almeida, seguindo ordens do deputado federal, tentou aprovar dois requerimentos para investigar os contratos de Camargo. O advogado do presidente da Câmara afirmou que ele não recebeu propina e que Camargo estava sob pressão na hora do depoimento. Afirmou também não haver provas do ilícito. Antes de proferir o voto sobre o mérito da denúncia, porém, Zavascki rechaçou essas questões preliminares — inconsistências apresentadas pela defesa. “Não vejo relevância nessa alegação de que ele teria sido coagido a mudar a sua versão”, disse o ministro.

Teori também contestou a fala de que não havia provas e só depoimentos. “A palavra do colaborador, por si só, não representa nada em termos de prova, mas só o início e um caminho para a busca dela. Não tem nenhum valor e isso está expresso na lei. Por essas razões, não vejo relevância nessa alegação de que ele teria sido coagido a mudar sua versão”, avalia.

O único ministro a contestar essa parte do voto de Teori foi Marco Aurélio Mello, que acatou a preliminar da defesa de que Eduardo Cunha não teria tido amplo acesso às delações premiadas para a elaboração da sua defesa. Ele, porém, foi voto vencido. Outro ponto questionado por Marco Aurélio foi se o STF deveria investigar Solange, que hoje é prefeita de Rio Bonito (RJ) e não tem mais foro privilegiado. Mais uma vez, foi voto vencido. Teori, no entanto, refutou o questionamento. “A conduta está umbilicalmente ligada à de Eduardo Cunha”, disse o ministro.

 

Em campos opostos

O julgamento sobre a denúncia envolvendo Eduardo Cunha colocou em campos opostos dois membros do antigo grupo dos “Tuiuius” do Ministério Público — notabilizados por defenderem a independência da instituição. Na acusação, Rodrigo Janot, e, na defesa do peemedebista, e Antônio Fernando de Souza. Célebre pela atuação durante o escândalo do mensalão, o agora procurador aposentado defende um cliente contra o qual pesam denúncias semelhantes às apresentadas pelo próprio advogado contra os mensaleiros, nos tempos de procurador-geral.

 

Frase

“Estou absolutamente tranquilo porque estou com a verdade. Estou com a inocência e a verdade”

Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados