O Estado de São Paulo, n. 44700, 06/03/2016. Política, p. A4

Moro repudia 'incitação à violência'; PT planeja novos atos em defesa de Lula

Um dia após ter autorizado a condução coercitiva (obrigatória) do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento na Operação Lava Jato, o juiz federal Sérgio Moro afirmou, em nota divulgada ontem, que “repudia, sem prejuízo da liberdade de expressão e de manifestação política, atos de violência de qualquer natureza, origem e direcionamento, bem como a incitação à prática de violência, ofensas ou ameaças a quem quer que seja, a investigados, a partidos políticos, a instituições constituídas ou a qualquer pessoa”. A manifestação do magistrado fora dos autos da operação é uma reação aos protestos ocorridos anteontem contra a decisão dele de obrigar o ex-presidente a depor. O Ministério Público Federal também reagiu contra as críticas à medida. Os atos foram organizados por militantes do PT e incentivados por Lula em pronunciamentos feitos em São Paulo. O PT avalia que a comoção em torno de Lula vai fortalecer o partido na disputa pelas ruas com os grupos antipetistas e a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Dirigentes do partido estimam que as manifestações anti-Dilma, marcadas para o próximo dia 13, sejam maiores do que as do dia 15 de março do ano passado, que reuniram mais de 1 milhão de pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo, e se preparam para enfrentá-las. O depoimento obrigatório de Lula na Lava Jato também serviu para reaproximar o ex-presidente de sua sucessora, justamente no momento em que Dilma buscava ampliar seus canais de interlocução com a oposição e se afastava do PT. Ontem, Dilma esteve em São Paulo para se encontrar com Lula, que passou a manhã em seu apartamento em São Bernardo do Campo (ABC paulista). Petista histórico, Olívio Dutra, ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro de Lula, alerta que o ex-presidente precisa dar explicações. “O Lula abriu um guarda-chuva enorme. Veio um amigo daqui, um amigo dali, que criaram situações. Agora, cabe a ele explicar, com toda a franqueza”, diz Dutra. Conforme mostrou a operação Aletheia, fase da Lava Jato deflagrada anteontem, a empreiteira OAS, uma das implicadas no esquema de corrupção e de desvios da Petrobrás, pagou R$ 1,3 milhão pelo armazenamento de bens do ex-presidente em um guarda móveis. A empresa de mudanças Granero confirmou ter recebido o valor da empreiteira e disse ter entregado parte da mudança de Lula no sítio de Atibaia (SP) ,que a investigação suspeita estar em nome de dois laranjas. Lula negou as acusações.

 

O EX-PRESIDENTE E A LAVA JATO

 

9 DE JUNHO/2015

Empresa

 

● PF diz que Camargo Corrêa pagou R$ 4,5 mi ao Instituto Lula e a uma empresa do ex-presidente de 2011 a 2013. Coaf enviou dados da empresa a investigadores

 

2 DE OUTUBRO/2015

Autorização do STF

 

● O ministro Teori Zavascki,relator da Lava Jato no STF, autoriza a PF a colher depoimento do ex-presidente como “informante”

 

1º DE JANEIRO/2016

Sítio

 

● A PF investiga as obras em um sítio em Atibaia, frequentado por Lula e familiares. A suspeita é de que empreiteiras tenham reformado o local

 

27 DE JANEIRO/2016

Tríplex

 

● Lava Jato apura a ligação entre o condomínio Solaris, no Guarujá, onde mulher de Lula tinha a opção de comprar imóvel hoje em nome da OAS

 

3 DE MARÇO/2016

Delcídio

 

● Em negociação de acordo de delação, Delcídio Amaral diz que partiu de Lula ordem para convencer Nestor Cerveró a não implicar José Carlos Bumlai

 

4 DE MARÇO/2016

Depósito

 

 

● Lava Jato concluiu que OAS pagou R$ 1,3 bi para armazenar, por cinco anos, bens que Lula acumulou ao deixar a Presidência da República

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Juiz rejeita ‘antecipação de culpa’ do petista

Ricardo Brandt

Fausto Macedo

Julia Affonso

 

O juiz federal Sérgio Moro afirmou ontem, por meio de nota, que o depoimento do ex -presidente Luiz Inácio Lula da Silva não significa uma antecipação de culpa do petista. A medida determinada por Moro foi criticada por nomes importantes do meio jurídico e pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal. Anteontem,Lula foi surpreendido pela Polícia Federal na casa dele, em São Bernardo do Campo,elevado para uma sala no Aeroporto de Congonhas. Durante o depoimento do ex-presidente, que se prolongou por mais de três horas, manifestantes pró e contra o petista se confrontaram nas ruas da capital e de outras cidades do País. Ontem, a fachada do Instituto Lula amanheceu pichada, e o ato de vandalismo foi coberto por um grafite. A Aletheia, 24.ª fase da Lava Jato, foi desencadeada por ordem de Moro, que acolheu representação do Ministério Público Federal. Na nota de ontem, o magistrado destacou que “a democracia reclama tolerância em relação a opiniões divergentes e respeito às instituições constituídas e à qualquer pessoa”. Moro demonstrou ter ficado consternado com o clima acirrado. “A pedido do Ministério Público Federal, este juiz autorizou a realização de buscas e apreensões e condução coercitiva do ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento. Como consignado na decisão, essas medidas investigatórias visam apenas o esclarecimento da verdade e não significam antecipação de culpa do ex-presidente.” O juiz observa que “cuidados foram tomados para preservar, durante a diligência, a imagem do ex-presidente”. “Lamenta-se que as diligências tenham levado a pontuais confrontos em manifestação políticas inflamadas, com agressões a inocentes, exatamente o que se pretendia evitar.” Moro disse que “a democracia em uma sociedade livre reclama tolerância em relação a opiniões divergentes, respeito à lei e às instituições constituídas e compreensão em relação ao outro”.

 

Cortina de fumaça’. O Ministério Público Federal classificou de “cortina de fumaça” a controvérsia gerada com a medida de Moro. “Tal discussão nada mais é que uma cortina de fumaça sobre os fatos investigados”, afirma o MPF em nota divulgada na noite de ontem. Em outro trecho, os procuradores da força-tarefa declaram que, “considerando que em outros 116 mandados de condução coercitiva não houve tal clamor, conclui-se que esses críticos insurgem se não contra o instituto da condução coercitiva em si, mas sim pela condução coercitiva de um ex-presidente da República”. Ao autorizar as buscas da Operação Aletheia, Moro determinou que a PF extraísse da sede da OAS em Salvador cópias dos e-mails do ex-presidente da empreiteira José Adelmário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, condenado a 16 anos e 4 meses de prisão na Lava Jato por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A PF e a Procuradoria da República suspeitam que a OAS bancou reformas milionárias em dois imóveis atribuídos ao ex presidente: o sítio Santa Bárbara, em Atibaia, e o tríplex no Condomínio Solaris, no Guarujá. No celular do empreiteiro, os investigadores já recuperaram várias mensagens citando políticos do alto escalão do governo e também da oposição. Entre os políticos mencionados nas mensagens estão o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, e o senador do DEM José Agripino Maia (RN).

 

Dossiê. De acordo com reportagem da revista Veja, o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, recebeu no Palácio do Planalto no fim de2015 um dossiê de seis páginas que acusa o juiz Sérgio Moro, procuradores, delegados da Lava Jato e advogados dos réus que colaboram com a Justiça de fazerem parte de um plano do PSDB para acabar com o PT e o governo. O documento foi entregue por dois policiais federais ligados a sindicatos da categoria, em audiência não registrada na agenda do ministro, da qual também participou o governador do Acre, Tião Viana (PT). Segundo Veja, Wagner teria dito que enviaria o dossiê para “um promotor baiano de sua confiança dar sequência ao assunto”. Ontem, ao Estado, por meio de sua assessoria, o ministro negou ter recebido o dossiê. “Desconheço e não me interessa conhecer.”

 

Posicionamento

 

“Como consignado na decisão (judicial), essas medidas investigatórias visam apenas o esclarecimento da verdade e não significam antecipação de culpa do ex-presidente”

 

“Democracia reclama tolerância em relação a opiniões divergentes”

Sérgio Moro

 

JUIZ FEDERAL